Para Iacobella Gaetani, a descoberta de uma viagem veio a revelar-se um dos acessórios de luxo mais cobiçados do momento. De acabamento artesanal, tosco nalguns casos, as malas em pele desta criadora italiana são cortadas, cosidas e decoradas para serem objetos únicos. Até Margherita Missoni reparou neles. Iacobella pode ter uma longa relação com Portugal, mas foi no Brasil que se rendeu aos encantos da moda feita à mão. “Sempre que viajava, criava os meus próprios acessórios. Comprava os materiais e pedia a artesãos para me fazerem colares, peças de roupa. No Rio de Janeiro, comecei a fazer isso na praia de Ipanema. Conheci um rapaz, um génio na manipulação da pele, e tudo mudou a partir desse momento”, conta a mentora da marca ao Observador.

O Brasil foi, desde cedo, uma espécie de segunda casa. A mãe tinha vivido no país durante 20 anos, o saber fazer e a riqueza em matérias-primas fizeram deste destino uma incubadora para a marca própria. Iacobella Naked & Sacred pode ter começado por ser um hobby, mas depois das primeiras peças oferecidas a amigos, chegaram as primeiras encomendas. “Dois anos depois, voltei para Itália. Comecei à procura de artesãos e de fábricas, no fundo, de mãos que conseguissem recriar a mesma ideia, mas com o selo ‘made in Italy’. Não foi nada fácil”, continua a empresária.

Iacobella Gaetani, a mulher para quem o equilíbrio entre criatividade e gestão é o grande desafio de ter uma marca própria © Alba Morassutti

Demorou, mas encontrou quem produzisse as peças de forma habilidosa. A marca especializou-se em malas, bem como técnicas morosas de recortes, tranças e costuras em pele. Para Iacobella, que nunca havia estudado design, a relação com a moda era a mesma que encetava com as suas próprias malas — através da intuição, imaginava peças únicas, de acabamento rude e artesanal. “Quando és adolescente, a moda torna-se na tua primeira forma de expressão. Quando fiquei mais velha, o foco tornou-se muito menos o que visto, mas o que posso criar. E se viajas muito, já não importa a moda, importam objetos especiais”, explica.

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“O artesanal tornou-se objeto de desejo. As pessoas gostam dessa ideia de feito à mão, mas é contraditório porque o verdadeiro artesanato é um processo lento, os objetos são muito diferentes uns dos outros, às vezes até trazem imperfeições. Consequentemente, há muito artesanato industrializado hoje em dia”, prossegue. Do Brasil, Iacobella trouxe um protótipo para produzir em Itália. à primeira tentativa, um dos artesãos devolveu-lhe a peça inacabada, alegando que não poderia passar 11 horas a fazer uma única mala. As costuras e tiras de pele entrançadas — metros e metros — são hoje elementos assinatura da marca, além de representarem um trabalho de paciência e perfecionismo.

A complexidade do processo reflete-se no preço, com uma montra que começa nos 290 euros e que pode chegar aos 790 euros. Cada exemplar traz um cristal esculpido à mão, na maioria dos casos, trazido do Brasil. Ametistas, quartzos e outras gemas que acrescentam às malas o toque final.

Desfile da Missoni, coleção primavera-verão 2020, com malas Iacobella © SAVIKO/Gamma-Rapho via Getty Images

No início de 2019, a marca foi catapultada para o sucesso, tudo porque Margherita Missoni, herdeira da icónica marca italiana, foi assolada por uma espécie de amor à primeira vista. “A Margherita é uma grande amiga, há já vários anos, e apaixonou-se pelas malas. Começou a comprá-las para toda a família e acabou por me convidar para colaborar coma marca”, recorda Gaetani. A pequena marca, que vendia timidamente através do Instagram, foi obrigada a crescer e soma já duas coleções desenhadas em colaboração com a Missoni.

Atualmente, são cinco os artesãos a laborar em permanência. Apesar do trabalho minucioso, as malas de Iacobella seguem formas clássicos e intemporais. A durabilidade é assim a maior bandeira de sustentabilidade da marca italiana, que se associou recentemente a um projeto de reflorestação da Costa Rica. Quanto às peles, a empresária admite ter feito uma pesquisa por alternativas às matérias animais, contudo a concentração de químicos acabou por inviabilizar as opções vegetais.

“As pessoas imaginam um homem ou uma mulher a produzirem um objeto, a criarem uma história, e é isso que faz com que este seja mais pessoal. Quando compramos algo assim, cuidamos mais. Falo de exclusividade. Senão, podemos ir a um centro comercial e, estação após estação, ver as pessoas a usaremos mesmos sapatos, as mesmas malas, os mesmos casacos”, explica Iacobella Gaetani, durante uma das muitas passagens por Lisboa.

Portugal surgiu nos últimos anos como o paraíso a meio caminho, não só para ela, mas para toda a família. Os dois filhos nasceram em Lisboa, durante longas estadias entre a capital e a paisagem praticamente virgem da zona de Melides. Fala numa calma privilegiada que a prende cada vez mais ao solo português. E é com a mesma tranquilidade que vê a expansão da própria marca. Por estes dias, quer dá-la a conhecer em Portugal. Tal como no início, viajar continua a fazer parte da receita destas malas.