Só há uma regra nas criações dos The Inventors: têm de mexer, acender ou produzir som. De resto, vale quase tudo. Num dia é possível construir uma catapulta e um jogo de pinball praticamente só com berlindes e elásticos, noutro um alarme para prender na porta do quarto, noutro ainda uma sofisticada guitarra elétrica com amplificador. “Em cada aula queremos mostrar aos miúdos que são capazes de criar coisas com uma tecnologia que nunca viram ou com uma ferramenta a que nunca tiveram acesso”, resume Manuel Câmara. “Se calhar muitos nunca teriam contacto com eletrónica, programação, robótica, mecânica, design ou arquitetura e damos-lhes essa primeira experiência.”

Manuel Câmara é o chefe dos índios e José Malaquias o chefe dos cowboys, como dizem a brincar, porque neste mundo de inventores não há patentes. Juntamente com António Moreira, fundaram os The Inventors para desenvolver ateliers tecnológicos para crianças onde são elas que constroem objetos e – outra regra de ouro – todos os objetos funcionam: as guitarras tocam, os alarmes detetam intrusos e as catapultas lançam projéteis – neste caso pompons.

“Acreditamos que o nosso papel aqui é criar confiança nos miúdos, mostrar-lhes que são capazes de fazer e abrir-lhes muitos horizontes. Porque eles sabem o que é que os pais fazem, e sabem o que é que o Cristiano Ronaldo faz, mas não sabem que outras coisas podem fazer com a vida deles”, continua Manuel.

Chama-se Space Painter e é um robô artista: como está apoiado em canetas, pinta enquanto anda. © Manuel Lino

Começaram em 2015, em 10 escolas e a fazer experiências “próximas de uma Educação Visual e Tecnológica”, com espuma e fita-cola compradas em papelarias. Passados três anos estão em 130 e levam kits para montar previamente preparados e feitos em MDF (um aglomerado de madeira), que garantem um resultado final apelativo. Além das aulas extracurriculares, maioritariamente em instituições privadas e com turmas com idades entre os 6 e os 14 anos, organizam regularmente ateliers para pais e filhos de norte a sul do país, e ainda campos de férias. Uma vez por mês, mais coisa menos coisa, estão no ISCTE, em Lisboa, com as invenções mais icónicas. Nos últimos tempos, por exemplo, têm conduzido ateliers de eletrónica analógica em que crianças entre os 3 e os 6 anos, com a ajuda de um adulto, conseguem construir um robô que anda sobre canetas de feltro, pintando tudo à sua passagem.

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“Atualmente fazemos cerca de 200 atividades por semana para dois mil miúdos”, diz José Malaquias, de 54 anos. Com uma longa carreira como engenheiro e mais tarde como consultor e gestor na área do desenvolvimento de negócio, conheceu Manuel, de 32, quando este estava numa startup ligada à área da tecnologia e “a querer fazer coisas para educação”. Juntos, pensaram em desenvolver produtos educativos para lançar no mercado, mas era preciso um investimento financeiro que não tinham. Optaram assim por falar com escolas e oferecer um serviço, e hoje dirigem uma equipa de 14 pessoas e 74 monitores e são uma atividade extracurricular para muitos alunos, ao lado do ballet e do judo.

Com as peças em MDF é possível fazer várias construções em 3D. © Manuel Lino

Em três anos, os The Inventors já criaram “mais de 100 experiências” e conseguiram parceiros em Espanha e na Holanda, onde também desenvolvem ateliers. Normalmente cada aula dura em média uma hora ou hora e meia, com um preço de inscrição de 29€, 39€ ou 59€. “Mais de 95% daquilo que fazemos em sala é nosso, fomos nós que criámos”, diz José. “Gostamos de estar sempre a inventar coisas novas.”

E como surge uma invenção? Normalmente “por tentativa e erro”. “Às vezes vamos por objetos, como no caso da guitarra elétrica, que tem toda uma mística associada, outras vezes por ferramentas”, explica Manuel. “Um exemplo: existem sensores de temperatura, por isso o que é que conseguimos fazer com um sensor de temperatura que seja divertido Aqui a lógica é pensar numa tecnologia ou numa ferramenta e dar-lhe uma roupa apelativa, maluca ou até mesmo disparatada.”

Na verdade, por mais divertida e disparatada que uma invenção possa parecer — como o simulador de terramotos em que os pequenos inventores têm de construir uma torre em esparguete e plasticina e ver quanto tempo ela aguenta –, há sempre uma componente educacional envolvida. “Conseguimos explicar conceitos à volta disto: neste caso o que é uma montagem, a história dos terramotos, porque é que existiram as gaiolas pombalinas e o que é que fazem, ou até como é que se podem fazer ligações no esparguete para ele ser mais estável”, diz Manuel. “Nós não acreditamos em dar matéria, até porque fazemos atividades extracurriculares e a ideia não é estar a ensinar ciências, mas queremos entusiasmar os miúdos de tal forma com uma coisa que é científica que eles fiquem despertos para isto. No fundo, é trabalhar a curiosidade.”

Algures entre o Inspector Gadget e o Robocop, nos ateliers também é possível construir um braço biónico. © Manuel Lino

Curiosidade, criatividade e confiança. Os três “cês” são uma espécie de santíssima trindade para a empresa, em sintonia com os grandes desafios da educação em plena era dos ecrãs. “Há esta ideia dos nativos digitais, mas a questão é que o miúdo que lida hoje com tecnologia é diferente daquele que nos anos 80 estava a mexer num Spectrum. Porque nessas ferramentas mexer na tecnologia era aprender a programar, o que não tem nada que ver com aceder ao Instagram ou ao YouTube, e ficar a ver um vídeo”, diz Manuel. A esta passividade, os Inventors respondem com ação. E não é que não haja ecrãs nos ateliers. Até há, mas são para construir uma máquina de captação de imagem e realizar um filme de animação em stop motion de raiz.

“No fundo inserimo-nos na filosofia maker, de construir coisas com as mãos”, resume José. Manuel acrescenta: “Há também toda a componente pedagógica de tocar no objeto. Quando se aprende ou se memoriza, se só tivermos a informação de um quadro, só estamos a ver visualmente os componentes. Se pudermos tocar e sentir a textura, há muito mais sinapses a serem criadas entre os neurónios porque estamos a estimular muito mais sentidos e a experiência é muito mais rica. E isto aplica-se a qualquer criança. Acreditamos mesmo que conseguimos criar ferramentas de aula capazes de entusiasmar os miúdos independentemente dos gostos que eles tenham. Uma das razões por que fazemos coisas em stop motion ou construções com esparguete, e as áreas são tão distintas, é porque não queremos que isto seja só para os que já sabem que vão ser engenheiros.”

Na construção da ponte em arco despertam, quem sabe, futuros engenheiros. © Manuel Lino

Até porque, talvez pela primeira vez na história da Humanidade, ninguém sabe muito bem o que vão ser estas crianças quando forem grandes: “Os miúdos que têm hoje 10 anos não vão viver no mesmo mundo em que viveram os nossos pais ou até em que nós vivemos”, conclui Manuel. “Entre 2030 e 2060, quando eles terão as suas carreiras, se calhar já estamos a colonizar Marte, se calhar já não existem condutores de carros e já não comemos vacas. A questão é como é que se dá a melhor educação possível a um miúdo que vai enfrentar um mundo cheio de aventura e, quem sabe, liderar uma revolução de inteligência artificial ou trabalhar numa profissão que ainda não foi inventada.”

A resposta, a rimar com o nome? “É preciso inventar. Inovar e experimentar coisas diferentes.”

Artigo publicado originalmente na revista Observador Lifestyle nº3 – especial família (março de 2019).