Depois de já ter encerrado na noite de sábado por falta de médicos, a urgência pediátrica do hospital Garcia de Orta, em Almada, vai voltar a encerrar esta segunda-feira à noite, reabrindo apenas às 8h30 de terça-feira. O motivo é o mesmo: insuficiência de pediatrias para cumprir a escala noturna do hospital. A notícia é avançada pela TVI24, que cita um comunicado do Conselho de Administração da unidade hospitalar.

Solicita-se a todos os utentes que, caso necessitem de recorrer a uma urgência pediátrica durante o referido período, se dirijam à Urgência Pediátrica do Hospital de Santa Maria ou do Hospital de Dona Estefânia”, lê-se no comunicado, citado pela TVI24.

Antes do anúncio de novo encerramento, o bastonário da Ordem dos Médicos tinha considerado que o fecho da urgência pediátrica do Garcia de Orta na noite de sábado representava uma “falência do Ministério da Saúde e do Estado”, que está há meses sem resolver a situação. Agora, a situação repete-se.

“Inaceitável que a situação não tenha sido resolvida”, diz Ordem

Em declarações à agência Lusa, o bastonário Miguel Guimarães tinha dito que iria escrever à ministra da Saúde a alertar novamente para a “grave carência” de pediatras no Hospital Garcia de Orta, em Almada, lembrando que se algum acidente acontecer naquele serviço de urgência terá de ser o Ministério da Saúde a assumir responsabilidades. Miguel Guimarães adiantara ainda que iria dar conhecimento da carta enviada ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, “para que em ninguém fiquem dúvidas do que se está a passar no Garcia de Orta”.

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A Ordem anunciou ainda que iria preparar uma carta para enviar a todos os diretores clínicos do país, de hospitais públicos e privados, a avisar para a importância de respeitarem as equipas tipo estabelecidas nos serviços, sendo este um dos problemas da pediatria do Garcia de Orta.

Esta será uma carta aberta, a alertar os diretores clínicos [que são médicos] para a necessidade de respeitarem a constituição das equipas tipo, lembrando que podem ter responsabilidades disciplinares nesta matéria, porque a falha das equipas tipo pode diminuir a segurança clínica”, explicou Miguel Guimarães à Lusa.

O bastonário tinha acrescentado também que tencionava criar um novo documento de “declaração de responsabilidade”, que os médicos devem assinar quando entendem não estarem asseguradas as condições dos seus serviços. Miguel Guimarães explica pretender que esses documentos lhe sejam enviados diretamente e que possam servir para “assacar responsabilidades políticas” pelas insuficiências de meios nos serviços de saúde.

Sobre a urgência pediátrica do Garcia de Orta, o bastonário mostrara-se muito crítico, dizendo que “é inaceitável e incompreensível que a situação não tenha sido ainda resolvida” e recordando que os médicos andam desde o ano passado a chamar a atenção para a falta de médicos. Em setembro, a ministra da Saúde, Marta Temido, falara da situação do hospital mencionando “dificuldades no preenchimento de um dia de escala concreto” — dia 13 desse mês — mas garantia que o problema estava “ultrapassado”.

Ordem não aceita “que os médicos continuem a ser escravizados”

Em declarações à Lusa, o bastonário da Ordem dos Médicos tinha recordado ainda que este serviço recebe cerca de 150 crianças por dia e que chega a ser assegurado por um médico especialista e um médico interno (em formação de especialidade). Miguel Guimarães lembrara ainda que chegou a apresentar uma participação à Inspeção-geral das Atividades em Saúde sobre a situação, já há meio ano, a pedir que fosse investigada a composição das equipas da urgência pediátrica do hospital em Almada. Até ao momento, o bastonário disse não ter obtido resposta e, do que sabe, a IGAS ainda não apresentou qualquer resultado de uma investigação sobre o assunto.

Num recado ao poder político, Guimarães sublinhara que a Ordem “não aceita que os médicos continuem a ser escravizados e a servir de bode expiatório do sistema”, lamentando medidas para reter clínicos no Serviço Nacional de Saúde (SNS). “Não é aceitável que um especialista leve para casa menos de 1.700 euros”, exemplificou. O bastonário insistiu que faltam cerca de cinco mil médicos no SNS e que os profissionais que lá trabalham estão “sobrecarregados” e muitas vezes sem “as condições mínimas” de trabalho.

Por seu turno, os pediatras do Hospital Garcia de Orta pediram a intervenção urgente da Ordem dos Médicos na situação do encerramento do serviço de urgência no sábado, por considerarem que não há condições mínimas de segurança para os doentes em vários momentos. Também os médicos internos, em formação, denunciam que têm sido “incessantemente coagidos pela administração para cumprirem horas de urgência além do estipulado por lei” e que são “pressionados” a trabalhar numa urgência com uma equipa de apenas dois elementos, quando o mínimo exigível seria quatro.

Numa carta enviada ao bastonário dos Médicos no início deste mês, e a que a agência Lusa teve acesso, os pediatras do Garcia de Orta referiam que a situação que o serviço de urgência atravessa é grave e que se “deteriorou muito” no último ano, apesar dos vários alertas feitos em finais de 2018. Em alguns dias, a equipa de urgência de pediatria é composta apenas por dois elementos, “não estando assim garantidas as condições mínimas de segurança para os doentes”.

Estamos diariamente a ser confrontados com dias de urgência com equipas incompletas, pressionados para fazer mais horas extraordinárias ou na esperança que exista disponibilidade de pediatras de outras instituições, o que tem sido muito pontual”, contam os médicos do Garcia de Orta.

Além de terem saído 13 assistentes hospitalares que trabalhavam na urgência nos últimos dois anos, as últimas quatro vagas atribuídas em concurso pelo Ministério da Saúde nem sequer foram ocupadas. “Atualmente, apenas nove assistentes hospitalares fazem urgência externa no serviço de pediatria, dos quais um se encontra em licença de maternidade, dois têm mais de 50 anos (estando isentos de trabalho noturno) e dois com mais de 55 anos que aceitam manter atividade regular na urgência. Assim, destes nove apenas quatro podem assegurar a urgência no período noturno”, lê-se na carta enviada à Ordem.

Também os médicos em formação de especialidade de pediatria no Garcia de Orta escreveram à Ordem a pedir ajuda para resolver o problema e a solicitar a “proteção dos internos”.

Temos assistido a uma degradação gradual e constante das condições de trabalho, da atividade assistencial e da atividade formativa do serviço por consequência direta das ações e decisões de entidades superiores, apesar dos esforços sobre-humanos dos elementos do serviço para protegerem os internos, o serviço e, acima de tudo, a qualidade dos cuidados prestados à população”, refere a carta dos internos a que a Lusa teve acesso.