Há quase seis anos, em Barcelona, um jovem de 17 anos estreou-se na liga espanhola com a camisola dos catalães. Entrou para o lugar de Neymar num jogo contra o Granada, num momento em que culminaram anos e anos de formação em La Masia, a academia que produziu Xavi, Iniesta e Messi. Passaram dois anos até esse jovem, um extremo de explosão e potência física, perceber que o próprio futuro — por mais que não fosse o que estava escrito, planeado e preparado — não passava por Espanha nem pelo Camp Nou. Saiu para Inglaterra e para o Aston Villa, depois para o Middlesbrough, e em 2018 aterrou no recém-promovido Wolverhampton. Este domingo, pouco mais de um ano depois de ficar às ordens de Nuno Espírito Santo, Adama Traoré marcou dois golos ao bicampeão Manchester City e deixou uma cidade inteira rendida.

Mas a história do espanhol filho de malianos tem muito mais para contar. Tal como acontece nos contos de fadas e nos filmes com final feliz, Traoré não entrou no onze inicial de Espírito Santo assim que chegou ao Wolves. Na temporada passada, aliás, foi quase sempre suplente utilizado e era um jóquer habitual que o treinador português tinha no banco para lançar quando as coisas não estavam a correr bem — a titularidade, essa, parecia estar reservada ao constante Doherty, mais confiável do que o irregular Traoré. Com 1,78 metros, o jogador é conhecido por ser muito veloz e forte no confronto físico e causar perigo principalmente na hora das transições rápidas com ou sem bola. A falta de definição e de discernimento no último terço, contudo, era e continua a ser o calcanhar de Aquiles do espanhol (tal como o próprio referiu em entrevista ao The Guardian).

Traoré é formado no Barcelona e estreou-se na liga espanhola com apenas 17 anos

Num início de temporada difícil e expectavelmente sobrecarregado, graças à presença na Liga Europa, o Wolves sofreu um revés com a lesão de Doherty, lateral que cumpriu a função de ocupar todo o corredor direito da equipa na surpreendente temporada passada em que o clube foi o primeiro depois dos big six na Premier League. A solução natural para render Doherty no cargo de ser um médio quase lateral que às vezes tem de ser extremo foi Adama Traoré, que atribuiu à dinâmica da equipa uma força, uma velocidade e uma vontade que o Wolves não estava a conseguir implementar. As boas exibições garantiram-lhe o lugar no onze inicial — mesmo depois do regresso de Doherty — e Nuno Espírito Santo tem experimentado várias hipóteses para Traoré, desde jogar em terrenos mais interiores a ocupar a faixa ou até a atuar como avançado, ao lado de Raúl Jiménez e Diogo Jota.

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Este domingo, num jogo em casa contra o Manchester City em que nunca foi terrivelmente inferior mas estava a lutar, de forma natural, para manter o nulo no marcador, o Wolves acabou por conseguir marcar dois golos nos instantes finais da partida e impôs a segunda derrota da época à equipa de Pep Guardiola. Os dois golos, praticamente idênticos, marcados através de uma transição muito rápida que terminou com um remate à saída de Ederson, foram direitinhos para a conta pessoal de Adama Traoré — que até aqui tinha apenas um golo marcado pelo Wolves. O jogador bisou contra os bicampeões ingleses e os adeptos do Liverpool, que com este resultado ficou com oito pontos de vantagem na liderança da tabela, já pedem uma estátua para Traoré nas imediações de Anfield.

Wolves vence Manchester City em mais um dia para Nuno recordar (mas Bernardo foi para casa de coração cheio)

O espanhol de 23 anos, que chegou a ter o rótulo de flop depois de deixar o Barcelona, é agora um dos destaques do Wolverhampton de Nuno Espírito Santo, que na altura nas eliminatórias de acesso à Liga Europa já explicava que o clube estava a “construir um jogador”. “A maneira como ele levantou a equipa, a maneira como ele criou lances, a maneira como ele desequilibrou os adversários. Ele consegue fazer tudo isto e muito mais. Mas tem de melhorar muito. Desta vez foi estável na defesa, a cobrir o central e a ganhar bolas pelo ar. Estamos a construir um jogador”, garantiu o treinador português depois da receção aos italianos do Torino. Adama Traoré é um diamante em bruto que está longe de ser taticamente, tecnicamente e globalmente perfeito — mas que tem em Nuno Espírito Santo um escultor à altura.