O antigo ministro das Finanças Eduardo Catroga considera que a oposição tem razão em defender a descida do IVA na eletricidade e que foi o discurso do Governo sobre o fim da austeridade que abriu caminho a esta exigência.

“Diria que a oposição tem razão em exigir ao Governo que seja coerente com o seu discurso político, de que acabou com a austeridade”, afirmou, em entrevista à Lusa, Eduardo Catroga, que assumiu a pasta das Finanças na parte final do último governo de Cavaco Silva.

Em causa está a perspetiva de haver uma convergência política entre PSD, Bloco de Esquerda e PCP para reduzir o IVA da eletricidade e do gás no âmbito do próximo Orçamento do Estado, cuja proposta está prevista ser entregue pelo Governo no parlamento no próximo dia 16 de dezembro. Eduardo Catroga lembra que a taxa do IVA na eletricidade aumentou de 6% para 23% em 2011, no âmbito das medidas de austeridade tomadas durante o resgate financeiro.

“Foi o Governo que desenvolveu a teoria que acabou com a austeridade. Portanto, em coerência, o Governo devia ter iniciado um processo de redução destes impostos extraordinários que surgiram em período de emergência financeira”, referiu Catroga, que integra o Conselho Geral e de Supervisão da EDP em representação do acionista chinês China Three Gorges.

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Salientando que a política orçamental “é sempre uma questão de escolhas” e que o país tem “uma carga fiscal e um esforço fiscal relativo muito elevados”, Eduardo Catroga observou que é “mais gravoso para as famílias” pagarem 23% de IVA na eletricidade do que quem vai ao restaurante pagar uma taxa de 13%.

Baseando-se no draft orçamental que o Governo enviou para Bruxelas, o ex-ministro das Finanças acredita que o próximo OE “vai continuar na linha dos objetivos de consolidação orçamental” e o “processo necessário de redução da dívida pública”, mas considera que “a qualidade da consolidação orçamental dos últimos quatro anos podia ter sido melhor”.

Neste contexto, exemplifica com o facto de a carga fiscal ter disparado para níveis máximos e de a despesa pública ter subido “muito acima da taxa de inflação, num quadro já exagerado de despesa pública excessiva” para o nosso nível de desenvolvimento económico.

“Portugal precisa de criar condições para que a carga fiscal seja mais moderada para as famílias e para as empresas”, refere, para precisar que “isso só se consegue melhorando a qualidade da própria despesa pública”, e criando condições para tornar as empresas mais competitivas e para atrair investimento.

Questionado sobre qual o referencial de inflação que deve ser usado num cenário de aumento de salários na administração pública, o antigo governante apontou à taxa de inflação de 2019. “A taxa de inflação 2019 poderia servir a base [a aumentos salariais], porque a taxa de inflação prevista é sempre aleatória. Uma previsão é uma previsão. Um facto é um facto”, precisou.

Ainda que considere que “os salários na função pública deviam poder acompanhar, no mínimo, a taxa de inflação”, Eduardo Catroga ressalva que devia também ser criado um sistema de incentivos à melhoria da produtividade na administração pública.

“Mais do que automatismos, o que a função pública precisa é de um sistema de incentivos que premeie a melhoria da produtividade, dentro de um determinado plafond e dentro de um determinado valor que os contribuintes possam suportar”, sublinhou.

Catroga salientou que não se pode deixar de ter em conta que a despesa pública é “paga pelos contribuintes” e que “as famílias e as empresas portuguesas já estão muito sobrecarregadas”, sendo também com este facto em mente que aborda a questão dos aumentos extraordinários de que as pensões mais baixas foram alvo nos últimos anos.

“Sejam salários, sejam pensões, sejam lucros, só podemos aumentar a remuneração se conseguirmos aumentar a riqueza do país. Ouço muito falar em distribuição, mas hoje fala-se pouco na criação de condições para aumentar a produtividade e a riqueza do país”, salientou, referindo que os governos, sejam mais à esquerda ou mais à direita, “gostam de dar sinais para as pensões”, o que é importante fazer-se, desde que “na medida do possível”.

Grande incentivo às empresas seria pôr o Estado a pagar a 60 dias

O ex-ministro das Finanças Eduardo Catroga diz que “a grande medida” dirigida às empresas que deveria ser inserida no próximo Orçamento do Estado seria criar um mecanismo que penalizasse os pagamentos a fornecedores além dos 60 dias.

“O grande incentivo às empresas seria pôr no Orçamento do Estado mecanismos que penalizassem todos os órgãos da administração central, regional ou local que atrasassem os pagamentos além de 60 dias. Essa seria a grande medida”, afirmou o antigo ministro das Finanças, em entrevista à Lusa.

Eduardo Catroga ressalva, porém, que este prazo para pagamento dos serviços da administração pública aos seus fornecedores deve ser contado à luz da data de emissão das faturas e não da sua validação para evitar que os serviços usem “a tática da validação para atrasar pagamentos”.

O próximo Orçamento do Estado, diz, terá de “dar sinais positivos às empresas”, o que pode ser feito, sustenta, através de medidas “sem grande impacto na receita”, como a suavização do imposto sobre os lucros retidos ou o investimento produtivo “ou reduzindo a burocracia”. A proposta de Orçamento do Estado para 2020 deverá ser entregue na Assembleia da República na próxima segunda-feira, dia 16 de dezembro.

Para o antigo ministro das Finanças do último governo de Cavaco Silva, o anterior governo de António Costa “privilegiou acelerar a reposição de salários e de pensões, privilegiou a despesa pública corrente primária em detrimento do investimento público”, e tem a sua política orçamental “balizada” pela necessidade de, por um lado, manter as finanças públicas sustentáveis e, por outro, não aumentar mais a carga fiscal sobre as famílias e as empresas.

“Dentro dessas restrições orçamentais, que são comuns a qualquer governo em qualquer época, compete a cada governo fazer as suas opções políticas e, se quer dar mais recursos à saúde, tem de dar menos recursos a outros setores”, precisou. Neste quadro, Eduardo Catroga, que foi ministro das Finanças durante 22 meses, desvaloriza as notícias que têm vindo a público sobre os travões que Mário Centeno estará a impor ao crescimento de despesa reclamado por alguns dos seus colegas de governo.

“Há membros do Governo que ainda não perceberam, ou têm dificuldade em perceber, as restrições orçamentais”, refere para assinalar que compete ao ministro das Finanças “ser o guardião da defesa da sustentabilidade das finanças públicas a prazo” e “não ceder a pressões”. “Qualquer ministro das Finanças responsável, e o ministro Mário Centeno é um ministro das Finanças responsável, não pode ceder a pressões do setor A B ou C. Tem que decidir em termos dos interesses globais do país”, afirmou Eduardo Catroga.

Caso algum ministério ou setor necessite de mais recursos, acrescentou, “compete ao primeiro-ministro fazer arbitragens” e “dizer que [dando] mais recursos para o setor A, implica menos para o setor B”.

Apesar de o novo governo ter escolhido governar sem acordos políticos, Eduardo Catroga acredita que “a chamada esquerda do PS não pode deixar de viabilizar o Orçamento do Estado” para 2020. Se não o fizer e contribuir para um clima de instabilidade, avisa, “será ainda mais penalizada nas urnas quando for a votos, o que esperamos que seja daqui a quatro anos”.