“What if americans love black people as they love black culture?”
[E se os americanos gostassem dos negros como gostam da cultura negra?]
A pergunta solta-se de um dos muitos fragmentos do obra cinematográfica “Love is the message. The message is death”, em que dezenas de clips de vídeo desalinhados no tempo, na forma e no conteúdo, com “Ultralight Beam” de KanyeWest como fundo, costuram uma imagem central: a do negro americano no papel que a sociedade lhe impõe.
Afinal, tem sido esse o cerne do trabalho de Arthur Jafa, agora de visita a Portugal para o mostrar pela primeira vez, depois de uma primeiro encontro com os portugueses no ano passado, também no Porto, por altura do Fórum do Futuro. O artista confessa querer fazer “coisas singulares, únicas, complexas, que se imponham e tenham uma presença mas não necessariamente uma mensagem”.
Serralves (ou a liberdade artística que) traz Yoko Ono e Arthur Jafa ao Porto
A obra que nos traz divide-se em duas com os jardins da Fundação de Serralves como ponte. De um lado, o filme “Love is the message. The message is death” como parte da “maior mostra de cinema afro-americano que alguma vez se apresentou em Portugal”, garante António Preto. O diretor da Casa de Cinema Manoel de Oliveira propõe-se a mostrar a série “The Dark Matter of Black Cinema” em 22 sessões já a partir do início de março, mas adianta ser este filme de Java “uma ‘Guernica’ da contemporaneidade”.
Do outro lado, no Museu de Serralves, a exposição “A Series of Utterly Improbable, Yet Extraordinary Renditions” [Uma série de prestações absolutamente improváveis, porém extraordinárias], em que Arthur Jafa desafia e monta uma obra visual que reflete sobre toda a massificação de imagens amorfas colecionadas durante as últimas duas décadas que circulam e invadem os meios digitais e, ao mesmo tempo povoam o nosso imaginário, sobre o que é ser negro na América.
Uma fotografia de 1899 a ocupar uma parede mostra um conjunto de crianças negras numa escola primária da Virgínia a ostentar a bandeira norteamericana, numa altura em que apenas tinham acesso à educação por via de escolas criadas para negros.
Ao lado, várias figuras negras vestidas de mantos brancos, produzidas a partir de colagens pela artista visual negra Frida Orupabo, norueguesa criada numa família de brancos, com a fotógrafa Ming Smith, foi convidada por Jafa para produzir obra para a exposição.
O artista também colaborou com cineastas como Spike Lee e Stanley Kubrick e incorporou na mostra materiais de Missylanyus disponibilizados no YouTube para criar uma experiência audiovisual que é ao mesmo tempo uma reflexão política e uma perspetiva visionária.
Na mesma sala também se destaca um relevo baseado numa imagem das costas fustigadas por chicotes do ex-escravo Gordon, que em 1863 fugiu das plantações do Louisiana, tendo andado 64 quilómetros descalço, durante dez dias, até encontrar refúgio.
Ao mesmo tempo que vídeos reproduzem com som ao fundo, há pela sala ícones populares e grandes figuras negras da história, como Barack Obama, assim como momentos estagnados tornados virais nas redes sociais e retratos mediatizados numa altura em que o corpo do negro era associado a um papel “pouco privilegiado, apenas digno do plano de trás da fotografia”, discute Amira Gad, curadora da exposição.
“O que Arthur Jafa tenta fazer é recriar uma narrativa por forma a dar-nos as ferramentas para entendermos a vida dos negros. Quando olhamos para estas imagens, a intenção é não esquecermos o passado da comunidade negra nos Estados Unidos, mas também emancipar a forma como falamos deste passado”, Amira Gad, curadora da exposição “A Series of Utterly Improbable, Yet Extraordinary Renditions”, inaugurada a 21 de fevereiro.
“O racismo é racismo. Está aqui. É como tempo, não vai a lado nenhum”
Trazer Arthur Jafa a Portugal, numa colaboração entre a Casa de Cinema Manoel de Oliveira e o Museu de Arte Contemporânea de Serralves, “é também um exercício de literacia visual”, para Philippe Vergne, diretor do Museu de Arta Contemporânea de Serralves e “embora o trabalho parta da cultura norte-americana, trazer aqui esta exposição é também refletir sobre a universalidade das imagens”.
A essa dúvida Arthur Jafa responde: “O racismo é racismo. Está aqui. É como tempo, não vai a lado nenhum”.
Embora o trabalho de Jafa leve o público a viajar por temas como etnia, preconceito, escravatura, violência policial e discriminação, o artista nascido em 1960 no Mississipi, Estados Unidos da América, frisou não saber se acredita “que a arte pode combater as injustiças sociais”.
A coincidência de se ter cruzado no tempo e no espaço com um caso que trouxe o racismo para a discussão mediática, o do jogador Marega, e apesar de se considerar um “otimista” moderado, fê-lo intensificar a visão de que o problema, seja em que continente for, não irá acabar.
“Tenho a certeza de que ele nunca jogou um jogo na vida sem ser insultado. Por isso, parece-me que o único ponto divergente na história é ele ter saído do relvado. Mas toda a gente parece estar incrédula por pensar que afinal há coisas racistas a serem ditas. Para mim, isso é pensamento de branco. No mundo real, estas coisas são recorrentes e persistentes”, comentou com os jornalistas.
Por isso — e porque diz não caber aos artistas tentarem mudar o mundo –, sublinha que a visão que tem dele em nada alterou depois apresentado este trabalho, desde 2017, um pouco por todo o mundo. Mas admite este como o seu projeto mais “universalmente aclamado”, com sabor a uma espécie de “Purple Rain”.