O financiamento das universidades e dos politécnicos não cumpre a Lei de Bases já que ignora o que está previsto na fórmula legal que determina os valores que devem chegar a cada instituição. Esta é a principal conclusão de uma auditoria do Tribunal de Contas que tinha por objetivo verificar se a transferência de verbas do Orçamento do Estado para o ensino superior é transparente e promove a eficiência das instituições. Sobre o não cumprimento da lei, os relatores do TdC deixam um recado ao ministro Manuel Heitor: “O entendimento de que o estabelecido na Lei de Bases é desadequado não deve conduzir à adoção de soluções diversas sem promoção da respetiva alteração.”

“Inaceitável”, escreve o Ministério do Ensino Superior na resposta ao TdC, em cumprimento do princípio do contraditório, considerando que o relato da auditoria revela “um total desfasamento face à evolução do ensino superior em Portugal e na Europa”. Para o gabinete de Manuel Heitor, tanto as observações, como as apreciações e as recomendações são “inaceitáveis”, acusando os relatores do TdC de se basearem em “observações erradas, com impacto mediático, mas que não estão devidamente fundamentadas e revelam falta de conhecimento”.

O modelo de financiamento do ensino superior é feito com base numa fórmula, definida na Lei de Bases, segundo critérios como indicadores de desempenho e de qualidade do ensino ministrado que, segundo o TdC, também foram ignorados nos contratos de legislatura. A auditoria não incidiu sobre outras fontes de financiamento como receitas próprias ou fundos europeus.

Manuel Heitor: “Um conjunto de banalidades que estão muito aquém daquilo que são hoje os principais desafios do Ensino Superior”

Em declarações à Rádio Observador na manhã desta quarta-feira, o ministro do Ensino Superior, Manuel Heitor nota que “o relatório não aponta qualquer ilegalidade no processo de financiamento do Ensino Superior” nem “qualquer violação dos princípios de transparência”.

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Segundo o responsável pela tutela do Ensino Superior, a avaliação do TdC “é uma avaliação geral sobretudo de índole política, o que é uma surpresa”. “Este relatório não é mais do que um elogio à burocracia e à intolerância”, diz acrescentando que a informação disponibilizada ao TdC nos últimos meses “nem sequer foi lida”.

“É um conjunto de especulações de âmbito político não dando qualquer evidencia daquilo que podia ser atribuído ao TdC que era, efetivamente, o contexto legal das contas que mostra que não há qualquer ilegalidade no processo”, afirmou classificando o relatório de “um conjunto de banalidades”.

Manuel Heitor: “Relatório é um conjunto de banalidades”

Lei de Bases: ou se cumpre ou se muda

O Tribunal de Contas, nas recomendações ao Governo, escreve que deve ser assegurada o cumprimento ou a alteração da Lei de Bases. Afirmando que a argumentação do ministério não põe em causa os factos enunciados, sublinha que se os contratos de legislatura são a melhor solução de financiamento, como refere o gabinete de Manuel Heitor, “decorrido quatro anos sobre a data dos contratos e celebrado um novo, não se promoveram os ajustamentos legais necessários a acolher as soluções preferidas”. Ou seja, está na altura de se proceder à mudança de legislação, caso este tipo de contratos sejam para manter.

Em novembro de 2019, o Governo assinou dois contratos de legislatura — como já fizera em 2016 — entre o Estado e as instituições de ensino superior, um com universidades e outro com politécnicos, onde assumiu o compromisso de aumentar o financiamento já em 2020.

Instituições de Ensino Superior falam em “acordo possível” e pedem burocracia

Os termos desses contratos de 2016 são, na auditoria do Tribunal de Contas, um dos motivos que levam a falar de violação da Lei de Bases, já que não decorrem “da aplicação da fórmula prevista na Lei de Bases, como a auditoria confirmou”.

“O exame das cláusulas dos contratos mostra que o financiamento referido atribuído às instituições de ensino superior comporta duas componentes: as dotações do OE não serem inferiores às constantes na LOE para 2016; as dotações do OE serem acrescidas dos montantes correspondentes aos aumentos salariais da Administração Pública e à execução de alterações legislativas com impacto financeiro que venham a ser aprovadas”, lê-se no documento.

Assim, os relatores dizem ser “evidente” que as dotações do Orçamento do Estado não são calculadas com base na fórmula prevista na Lei de Bases. “Através destas componentes, os contratos estabeleceram limites claros e concretos ao financiamento das instituições de ensino superior: não inferior às dotações atribuídas em 2016, nem além do necessário em razão de alterações legislativas”, argumenta-se.

Por outro lado, sublinham os relatores, o financiamento com base nos contratos de legislatura assenta num referencial histórico, “sendo indiferente à eficiência e aos resultados” das universidades e politécnicos, não sendo considerados  “quaisquer indicadores de desempenho ou de qualidade, não premiando o mérito, nem alavancando a excelência”.

Para além de não ter sido aplicada a fórmula legalmente definida ou de não ter sido promovido o seu eventual aperfeiçoamento, a celebração dos contratos não considerou os critérios objetivos de qualidade e de excelência, dos valores padrão e dos indicadores de desempenho previstos na Lei de Bases”, lê-se no documento.

Uma última crítica prende-se à vigência dos contratos que se restringem ao período da legislatura, “contendo a estabilidade e a previsibilidade do financiamento à sua duração”.

Em sede de contraditório, o ministério alegou que, com os contratos de legislatura, pretendeu-se facilitar o planeamento plurianual da governação. “Numa conjuntura caracterizada por uma grande volatilidade financeira e pressão demográfica apenas é possível construir planos financeiros para uma legislatura. Um plano a 10 anos não se adequaria em termos financeiros com a realidade atual, com leis que aprovam orçamentos anuais e com mandatos dos órgãos de gestão das universidades e instituições politécnicas de 4 anos”, defende o gabinete de Manuel Heitor.