28% era o número mágico que Rui Rio dizia que não tinha na cabeça — mas que todos à sua volta tinham. Isso e um PS sem maioria, dependente de outros, e uma distância entre PS e PSD que não chegasse aos 10 pontos percentuais. Todos estes requisitos mínimos foram cumpridos, à justa, mas foram. Por isso, o que se seguiu, já perto da meia noite, quando Rui Rio entrou finalmente na sala de hotel onde estava montado o quartel-general do PSD, em Lisboa, foram 20 minutos de como transformar uma derrota numa vitória eleitoral. Ou como ver o copo meio cheio, e não meio vazio.
Ponto número um: Chegar à sala com um sorriso nos lábios, pôr a sala de pé a gritar “PSD! PSD! PSD!”, com bandeiras cor de laranja ao alto. Ponto número dois: Chegar ao púlpito e fazer um compasso de espera para continuar a ouvir chamar pelo seu nome: “Rui Rio! Rui Rio!”. Era a primeira vez que Rui Rio descia ao sítio onde se encontrava a comunicação social, depois de ter estado mais de cinco horas no 18º andar do hotel Marriot a analisar ao detalhe as projeções e o apuramento dos resultados. Tinha chegado pouco depois das 18h30, e só perto da meia-noite foi avistado novamente: desceu com os seus mais próximos, David Justino, Florbela Guedes, Maló de Abreu, Paulo Mota Pinto, Salvador Malheiro e José Silvano. Nuno Morais Sarmento, o vice que nunca esteve no terreno durante as duas semanas de campanha, também estava presente. Todos tinham os olhos postos no copo meio cheio: mantém-se a bipolarização entre PS e PSD, e o PSD continua a ser “a única alternativa” ao PS.
Visivelmente bem-disposto, a arriscar piadas ao microfone e a sublinhar, inclusive, que o PSD não perdeu “o sentido de humor” nem o “sentido de Estado” durante todo o processo, Rio felicitou “todos os adversários, sem exceção” e anunciou que já tinha ligado a António Costa a felicitá-lo pela vitória. Portanto, fairplay. Quer dizer que uma derrota é uma derrota, e uma vitória é uma vitória? Bom, mais ou menos: “Existiu a derrota no sentido do termo em que um ganhou e o outro perdeu”. Mas… Mas depois há as circunstâncias.
[Começa agora a prova dos nove. O filme da noite eleitoral]
E é assim que chegamos ao ponto número três: a distribuição de culpas. Rio chamou-lhe “o enquadramento difícil” em que chegou ao dia 6 de outubro, onde inclui obstáculos “internos” e obstáculos “externos”. Primeiro, os externos: a conjuntura internacional favorável que permitiu o crescimento da economia sem que o Governo precisasse de “fazer muito por isso”; o surgimento de novos partidos à direita do PSD, alguns deles até “dentro do próprio PSD”, cuja dispersão de votos tirou, nas contas de Rio, cerca de 2% ao PSD; e, por fim, as sondagens, onde Rui Rio destacou uma da SIC/Expresso, publicada há apenas três semanas, que dava o PS com maioria absoluta e o PSD perto de 20%, que galvanizaram as hostes de uns e desmotivaram as hostes de outros. Depois, os fatores internos: uma instabilidade “nunca antes vista na história do PSD exclusivamente motivada por ambições pessoais”. Palavras muito duras usadas por Rio para atingir os críticos, encabeçados por Luís Montenegro, que dificultaram o seu mandato e que agora estão à espreita para o pós-eleições.
Perante todo este cenário desastroso, Rui Rio tira assim a primeira conclusão de vitória: “Não houve desastre nenhum”. Ao contrário do que todos antecipavam, “e ao contrário do que alguns até desejavam”, não houve “hecatombe nenhuma”. O PSD continua a ser “a única alternativa para governar Portugal”, ia repetindo Rui Rio, intercalado por fortes aplausos da sala cheia do Marriott.
Agora, os resultados propriamente ditos: apesar de o resultado ter sido melhor do que muitas sondagens inicialmente projetavam, 28% não continua a ser pouco? 28,7% foi, por exemplo, o que teve Pedro Santana Lopes em 2005 quando defrontou José Sócrates… Mas Rui Rio tem a resposta pronta. Ponto número quatro do manual: usar um termo de comparação amigo e lembrar que três dos quatro objetivos foram atingidos. Termo de comparação: a coligação Passos/Portas de 2015. “Se estimarmos que o CDS valia 8% naquela altura, o resultado é praticamente idêntico ao que foi em 2015, quando a PàF teve 36,8”, disse Rio. Três dos quatro objetivos atingidos: o PSD pode não ter atingido o seu principal objetivo, que era ganhar, mas atingiu todos os outros — o PS não teve maioria absoluta, a esquerda não teve mais de 66% do Parlamento e o PSD não teve o pior resultado da história. Ou seja, sublinhando que, no limite, o líder do partido é “o primeiro responsável pelo resultado, para o bem e para o mal”, a verdade é que Rui Rio não se coibiu de traçar todo um caderno de culpas repartidas.
E agora? O futuro de Rui Rio na liderança do PSD é precisamente o quinto ponto do manual que recitou sobre como transformar uma derrota numa vitória. Rui Rio não só não se demite, como dá todos os sinais de que o que fará é precisamente o contrário: manter-se no partido e recandidatar-se à liderança depois de convocados os órgãos próprios. Prova disso foi ter garantido que vai assumir o lugar de deputado, e o facto de se ter mostrado já de olhos postos nas autárquicas de 2021, com Rui Rio a mostrar-se confiante de que o PSD pode e deve recuperar parte da implantação autárquica perdida e, com isso, desgastar o supostamente já frágil governo que agora se vai formar. Mas, primeiro, é preciso olhar para o grau de fragilidade do governo que aí vem. “Nenhum de nós sabe exatamente o que o PS quer fazer”, disse. Portanto, é preciso “ponderar”. Mas “não há tabus” sobre a recandidatura. O mais certo é mesmo recandidatar-se. Está dito, sem o dizer.
Um detalhe: terminada a contagem dos votos, o PSD não ficou exatamente com os 28% mágicos, mas com 27,9%. Por uma décima se ganha, por uma se perde, dizia-se por aí durante a longa noite eleitoral… O próximo capítulo joga-se nas semanas que aí vêm. É certo que a oposição interna de Rio não se vai calar e vai tentar “desgastar” o ainda líder até às diretas do partido. Também parece certo que Rio vai a jogo, depois de “ponderar”. “Vai ser renhido”, ouvia-se no piso -1 do Marriott.