Uma receita “omitida” e “falta de transparência” sobre esse e outros números. A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) fez uma análise à proposta de Orçamento do Estado para 2020 que critica o ministério de Mário Centeno pela “omissão” de informação importante numa fase em que o parlamento inicia o debate da proposta orçamental para 2020.

Os técnicos do parlamento refizeram as contas a medidas de política antiga e nova e somaram 255 milhões de euros à receita total de 2020, por isso o excedente anunciado pro Mário Centeno deverá afinal ser maior dos que os 533 milhões de euros, que correspondem a 0,2% do Produto Interno Bruto. A UTAO continua com dúvidas sobre as novas medidas com impacto orçamental em 2020 e sublinha que “a omissão” da sua classificação por parte do Ministério das Finanças causa “estranheza”. Entre eles estão a despesa na saúde, os investimentos estruturantes em vários setores, bem como novas contribuições especiais, como a criada sobre os dispositivos médicos.

A diferença detetada está toda do lado da receita e resulta na sua maior parte do efeito de transferência de impactos para este ano de medidas já tomadas, e que representa 245 milhões de euros. É um valor que acrescenta uma décima do PIB à meda do excedente orçamental que sobe assim para 0,3%.

Uma das divergências assumidas face aos critérios do Ministério das Finanças é a omissão para efeitos de cálculo da receita do Estado do resultado das medidas antigas, tomadas até 2019, de valorização de remuneração dos funcionários públicos.

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“Remunerações mais elevadas (em 645 milhões de euros) naturalmente farão entrar na conta das administrações públicas um fluxo adicional de IRS, contribuições patronais e dos trabalhadores para a Segurança Social e para a Caixa Geral de Aposentações”. No entanto, do lado da receita, as colunas recebidas do Ministério das Finanças não mencionaram qualquer valor relacionado com valorizações remuneratórias”.

Esta é apenas uma das questões que suscitaram pedidos de esclarecimento às Finanças.

As dívidas que ficaram por explicar

  1. Identificação das rubricas da receita e da despesa onde o Ministério das Finanças pretende concentrar a não execução de 590 milhões de euros, em contabilidade pública. Esta medida é apontada como indispensável para garantir a meta de 0,2% do produto em contabilidade nacional e a falta destes elementos afetou a comparação, rubrica a rubrica, entre a execução estimada e a execução prevista.
  2. Justificação para a omissão de iniciativas políticas, anunciadas pelo Governo com destaque público, na lista quantificada de medidas novas de política orçamental (aqui estão os reforços na saúde, novas contratações no Estado e os investimentos estruturantes). A ausência da justificação prejudicou a avaliação da contribuição das medidas novas na passagem do cenário de políticas invariantes à conta previsional das administrações públicas em 2020.
  3. Esclarecimentos sobre a natureza de uma despesa de 60 milhões de euros relacionada com a privatização do Banco Português de Negócios, atual EuroBic. Dependendo da resposta, esta despesa deveria ou não ser acrescida à lista de medidas de política com efeito orçamental temporário e/ou não-recorrente, logo sem contributo para o cálculo do saldo estrutural das contas do Estado.
  4. Contrapartida na receita do IRS e da Segurança Social/Caixa Geral de Aposentações e ADSE das medidas de política remuneratória para os trabalhadores do Estado (aumento de salário mínimo e descongelamento de carreiras). Sem estes elementos, a UTAO estimou o montante daquelas contrapartidas, usando o mesmo método que as Finanças têm usado no passado.
  5. Cativações estimadas em 2019 e previstas para 2020. O Ministério das Finanças argumenta que não têm neste momento os valores relativos às dotações iniciais e os montantes entretanto libertados com autorização expressa do gabinete de Centeno, no quadro do que descreve como “instrumentos de racionamento da tesouraria”. A falta destes elementos prejudicou a extensão a 2019 e 2020 da avaliação do impacto destes instrumentos desde 2014.

Antes de ser conhecida esta primeira análise da UTAO à proposta de Orçamento do Estado, já o Observador tinha noticiado outras omissões. Estas falhas foram sendo corrigidas, designadamente com a disponibilização de um anexo ao relatório do OE com a descrição detalhada das despesas da administração central e com a identificação das almofadas financeiras, como a reserva orçamental e a dotação provisional.

Mais uma falha no Orçamento. Almofada financeira de Centeno para 2020 não está lá

Os técnicos do Parlamento tentaram obter mais esclarecimentos sobre o impacto destas medidas nas previsões para 2020 e até dão o “benefício da dúvida” de que foram orçamentadas corretamente em contabilidade nacional.  Neste pressuposto, a “UTAO tem de concluir salvo melhor opinião que elas estão inscritas no cenário de políticas invariantes, mas integradas no conjunto de medidas antigas com efeitos permanentes. Apesar de acrescentar, a UTAO não consegue esclarecer em que rubricas dos classificadores económicos elas estão inscritas”. E refere a existência de “limitações operacionais e falta de informação”.

Apesar dessa receita não detalhada que pode reforçar o saldo deste ano, a UTAO considera no entanto que o contributo para a consolidação orçamental das novas medidas de política é negativo pela primeira vez nos últimos cinco anos, ou seja, com os socialistas no poder. O contributo para o agravamento do saldo é de 121 milhões de euros, o que “não deixa de ser interessante, tanto mais por sucederem no ano em que se prevê a chegada” ao objetivo de excedente