Os Globos de Ouro são, cada vez mais, os prémios de todas as surpresas. Depois de no ano passado o galardão de melhor filme ter ido para “Bohemian Rhapsody”, num “final chocante”, como lhe chamou o The Guardian, este ano os membros da Hollywood Foreign Press Association (HFPA) voltaram a surpreender ao deixarem o novo filme de Martin Scorsese de lado e a preferirem “1917”, o filme sobre dois soldados britânicos na Primeira Guerra Mundial de Sam Mendes, que também recebeu o galardão de “Melhor Realizador”. Apesar das várias nomeações, “O Irlandês”, um dos favoritos desta edição dos prémios de televisão e cinema, acabou por não conseguir arrecadar um único Globo, numa noite que, apesar das promessas, acabou por ser um fiasco para a Netflix. Já “Era uma vez… em Hollywood”, de Quentin Tarantino, recebeu o maior número de galardões — três, no total, incluindo de “Melhor Filme (Comédia ou Musica)l”.

Depois do destaque dado a “Roma” nos Globos de Ouro do ano passado e de a plataforma de streaming, que distribuiu mundialmente o filme de Alfonso Cuáron, ter conseguido um elevado número de nomeações nesta edição dos prémios atribuídos pela HFPA, esperava-se que a Netflix saísse vencedora da cerimónia deste domingo. Não foi isso que aconteceu. Nas várias categorias para que estava nomeada, incluindo “Melhor Filme (Drama)” ou “Melhor Ator (Drama)”, a Netflix conseguiu apenas um Globo de Ouro, pelo desempenho de Olivia Colman na terceira temporada da série “The Crown”. Uma atribuição que era, de resto, expectável (apesar de Colman ter apostado dinheiro em como não ganharia).

Igualmente surpreendente foram as poucas referências à situação política nos Estados Unidos da América. Tendo em conta os acontecimentos mais recentes, era de esperar que a atualidade política norte-americana marcasse os discursos, mas  tirando uma ou duas referências às eleições presidenciais de 2020 e um ou dois apelos ao voto, a maioria das mensagens abordaram a questão das alterações climáticas e tiveram a Austrália como destino. A complexa situação que se vive no país, que está a ser consumido por incêndios incontroláveis há várias semanas, levou inclusivamente o ator Russell Crowe, galardoado com o Globo de Ouro de melhor ator pela minissérie “The Loudest Voice”, a não estar presente na cerimónia deste domingo, em Los Angeles. Na mensagem que deixou, Crowe lembrou o quão importante é tomar medidas urgentes para preservar o planeta.

(Paul Drinkwater/NBCUniversal Media, LLC via Getty Images)

A 77.ª edição dos Globos de Ouro foi apresentada por Ricky Gervais, que garantiu desde logo que seria a última vez que apresentaria os prémios: “Estou farto. Estou a brincar, nunca o fiz”, disse durante o seu monólogo inicial. Uma das primeiras piadas de Gervais envolveu Kevin Hart, o comediante que decidiu desistiu de apresentar a cerimónia dos Óscares em 2019 devido à polémica em torno de declarações feitas há quase dez anos que foram consideradas homofóbicas: “Kevin Hart foi despedido por causa de um tweet. Felizmente para mim, na Foreign Press Association mal falam inglês. Não sabem o que é o Twitter, então safei-me”.

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Sempre mordaz, Gervais não poupou ninguém (“Hoje íamos fazer um In Memoriam, mas quando vi a lista achei que não era diversificada o suficiente. Eram todos brancos”), nem mesmo a direção da HFPA: “O jantar hoje foi apenas vegetais, tal como os membros da Foreign Press Association. E aqui vem o seu presidente”, que pediu que o comediante pusesse por escrito que nunca mais apresentaria os Globos de Ouro. “São apenas piadas, vamos morrer em breve”, lembrou Gervais no monólogo, mas sem adiantar de muito — o desconforto era visível na cara de alguns convidados, nomeadamente na de Tom Hanks, que foi apanhado pelas câmaras da NBC, que transmite a cerimónia. A Internet não perdoou e a cara do ator, que foi galardoado com o Prémio Cecil B. DeMille, atribuído anualmente a uma personalidade que tenha contribuído de forma “excecional” para “o mundo do entretenimento”, já anda a circular pelo Twitter.

Joaquin Phoenix foi o melhor ator e Renee Zellweger a melhor atriz

Talvez sem grande surpresas, o Globo de Ouro de “Melhor Ator (Drama)” foi para Joaquin Phoenix, pela muita elogiada interpretação em “Joker”. No seu discurso de agradecimento, Phoenix elogiou o trabalho dos atores que também estavam nomeados para a categoria e disse sentir-se “mesmo honrado” por o seu nome surgir junto ao deles. Sobre as mensagens enviadas para a Austrália ao longo da noite, o ator disse que, apesar da boa vontade, é preciso “fazer mais do que isso”. “Nem sempre fui um homem virtuoso, muitos de vocês têm-me ensinado muitas coisas. Espero que possamos fazer algumas mudanças. Votar é bom, mas às vezes temos de fazer mudanças nas nossas próprias vidas”, afirmou. “Vou tentar ser melhor e espero que vocês também tentem.”

Mais surpreendente foi a atribuição de “Melhor Atriz (Drama)” a Renee Zellweger. Ainda que a lista de nomeadas não incluísse nenhum nome óbvio, Zellweger venceu a categoria pela participação num filme que nem sempre recebeu as melhores críticas. “Judy”, outra biopic, foi realizado por Rupert Goold. Trata-se de uma adaptação do musical “End of the Rainbow”, sobre a reta final da carreira da atriz e cantora Judy Garland. Na categoria de “Comédia ou Musical”, o melhor ator foi Taron Egerton, que fez de Elton John na biopic “Rocketman”. A estreante Awkwafina ganhou na mesma categoria, por “The Farewell”, tornando-se na primeira norte-americana de ascendência asiática a receber um Globo de Ouro.

Ainda no cinema, o Globo de Ouro para “Melhor Atriz Secundária” foi para Laura Dern, pelo seu papel no muito aclamado “Marriage Story”, um produção da Netflix. Dern agradeceu, em jeito de brincadeira, à hipótese de poder prestar homenagem aos advogados de divórcios, mas também por fazer parte de um filme que, através do seu “olhar global”, lembra que é importante “juntarmo-nos para um bem maior. O planeta, talvez”. Brad Pitt foi o melhor ator secundário, por “Era uma vez… em Hollywood”, de Quentin Tarantino, que levou para casa outros dois galardões, pelo melhor argumento e pelo melhor filme na categoria de comédia.

(George Pimentel/WireImage)

Sam Mendes venceu na categoria de “Melhor Filme (Drama)” e “Melhor Realizador”, por “1917”, uma longa-metragem sobre a Primeira Guerra Mundial inspirada no avô do realizador, que combateu no conflito. “Não há um único realizador nesta sala ou neste mundo que não esteja na sombra de Martin Scorsese”, disse Mendes, acrescentando que espera que não volte a acontecer uma guerra mundial. Scorsese era o favorito na categoria, que este ano não teve nenhuma mulher nomeada. Gervais chamou a atenção para isso mesmo: “Nem uma única mulher foi nomeada. Falei com a Foreign Press Association e eles garantiram que isto não volta a acontecer. Falaram com os estúdios, que disseram que iam voltar a fazer as coisas como faziam antes, quando nenhuma mulher era contratada. Não têm de quê”, brincou o comediante.

Sem grande surpresas, “Parasitas”, do sul-coreano Bong Joon-ho, foi reconhecido como o melhor filme em língua estrangeira. No discurso de agradecimento, Joon-ho decidiu falar em coreano com tradução simultânea: “Assim que conseguirem quebrar a barreira das legendas, vão ser apresentados a tantos filmes maravilhosos”, começou por dizer. “Ser nomeado juntamente com outros realizadores internacionais foi uma grande honra. O cinema é uma única linguagem. Obrigada”. O melhor filme de animação foi “Missing Link”.

“Succession” e “Fleabag” as melhores séries. “Chernobyl” foi a melhor minissérie

A série vencedora desta edição dos Globos de Ouro foi, sem dúvida, “Succession”. Além de ter sido considerada a melhor série de drama, a produção da HBO arrecadou ainda o galardão de “Melhor Ator (Drama)” pelo desempenho de Brian Cox. Olivia Colman, que no ano passado recebeu um Óscar por interpretar a rainha Ana, foi este domingo galardoada com o Globo de Ouro de “Melhor Atriz (Drama)” pelo papel de Isabel II em “The Crown”, a única série da Netflix a receber um prémio. “Desde o ano passado que sinto que vivo a vida de outra pessoa e agora sinto que ganhei o prémio de outra pessoa”, afirmou Colman no discurso de agradecimento, admitindo que tinha apostado em como não ganharia.

O melhor ator numa série de comédia, o primeiro prémio a ser apresentado durante a cerimónia, por Reese Witherspoon e Jennifer Aniston, foi para Rami Youssef, por “Rami”, uma produção da Hulu relativamente desconhecida, um facto que o comediante não deixou passar em branco: “Sei que vocês não sabem que série é esta”, brincou. Youseff, nomeado juntamente com atores como Paul Rudd e Bill Hader, admitiu que nem a sua própria mãe estava a torcer por ele: “Estava a torcer pelo Michael Douglas. Os egípcios adoram o Michael Douglas, não se sabem”. Youssef tem ascendência egípcia. A atriz Phoebe Waller-Bridge venceu na mesma categoria pelo seu papel em “Fleabag”, que ganhou o Globo de Ouro de “Melhor Série (Comédia)”.

(Paul Drinkwater/NBCUniversal Media, LLC via Getty Images)

Ainda nas séries, o melhor ator secundário foi Stellan Skarsgård, por “Chernobyl”, que foi considerada a melhor minissérie do ano que passou. A melhor atriz secundária foi Patricia Arquette, pelo papel em “The Act”. A atriz, que estava a concorrer contra nomes como Meryl Streep e Helena Bonham Carter, lembrou que “estamos à beira de uma guerra. A Austrália está a arder. Como adoro os meus filhos, peço-vos que façam o que puderem para que o mundo seja melhor. Temos de votar em 2020 e temos de pedir a todos os que conhecemos para votarem”.

Russell Crowe ganhou o Globo de Ouro na categoria de “Melhor Ator (Minissérie ou Filme Produzido para a Televisão)” por “The Loudest Voice”. O ator não pôde estar presente na cerimónia em Los Angeles por causa dos incêndios que estão a devastar o seu país: “Está na sua casa na Austrália a proteger a sua família”, explicou Jennifer Aniston, a quem coube ler a mensagem deixada por Crowe “caso vencesse o prémio”. Nesta, o australiano salientou que a situação que se vive atualmente na Austrália se deve às alterações climáticas, não vale a pena ter ilusões quanto a isso. Crowe apelou a que se tomassem medidas: “Temos de atuar com base na ciência. Temos de respeitar o planeta para que, no futuro, tenhamos um planeta”, declarou. A melhor atriz na mesma categoria foi Michelle Williams, por “Fosse/Verdon”. Williams apelou ao voto das mulheres e pediu que votassem a pensar nelas próprias.

Ellen Degeneres homenageada com prémio carreira: “A televisão influenciou tudo aquilo que sou hoje”

No ano passado, a HFPA institui um novo prémio carreira dedicado à televisão, o Carol Burnett. A veterana do pequeno ecrã foi a primeira a receber o galardão, que este ano foi atribuído a Ellen Degeneres. A comediante recebeu o Prémio Carol Burnett das mãos de Kate McKinnon, que costuma imitar a comediante no “Saturday Night Live”. Durante a apresentação McKinnon, falou da importância que Ellen teve na sua vida, ao vê-la assumir publicamente que era homossexual quando era jovem.

No discurso de aceitação, Ellen Degeneres começou por deixar uma mensagem para “todos os que estão a sofrer na Austrália”, onde os os incêndios incontrálias já fizeram mais de duas dezenas de mortos e milhares de desalojados. Em relação ao prémio, Ellen disse sentir-se “humilde e honrada”, sobretudo por ser a primeira pessoa a recebê-lo depois de Carol Burnett. “É um prémio prestigiante e o que gostei mais foi já saber que o tinha ganho. Não há nada pior do que não sabermos se vamos ganhar e ficar ali a ouvir discursos”, brincou a comediante, que prometeu ser breve, apesar de saber que podia falar o tempo que quisesse por se tratar de uma homenagem.

(Paul Drinkwater/NBCUniversal Media, LLC via Getty Images)

Recordando que foi há 17 anos que lhe foi dada a hipótese de ter um talk show, o “The Ellen DeGeneres Show”, a apresentadora disse sentir que todos a puderam conhecer durante todo esse tempo. “Pensamos que conhecemos uma pessoa quando a vemos há tanto na televisão. Foi isso que senti com Carol Burnett. (…) Ela era maior do que a vida. Contávamos com ela para nos fazer sentir bem, e ela fazia-o. Nunca nos dececionava. Sempre achei que ela estava a falar comigo”, disse. “A televisão influenciou tudo o que sou hoje”, admitiu, acrescentando que “tudo o que quer fazer” é “fazer com que as pessoas se sintam bem”.

“Não há nada melhor do que quando alguém me diz que tornei o seu dia melhor com o meu programa”, disse ainda, salientando que um dos seus objetivos é inspirar quem a vê na televisão a ser bondoso, simpático e uma alegria para os outros. “Esse é o poder da televisão. E estou muito grata por fazer parte disso. Muito obrigada.”

Veja aqui todos vencedores da 77.ª edição dos Globos de Ouro:

Categorias de cinema

  • Melhor Filme (Drama): “1917”;
  • Melhor Filme (Comédia ou Musical): “Era uma vez… em Hollywood”;
  • Melhor Realizador: Sam Mendes, “1917”;
  • Melhor Atriz (Drama): Renee Zellweger, “Judy”;
  • Melhor Atriz (Comédia ou Musical): Awkwafina, “The Farewell”;
  • Melhor Atriz Secundária: Laura Dern, “Marriage Story”;
  • Melhor Ator (Drama): Joaquin Phoenix, “Joker”;
  • Melhor Ator (Comédia ou Musical): Taron Egerton, “Rocketman”;
  • Melhor Ator Secundário: Brad Pitt, “Era uma vez… em Hollywood”;
  • Melhor Argumento: Quentin Tarantino, “Era uma vez… em Hollywood”;
  • Melhor Banda Sonora: Hildur Guðnadóttir, “Joker”;
  • Melhor Canção: “I’m Gonna Love Me Again” (música de Elton John e letra de Bernie Taupin), de “Rocketman”;
  • Melhor Filme de Animação: “Missing Link”;
  • Melhor Filme Estrangeiro: “Parasitas” (Coreia do Sul). Realizado por Bong Joon-ho.

Categorias de televisão

  • Melhor Série (Drama): “Succession”;
  • Melhor Série (Comédia ou Musical): “Fleabag”;
  • Melhor Minissérie ou Filme Produzido para a Televisão: “Chernobyl”;
  • Melhor Atriz (Drama): Olivia Colman, “The Crown”;
  • Melhor Atriz (Comédia ou Musical): Phoebe Waller-Bridge, “Fleabag”;
  • Melhor Atriz (Minissérie ou Filme Produzido para a Televisão): Michelle Williams, “Fosse/Verdon”;
  • Melhor Atriz Secundária: Patricia Arquette, “The Act”;
  • Melhor Ator (Drama): Brian Cox, “Succession”;
  • Melhor Ator (Comédia ou Musical): Rami Youseff, “Rami”;
  • Melhor Ator (Minissérie ou Filme Produzido para a Televisão): Russell Crowe, “The Loudest Voice”;
  • Melhor Ator Secundário: Stellan Skarsgård, “Chernobyl”.