O Presidente de França, Emmanuel Macron, alertou esta quinta-feira que a organização de defesa que junta a Europa aos Estados Unidos, a NATO, está em “morte cerebral” devido ao afastamento dos EUA e ao comportamento da Turquia.
Numa entrevista esta quinta-feira publicada pela revista The Economist, Emmanuel Macron defendeu ser fundamental “clarificar os objetivos estratégicos da NATO”, referindo a necessidade de “muscular a defesa da Europa”.
Os líderes da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO), criada em 1949 para promover a defesa mútua contra um ataque por qualquer entidade externa à organização, vão reunir-se em Londres no início de dezembro.
“Não há qualquer coordenação das decisões estratégica entre os Estados Unidos e os parceiros da NATO e estamos a testemunhar uma agressão feita por outro parceiro, a Turquia, numa área em que nossos interesses estão em jogo”, sublinhou o Presidente francês. “O que aconteceu é um enorme problema para a NATO”.
A Turquia lançou a 9 de outubro uma ofensiva contra a milícia curdo-síria Unidades de Proteção Popular (YPG), que considera terrorista, mas que foi apoiada pelos países ocidentais na luta contra o grupo jihadista Estado Islâmico.
Turquia abre um novo capítulo na guerra da Síria ao iniciar ofensiva contra os curdos
A ofensiva aconteceu poucos dias depois de os Estados Unidos se terem retirado da região, tendo a Rússia, principal aliado de Damasco, acabado por se posicionar como árbitro entre a Turquia e a Síria. O conflito foi discutido numa reunião dos ministros da Defesa dos Aliados, em 25 de outubro, sendo que a Turquia ficou isolada e os Estados Unidos foram particularmente críticos.
Na entrevista esta quinta-feira publicada, o chefe de Estado francês questiona o futuro do artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte, que prevê a solidariedade militar entre os membros da NATO se um deles for atacado. “Como funcionará o artigo 5.º no futuro? Se o regime de Bashar al-Assad decidir retaliar contra a Turquia, [os Estados da NATO] envolvem-se? Isto é uma questão real”, disse Emmanuel Macron.
“Estamos empenhados em combater o Daesh (acrónimo árabe do grupo extremista Estado Islâmico). O paradoxo é que a decisão dos EUA e a ofensiva turca têm, em ambos os casos, um mesmo resultado: o sacrifício dos nossos parceiros no terreno, que se bateram contra o Daesh, as Forças Democráticas da Síria (FDS)”, alertou.
As FDS, dominadas por combatentes curdos, foram apoiadas por uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos no combate ao Estado Islâmico, antes da recente retirada dos norte-americanos da Síria. Isto, para o Presidente francês, torna ainda “mais essencial uma Europa da defesa – uma Europa que deve dotar-se de autonomia estratégica e militar — e, por outro lado, mostra a necessidade de reabrir um diálogo estratégico, sem ingenuidade, com a Rússia“, disse.
“O Presidente [norte-americano, Donald] Trump, por quem tenho respeito, coloca a questão de a NATO ser um projeto comercial. Segundo diz, é um projeto em que os Estados Unidos funcionam como um guarda-chuva geopolítico, mas em que exigem, em contrapartida, uma exclusividade comercial, é uma razão para comprar [artigos] norte-americanos. A França não assinou [o tratado] para isso”, alertou.
O Presidente francês admitiu ainda estar alarmado com a “extraordinária fragilidade da Europa”, afirmando que esta “desaparecerá” se não “se considerar como uma potência no mundo”.
Não quero dramatizar, procuro ser lúcido”, sublinhou, apontando três grandes riscos para a Europa: “esquecer-se de que é uma comunidade”, o “desalinhamento” da política norte-americana em relação ao projeto europeu e o surgimento da China como potência “que, claramente, marginaliza a Europa”.
“Durante 70 anos, administrámos um pequeno milagre geopolítico, histórico e civilizacional: uma equação política sem hegemonia que permitiu a paz. (…) Mas hoje há uma série de fenómenos que nos colocam à beira do precipício”, sublinhou Macron, que também considera que a União Europeia se está a esvair com o Brexit.
O Presidente francês acredita que “a Europa se esqueceu que é uma comunidade e vê-se, cada vez mais, como um mercado em expansão”, o que, para Macron, corresponde a um “profundo fracasso” porque essa visão “está a reduzir o alcance político do projeto desde os anos 90”.