Fez a formação no Sporting, é ainda hoje um dos mais novos de sempre a estrear-se na equipa principal dos leões, passou pelo Benfica, por Itália, por França, ganhou uma Taça do Rei com o Valencia em Espanha e esteve em dois Mundiais com a Seleção Nacional. Em Alvalade, Marco Caneira ainda é reconhecido por aquele golo contra o Inter Milão na Liga dos Campeões, em 2006: mas também por ter sido uma das referências leoninas dos primeiros anos do novo milénio.
Terminou a carreira em 2015, nos húngaros do Videoton, mas ainda ajudou o clube da terra, o Negrais, até se retirar definitivamente dos relvados. Foi diretor desportivo do Torrense, fez parte da lista de José Maria Ricciardi que se candidatou à liderança do Sporting em 2018 e não esconde que gostaria de voltar a assumir um cargo de dirigente na cúpula do clube. Numa altura em que o Sporting vive uma convulsão interna e externa que parece nunca terminar — apenas amainar durante algumas semanas para logo depois voltar a emergir –, Marco Caneira foi o convidado do programa “Nem Tudo o Que Vai à Rede é Bola” da Rádio Observador e falou dos leões mas também do Benfica e do FC Porto. E de tudo aquilo que a indústria do futebol em Portugal ainda tem para aprender.
“Acho que nós, aqui na Europa, temos muito a aprender com os Estados Unidos. E em Portugal, que é a nossa realidade, temos ainda mais a aprender porque conseguiríamos talvez captar mais investimento e vender cada vez melhor o nosso produto. Porque já vendemos Portugal muito bem como ponto turístico”, arranca o antigo defesa, que com o Sporting conquistou uma Taça de Portugal e uma Supertaça Cândido de Oliveira. Sobre os leões, Caneira defende que “talvez se comece a perceber hoje” que o clube precisa de “alguém como José Maria Ricciardi”. “Porque a questão financeira vai continuar a provocar graves problemas ao Sporting. Até porque não há uma estrutura, não há um projeto. E nós conseguimos perceber, e as novas eras também nos dizem isso, até na política, que a questão do populismo acaba por desfragmentar aquilo que são as estruturas de uma sociedade, neste caso de um clube, do Sporting Clube de Portugal”, explica o antigo internacional português.
“Acho que o Sporting tem de olhar muito para dentro, a estrutura não é uma estrutura onde neste momento as pessoas se sintam capacitadas, se sintam à vontade para entender que se consegue resolver este problema. E depois há uma questão que também é importante e social, na minha opinião, que são os vários programas televisivos ou de rádio onde aparecem pessoas afetas ao clube que não dizem a verdade. A questão do Sporting, dos seus adeptos, tem a ver com o facto de a estrutura não dizer a verdade, o que se passa, o que tem de ser alterado no projeto. Porque o projeto desta forma não vai chegar a bom porto”, acrescentou Marco Caneira, que acaba por atribuir responsabilidades à Direção leonina no geral e a Frederico Varandas em particular, que disse “que dormiria tranquilo em relação àquilo que eram as finanças do Sporting”. “E, na realidade, percebemos todos, mesmo aqueles que não são do Sporting, que financeiramente as coisas não estão favoráveis”, conclui.
O antigo jogador garantiu ainda “não entender” as decisões do Sporting relativamente ao mercado, até porque se o clube “não tem essa capacidade financeira”, os dirigentes deveriam ser “transparentes com os adeptos e dizer que não podemos investir”. “Não podemos é contratar jogadores no último dia do mercado, jogadores que são emprestados, que têm um custo salarial brutal”, atirou Caneira. Para o antigo defesa, outro dos pontos fulcrais que foi deixado para trás pelo Sporting foi a formação — da qual ele próprio fez parte –, que “sempre foi um pilar para sustentar aquilo que era o futebol profissional”.
“O Sporting sempre teve isso e também é normal que os outros, e o Benfica neste caso, tenham querido ir buscar aquele começo do Sporting, da formação de jogadores. O Benfica viu nisso um grande plano de negócios a longo prazo, está muito bem naquilo que é a formação e depois, estando também na Liga dos Campeões, estando noutro tipo de competições, consegue inflacionar e valorizar cada vez mais os seus ativos”, acrescentou Caneira, que acredita não se trata de “uma questão de eleições”, deixando ainda um repto a eventuais candidatos. “Porque é que não se juntam dois ou três elementos que tenham a intenção de voltar ou de querer estar na administração? Porque existe essa questão muito importante, a questão dos egos. As pessoas não conseguem repartir os egos em prol daquilo que é a necessidade do clube neste momento”, explica.
Marco Caneira defendeu ainda que Bruno Fernandes é “um grande ativo e um grande capitão” mas que o jogado terá de sair, porque “o melhor negócio é o negócio possível”, e lembrou que deveria ter sido criado “um novo Sporting” a partir das agressões de Alcochete mas que isso “não aconteceu”. O antigo jogador falou ainda sobre o FC Porto e sobre a instabilidade que também se vive nos dragões, principalmente a partir do momento em que Sérgio Conceição colocou o próprio lugar à disposição depois da derrota na final da Taça da Liga.
“A experiência, aquilo que me diz, é que aquilo foi um culminar de algumas tentativas de Sérgio Conceição tentar corrigir alguns problemas. Normalmente, há uma estrutura e aquilo que Sérgio Conceição entende é que não está a remar toda em prol daquilo que é o seu conjunto. Penso que devem ter existido bastantes reuniões com o presidente ou com a estrutura com o intuito de transmitir isso mesmo”, afirmou Caneira. Afastado do futebol desde que deixou o cargo de diretor desportivo do Torreense, o antigo internacional português voltou a repetir que se vê apenas como dirigente e nunca como treinador e não descarta a possibilidade de assumir uma posição na estrutura do Sporting no futuro. “Tenho o desejo real de algo para o qual penso ter alguma capacidade”, concluiu.
[Ouça aqui a entrevista completa de Marco Caneira ao programa “Nem Tudo o Que Vai à Rede é Bola” da Rádio Observador]