Passou um mês e 22 dias desde que Marcel Keizer foi despedido do comando técnico do Sporting. Ou seja, quase dois meses. Ou seja, sete semanas. E existem poucos adjetivos para classificar o que foram para o futebol do Sporting, a nível desportivo, institucional e global, estas últimas sete semanas. Keizer saiu, Leonel Pontes segurou as escassas pontas que havia e saiu sem vitórias para dar o lugar a Silas. Pelo meio, a contestação a Frederico Varandas e à restante Direção subiu de tom, alargou-se das bancadas de Alvalade às do Pavilhão João Rocha, esteve presente na Assembleia-Geral de sócios e só acalmou com as duas vitórias nos dois primeiros jogos com o ex-Belenenses SAD no comando. Na ida para os compromissos das seleções, pelo menos do ponto de vista desportivo, tudo parecia mais calmo.

Até Alverca. Até ao apito final, já perto das 23h, que confirmou a passagem do Alverca à quarta eliminatória da Taça de Portugal e a eliminação do Sporting aos pés de uma equipa do Campeonato de Portugal. A derrocada da semana passada abriu uma caixa de Pandora que se torna já um vórtice usual na história recente dos leões: protestos nas bancadas, episódios de violência no exterior, críticas aos jogadores à saída das garagens e pedidos de demissão dos órgãos sociais; dias depois, declarações de alguns notáveis a apelar à calma e à união; e num último passo, o ressurgimento de nomes como José Maria Ricciardi e António Pires de Lima, sendo que o primeiro assumiu a disponibilidade para se recandidatar e o segundo negou essa mesma intenção.

Ficha de jogo

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Sporting-Rosenborg, 1-0

Fase de grupos da Liga Europa

Estádio José Alvalade, em Lisboa

Árbitro: Lawrence Visser (Bélgica)

Sporting: Renan, Rosier, Coates, Mathieu, Acuña, Doumbia, Wendel (Eduardo, 88′), Bruno Fernandes, Vietto (Borja, 84′), Luiz Phellype (Pedro Mendes, 64′), Bolasie

Suplentes não utilizados: Luís Maximiano, Ilori, Miguel Luís, Jesé

Treinador: Silas

Rosenborg: Hansen, Hedenstad, Reginiussen, Hovland, Meling, Jensen, Lundemo, Asen (Helland, 81′), Akintola (Konradsen, 76′), Soderlund, Adegbenro (Johnsen, 81′)

Suplentes não utilizados: Ostbo, Trondsen, Valsvik, Ceide

Treinador: Eirik Horneland

Golos: Bolasie (70′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Coates (35′), Vietto (63′), Rosier (76′), Helland (90+2′), Jensen (90+3′)

Mas este vórtice, o vórtice clássico e tradicional do Sporting, teve nestas sete semanas um desenvolvimento anormal, inédito e inesperado. No seguimento das ações das duas claques durante o jogo de futsal dos leões no passado sábado, a Direção leonina anunciou que tinha rasgado os protocolos com a Juventude Leonina e o Diretivo XXI, retirando todos os benefícios aos grupos organizados de adeptos e cortando uma estreita ligação desde há muitos anos. Esta quinta-feira, dia do primeiro jogo oficial do futebol do Sporting desde o término das relações entre as duas partes, sabia-se desde logo que a forma como a noite iria terminar dependia direta, única e quase exclusivamente do resultado contra o Rosenborg.

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Naquilo que acontece dentro do relvado, Silas repôs a normalidade depois das poupanças da Taça de Portugal e lançou o habitual meio-campo, com Doumbia, Wendel e Bruno Fernandes, e um trio de ataque formado por Luiz Phellype no centro, Bolasie na direita e Vietto na esquerda. O Rosenborg, tetracampeão norueguês mas atualmente na quarta posição da principal liga do país, visitava Alvalade depois de ter perdido na Áustria com o LASK e ter sido goleado em casa pelo PSV — ou seja, lutava pela vida e pela Europa esta quinta-feira. O Sporting entrou no jogo algo adormecido, assim como o adversário, e o primeiro lance mais veloz só surgiu à passagem do minuto 10, quando Luiz Phellype respondeu de cabeça a um cruzamento de Acuña. Os leões ficaram a pedir grande penalidade por mão na bola de um defesa norueguês mas o árbitro da partida nada assinalou.

A equipa de Silas assumiu a iniciativa do jogo e colocou Mathieu e Coates, a primeira linha de construção, muito subidos no terreno, de forma a explorar por inteiro o meio-campo defensivo dos noruegueses. O problema é que sempre que os dois centrais leoninos surgiam com a bola controlada à procura de linhas de passe, não existiam desmarcações, ninguém rasgava setores para aparecer nas costas dos adversários e não aparecia qualquer ideia disruptiva que pudesse ser uma solução. Bruno Fernandes acertou na trave de bola parada (16′), na conversão de um livre direto depois de uma falta que ele próprio sofreu, e essa foi a melhor oportunidade do jogo durante a primeira parte: o que diz muito da ausência de acontecimentos até ao intervalo em Alvalade.

Ainda assim, com o passar dos minutos, o Rosenborg agarrou na passividade leonina para a tornar vontade e crer e começou a mostrar uma intensidade ofensiva que ainda não tinha deixado perceber. A partir do corredor esquerdo do ataque, onde Meling e Asen davam problemas a Acuña, os noruegueses foram subindo no terreno e ficaram até perto de inaugurar o marcador com um remate fraco de Akintola que Renan recolheu (22′). Vietto ainda teve uma bola de golo depois de um erro defensivo do Rosenborg (30′) e Coates ia voltando a fazer autogolo (31′) mas a verdade é que o resumo da primeira parte do Sporting poderia ser feito com uma frase simples: braços no ar, bola no pé, cabeça longe. Os leões esmagaram o adversário no que diz respeito à posse de bola e ao controlo do jogo mas não sabiam perder a posse, cometiam erros desnecessários e infantis e estavam desconcentrados. E as bancadas de Alvalade acusaram a exibição sofrível nos últimos instantes da primeira parte.

Na segunda parte, o contexto pouco ou nada se alterou mas o Sporting subiu as linhas, de forma a procurar ficar por inteiro no meio-campo adversário e asfixiar o Rosenborg até chegar ao golo. Lá à frente, porém, o coletivo dava cada vez mais o lugar às iniciativas individuais, com Bruno Fernandes e Bolasie à cabeça: Mathieu chegava à linha divisória, pisava a bola e olhava para os restantes nove colegas de equipa, que se escondiam atrás dos jogadores do Rosenborg. O jogo circulava, os leões voltavam a dominar no prisma da posse de bola mas não conseguiam fazer nada com esse dado estatístico. Os noruegueses, assim como haviam feito na primeira parte, agarraram na ausência de fluxo ofensivo do Sporting para catapultar os setores para a frente.

Sem nota artística, o Rosenborg criava e construía até chegar ao último terço leonino mas pecava na definição e no critério. Prova disso foi o remate de Akintola que desviou em Coates e saiu pela linha de fundo (62′), num lance em que o avançado não soube transportar para os pés a vontade com que roubou a bola a Mathieu instantes antes. Silas trocou avançado por avançado, Luis Phellype por Pedro Mendes, e tentou garantir ao setor ofensivo uma eficácia que estava claramente a escassear: perto dos 70 minutos, os leões tinham 14 remates enquadrados e continuavam sem marcar. Mas num jogo mal jogado, com pouca criatividade, sem grandes picos de interesse, o único golo que poderia ter aparecido tinha de ser uma carambola inesperada. E se as leis do futebol dizem que não existem golos feios, a verdade é que este foi no mínimo um golo pouco bonito.

Vietto rematou a partir da esquerda, a bola foi desviada e subiu muito; Bolasie acreditou, saltou, cabeceou, a bola bateu em Hovland e traiu o guarda-redes dos noruegueses (70′). O avançado congolês, que foi de forma consistente o jogador que mais fez para chegar à vantagem, estreou-se a marcar pelo Sporting e viu recompensada a vontade que mostrou sempre desde o apito inicial. A partir do golo, e já depois de esgotar as substituições para lançar dois homens de ataques frescos, o Rosenborg ganhou um ascendente na partida e soube reagir à desvantagem, aproveitando o adormecer dos leões e o recuar dos blocos da equipa de Silas. Os noruegueses estiveram perto de empatar numa oportunidade do recém-entrado Konradsen (78′) e o Sporting não escondeu que os últimos dez minutos seriam cumpridos a defender o resultado quando trocou Vietto por Borja.

O Sporting mostra cada vez mais que o problema da equipa é intrínseco, interno e interior: e que nada tem que ver com as equipas técnicas. Os leões não jogavam bem com Marcel Keizer, não jogavam bem com Leonel Pontes e continuam sem jogar bem com Silas. Coates comete erros que não cometia nas temporadas anteriores, Doumbia perde bolas que um médio defensivo não pode perder, Wendel está totalmente desinspirado e toda a equipa sofre em noites como a desta quinta-feira, em que Bruno Fernandes não teve nenhum rasgo de brilhantismo e esteve alguns furos abaixo da qualidade que já demonstrou. Face a um Rosenborg que não conseguiu rejeitar o facto de ser uma equipa modesta, o Sporting mostrou um autêntico oásis de ideias durante o processo ofensivo, uma incapacidade crónica de desequilibrar e uma vontade cada vez menor de lutar pelos resultados. E nada disto se altera com treinadores, equipas técnicas ou protocolos terminados com claques.

Ainda assim, os leões ganharam, somaram a segunda vitória em três jogos na Liga Europa e permanecem em boa posição para a passagem à próxima fase (principalmente tendo em conta que PSV e LASK empataram sem golos). Conquistados os três pontos, foi conquistada também uma noite aparentemente tranquila face ao resultado positivo. Mas a exibição, assim como o momento atual do Sporting que é transversal a todos os prismas, é o espelho de um grupo que há muito não tem a cabeça no sítio quando tem a bola nos pés.