Há uma luta de titãs debaixo dos pés dos nossos antípodas neozelandeses. Há milhões de anos que duas placas tectónicas — peças que compõem a superfície terrestre como peças de um puzzle — chocam uma contra a outra numa batalha destruidora. De um lado, a placa do Pacífico; do outro, a placa da Austrália. As leis da natureza já sentenciaram quem é o vencedor e o vencido. A placa do Pacífico, mais densa, mergulha debaixo da outra e derrete nas temperaturas incandescentes do magma terrestre.

A da Austrália sobrevive. Mas do esforço hercúleo entre as duas resultam os sismos e erupções mais devastadores da natureza. O fenómeno desta segunda-feira, no entanto, nem sequer foi dos mais intensos — os vulcanólogos rotularam-no de “moderado”. Ainda assim, cinco pessoas foram já dadas como mortas nesta erupção na Nova Zelândia e há, pelo menos, 10 desaparecidos — num cenário que alguns já tinham sentenciado como perigoso: as visitas turísticas à ilha.

Turistas atingidos por erupção do vulcão mais ativo da Nova Zelândia. Há cinco mortos e vários feridos

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Whakaari nasceu desta guerra tectónica — uma guerra a que os cientistas chamam “subducção”. O nome com que foi batizado, originalmente “Te Puia o Whakaari'”, significa “o vulcão dramático”. À vista da população está apenas 30% da ilha, um pico com 321 metros de altitude. Tudo o resto está debaixo de água. Debaixo dele, uma janela para o manto criada pela colisão das placas deixa o magma escapar até à superfície. De cada vez que entra em erupção, Whakaari cresce mais um pouco. Camada após camada. É assim há 150 mil anos. E é por isso que os cientistas o classificam como um estratovulcão.

Tudo isto acontece a 48 quilómetros da costa este da Ilha do Norte, na Nova Zelândia, numa ilha rebatizada em 1769 para “Ilha Branca” pelo capitão britânico James Cook, possivelmente por causa da constante nuvem branca de cinzas expelida da cratera no pico do vulcão; ou pelos depósitos de guano — o nome das fezes deixadas pelos pássaros da ilha.

O segundo desastre em 100 anos

Ninguém consegue controlar a Ilha Branca. Está desabitada. A última vez que alguém tentou foi no final do século XIX quando o neozelandês John Alexander Wilson estabeleceu ali, numa ilha redonda com dois quilómetro de comprimento e 2,4 quilómetros de largura, uma mina de enxofre. À época, quando os antibióticos ainda não estavam no mercado, o enxofre era usado em medicamentos para combater bactérias.

Em 1914, no entanto, os 10 trabalhadores da mina morreram envolvidos numa avalanche de rochas, lama e água a que os cientistas chamam “lahar”. Os corpos nunca foram recuperados. Outra tentativa de exploração mineira foi feita nos anos 20. Dessa vez, os trabalhadores iam e vinham da ilha todos os dias. Ainda assim, o projeto foi abandonado ao fim de poucos anos. Para trás ficaram ruínas das infraestruturas erguidas à época, que agora são uma atração turística.

Uma ilustração da Ilha Branca na revista The Graphic em 1878. Créditos: Getty Images

Mais de um século depois, outro desastre teve palco na Ilha Branca. Pelo menos cinco pessoas morreram, outras 18 ficaram feridas e mais de 10 foram dadas como desaparecidas quando Whakaari entrou em erupção. Eram 14h11 de segunda-feira na Nova Zelândia, 01h11 em Portugal Continental.

As vítimas eram turistas que visitavam a ilha, ora de barco, ora de helicóptero, na esperança de explorar de perto o vulcão mais ativo da Nova Zelândia. O passeio permite até subir ao pico do vulcão e espreitar para o interior da cratera de onde são expelidos os piroclastos e a lava do Whakaari. Desta vez, o passeio provou ser mortal. Quem sobreviveu apresenta queimaduras graves. Quem ficou na ilha, onde a polícia não encontra sinais de vida, ainda não pode ser resgatado. É demasiado perigoso entrar lá.

Cientistas alertaram para risco de erupção há seis dias

A possibilidade de uma erupção vulcânica perigosa já tinha sido levantada pelos cientistas. No final de setembro, o vulcanólogo Steve Sherburn já tinha avisado que a atividade vulcânica do Whakaari tinha aumentado: “Pequenas explosões enlameadas e semelhantes a géiseres estão a ocorrer na cratera ativa de Whakaari devido a um crescente lago que inundou os respiradouros ativos”: “Observamos explosões de lama e vapor em pequena escala na área de ventilação ativa. Atingiram uma altura máxima de cerca de 10 metros”, descreveu.

Ainda assim, o nível de alerta manteve-se no mais baixo e o fenómeno “não simboliza nenhum perigo para os visitantes”, garantiam os especialistas.

Isso mudou há três semanas. A 18 de novembro, outro vulcanólogo, Michael Rosenberg, subiu o nível de alerta para o 2 porque “a atividade aumentou ainda mais” na Ilha Branca. “Nas últimas semanas, observamos um aumento na quantidade de SO2 [dióxido de enxofre] produzido. O gás SO2 tem origem no magma em profundidade”, descrevia o cientista. E prossegue: “Nas últimas semanas, o nível de sismos vulcânicos também aumentou de fraco para moderado. Isso pode ocorrer por várias razões, incluindo o movimento de gás através do vulcão, alterações no sistema geotérmico e até atividade de superfície — por exemplo, géiseres”, concluiu.

As zonas amarelas no solo da Ilha Branca correspondem a depósitos de enxofre, um minério muito procurado no século XIX, na era pré-antibióticos, para produzir medicamentos. Créditos: Tim Clayton/Corbis via Getty Images

A atualização mais recente tinha sido feita há seis dias por Brad Scott, que descreveu: “A agitação vulcânica moderada continua em Whakaari, com substanciais explosões de gás, vapor e lama observadas na abertura localizada na parte traseira do lago da cratera”. O cientista termina a descrição com um aviso: “As observações e dados até o momento sugerem que o vulcão pode estar a entrar num período em que a atividade eruptiva é mais provável do que o normal”.

O “nível 2 de alerta” em que o vulcão estava indica uma “atividade vulcânica moderada a elevada” com “risco de agitação vulcânica” e “potencial para erupção”. Esse aviso já estava em vigor há quase um mês, mas os vulcanólogos avisaram que “uma erupção pode ocorrer em qualquer nível” e que “os níveis podem não se mover em sequência porque a atividade pode mudar rapidamente”. Mas esta escala nada diz sobre a segurança de visitas turísticas à ilha em cada um desses níveis.

Como os cientistas “mantêm um olho” no vulcão

Agora, com a erupção vulcânica registada esta madrugada, o nível de alerta subiu para 3. Todas essas atualizações são feitas através de um projeto chamado GeoNet, que espalhou câmaras pela Ilha Branca para “manter um olho no vulcão”: “Ao fazerem observações visuais, os vulcanólogos podem observar coisas como a quantidade de vapor que sai do solo num determinado local, quaisquer quedas de rochas, mudanças em áreas de solo quente e o desenvolvimento de novas fumarolas e fontes termais, as quais podem indicar mudanças no estado do vulcão”, explica a página do projeto.

Outra forma de saber o que está a acontecer com o vulcão é estudar a composição química dos gases que liberta. Segundo o GeoNet, “à medida que o magma sobe no vulcão, a temperatura das fumarolas pode aumentar e química desses gases altera-se”. Isso permite aos cientistas saber se uma nova erupção vulcânica está ou não na iminência de acontecer: “Muitas vezes vemos as concentrações de magnésio aumentarem se novas rochas aparecem nas águas dos lagos da cratera”, descrevem os especialistas.

Uma imagem da ilha captada por satélite em 2013. Créditos: Getty Images via Getty Images

Outra técnica para saber se um vulcão está prestes a explodir ou não é estudar as deformações que podem aparecer no solo. Na Ilha Branca usa-se um sistema chamado “Continuous Global Positioning System” em que uma infraestrutura é construída no chão, ancorada a uma profundidade de cinco a 10 metros. Ligada a essa infraestrutura está uma antena e um recetor de GPS. Caso haja uma deformação no solo, esse recetor vai dar um alerta aos cientistas.

No vulcão da Ilha Branca, assim como em grande parte dos vulcões mais estudados pelo mundo, existe também uma rede de sismógrafos. Os cientistas perceberam que se registam mais sismos junto aos vulcões quando eles estão prestes a entrar em erupção. No caso do Whakaari, no entanto, o grande indicador do que se passa nas entranhas da Terra tem sido o estudo do lago que existe na cratera principal do vulcão.

É que “a principal fonte da água que enche o lago é a condensação de vapor e gás de fumarolas debaixo dessa água, assim como o escoamento das paredes circundantes da cratera”: “O estabelecimento de um lago semi-permanente na cratera da Ilha Branca mudou o alcance e os impactos prováveis ​​dos perigos para os visitantes da ilha”, avisou o GeoNet. Ou seja, estudando o comportamento do lago do Whakaari, pode saber-se mais sobre o que se passa com o vulcão.

É “muito perigoso” para os turistas visitar a ilha

Apesar da iminência de uma erupção vulcânica já ter sido assinalada pelos vulcanólogos dedicados ao Whakaari, os turistas continuaram a visitar o local. Ross Dowling, um especialista em turismo da Universidade de Edith Cowan (Austrália), diz que este acidente transparece o aumento global de turistas que visitam vulcões ativos por se sentirem atraídos por “um ambiente natural imprevisível”: “A maioria dos turistas assume que poderão visitar locais perigosos com relativa segurança”.

Uma imagem da erupção vulcânica captada por um turista que tinha visitado a ilha minutos antes. Créditos: Michael Schade/ @sch on Twitter

“No entanto”, avisou o especialista, “apesar do aumento da ciência por trás da previsão de erupções vulcânicas, ela não é infalível e os vulcões ativos podem entrar em erupção a qualquer momento”. O conselho de Ross Dowling é “permitir que os visitantes vejam vulcões ativos à distância, não que entrem em qualquer vulcão considerado ainda em fase ativa”. Até porque, como sublinha Richard Arculus, vulcanólogo da Universidade Nacional Australiana, “a Ilha Branca tem mostrado sinais de inquietação nas últimas semanas”.

Num comentário enviado aos jornalistas de ciência, Ray Cas, professor emérito da Universidade de Monash (Austrália) afirma que a erupção deste vulcão era “um acidente à espera de acontecer”: “Após visitá-lo duas vezes, sempre achei que era muito perigoso permitir aos grupos diários de turismo que visitem o vulcão desabitado da ilha de barco e helicóptero”, aponta.