O ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, Vaz das Neves, foi constituído arguido no processo Operação Lex, em que também são arguidos o desembargador Rui Rangel e a sua ex-mulher e juíza Fátima Galante, revelou esta quinta-feira fonte judicial.

A fonte adiantou à agência Lusa que o desembargador Luís Vaz Neves, que se jubilou do cargo de presidente do Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) em 2018, já foi ouvido na qualidade de arguido pelo Ministério Público (MP) junto do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da Operação Lex, que investiga suspeitas de corrupção, tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem e branqueamento de capitais.

O que está em causa nas suspeitas sobre Vaz das Neves, ex-presidente da Relação de Lisboa

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A mesma fonte disse que, apesar de jubilado, Luís Vaz das Neves poderá vir a ser punido pelo Conselho Superior da Magistratura, que é o órgão de gestão e disciplina dos juízes.

A informação de que Vaz das Neves é arguido na Operação Lex foi avançada à agência Lusa por fonte judicial depois de a TVI ter noticiado que sobre o antigo presidente do TRL recaiam suspeitas de denegação de justiça no caso Operação Lex, relacionada com a alegada viciação do sorteio eletrónico dos processos naquele tribunal superior.

Contactado pela agência Lusa, Vaz das Neves referiu que “não pode a bem da justiça prestar qualquer declaração” sobre o processo, prometendo, no entanto, esclarecer “tudo no lugar e no momento próprios”.

De acordo com a TVI, as suspeitas incidem sobre a forma como foram distribuídos dois processos. Um é o processo do empresário de futebol José Veiga, de janeiro de 2013, cujo recurso à condenação por fraude fiscal, na transferência do jogador João Vieira Pinto para o Sporting foi distribuído ao juiz Rui Gonçalves. O outro diz respeito a um processo de difamação do juiz Rui Rangel contra o Correio da Manhã em que a Relação condenou três jornalistas ao pagamento de 50 mil euros ao desembargador.

Tribunal da Relação de Lisboa já reagiu

Já esta sexta-feira, em comunicado de imprensa, o presidente da Relação de Lisboa, Orlando Santos Nascimento, garantiu “a todos os portugueses e a todas as portuguesas” que “a distribuição de processos é realizada através de um programa informático, com aleatoriedade e cumprimento do quadro legal na matéria” e que “as decisões proferidas em tais processos são elaboradas com isenção, imparcialidade e preocupação com a defesa do interesse público e particular”.

O presidente da Relação de Lisboa recorda que tanto ele próprio como o tribunal estão “impedidos de se pronunciarem” sobre o caso de Vaz das Neves, mas justifica o envio da nota de imprensa tendo em vista “a defesa da Justiça e da tranquilidade pública”. A Relação de Lisboa insiste que tem prestado informações ao Supremo Tribunal de Justiça, assim como ao Ministério Público e Conselho Superior da Magistratura.

Juízes querem “sindicância urgente” à distribuição de processos na Relação

A Associação Sindical dos Juízes exigiu hoje ao Conselho Superior da Magistratura uma “sindicância urgente” aos procedimentos de distribuição de processos no Tribunal da Relação de Lisboa, para verificar se existiram irregularidades, após as suspeitas. O sindicato considera “essencial apurar se houve escolha de processos para juízes ou de juízes para processos, por razões desviadas e fora das regras que determinam a distribuição aleatória” e, caso tenha ocorrido essa escolha, a mesma “teve influência na decisão final”.

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Assim, a Associação Sindical solicita ao Conselho Superior da Magistratura que “ordene imediatamente a realização de uma sindicância urgente aos procedimentos de distribuição de processos no Tribunal da Relação de Lisboa, para verificar se existiram ou existem irregularidades e determinar a sua correção”.

Rui Rio: “Fico admirado que só agora tenha sido descoberto”

Em declarações à TVI24, o líder do PSD diz não ter ficado admirado com o caso de Vaz Nezes: “Fico mais admirado que só agora tenha sido descoberto um caso destes”, afirmou. Rui Rio realça que se pode pensar neste caso como o primeiro a ser descoberto “em décadas e décadas”, mas o líder diz acreditar que já ocorreu “dezenas e dezenas de vezes”.

O social-democrata pediu mais fiscalização no sistema judicial: “É grave termos um sistema judicial que, tantos anos após o 25 de abril, mantém uma grande opacidade no seu funcionamento. Tem de haver mais transparência. Quando não há, coisas destas podem acontecer porque têm um ambiente relativamente propício”.

Rui Rio equipara o problema da transparência no sistema judicial com a lentidão da justiça em Portugal: “Tem de haver uma fiscalização diferente. Quando se fala do sistema judicial, fala-se muito da falta de celeridade. Com certeza. Mas também há este problema de transparência”, realçou.

“Controla a situação”. As mensagens entre Rangel e Vaz das Neves

Em relação ao processo de difamação contra o CM, a Polícia Judiciária terá recolhido como provas mensagens trocadas entre o juiz Rui Rangel e o ex-presidente da Relação, a 9 de novembro de 2014, que a TVI divulgou:

— Luís, bom dia. Desculpa incomodar. Sei que estás na minha terra (Angola). Aquilo do CM chegou à Relação. Vai ser distribuído na próxima terça. Não posso ser de novo injustiçado só porque me chamo Rui Rangel. Por favor, liga para lá na 2ª. feira ou diz-me como fazer. Controla a situação. Estou muito preocupado. Diz-me qualquer coisa. Abraço, Rui Rangel.

— Caro amigo Rangel. Estive na tua linda terra e acabo de aterrar no Rio em trânsito para São Paulo. Manda-me o número do processo para que possa pedir que isto não seja distribuído sem eu regressar. Abraço amigo, Luís.

O desembargador Rui Rangel fornece depois os detalhes acerca do processo — o número e a data em que chegou à Relação. No dia seguinte, Rangel envia uma nova mensagem em que pergunta se está tudo bem. A resposta: “Tudo! Espero que tenham cumprido as minhas ordens”.

Meses depois, o Tribunal da Relação viria a inverter a decisão e a condenar o Correio da Manhã ao pagamento de 50 mil euros por danos não patrimoniais a Rui Rangel. No entanto, os jornalistas recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que viria a anular a condenação e a condenar Rangel ao pagamento das custas do processo.

Quanto ao processo do empresário de futebol José Veiga — constituído arguido no início de janeiro no âmbito da Operação Lex — a TVI detalha que o empresário encaminhou para o funcionário da Relação Otávio Ribeiro uma cópia do recurso à condenação por fraude fiscal, na transferência do jogador João Vieira Pinto para o Sporting. O funcionário terá depois reencaminhado o recurso para os juízes Rui Rangel e Rui Gonçalves. Este último desembargador viria então a ficar com o processo, por sorteio eletrónico, e a anular a decisão.

Empresário José Veiga arguido na Operação Lex

A Operação Lex tem atualmente mais de uma dezena de arguidos, entre os quais o funcionário judicial do TRL Octávio Correia, o advogado Santos Martins, o presidente do Benfica, Luís Filipe Vieira, e o antigo presidente da Federação Portuguesa de Futebol, João Rodrigues.

O processo Operação Lex foi conhecido em 30 de janeiro de 2018, quando foram detidas cinco pessoas e realizadas mais de 30 buscas. Esta investigação teve origem numa certidão extraída do processo Operação Rota do Atlântico, que envolveu o empresário de futebol José Veiga. O caso Operação Lex está a ser investigado pela magistrada do Ministério Público junto do Supremo Tribunal de Justiça Maria José Morgado.

Em dezembro do ano passado, o Conselho Superior de Magistratura aplicou uma pena de demissão ao juiz desembargador Rui Rangel — a pena disciplinar mais grave de uma lista de sete possíveis, previstas no Estatuto dos Magistrados Judiciais. Quanto à juíza Fátima Galante, também arguida, foi condenada àpena de aposentação compulsiva — a segunda pena mais grave.

Juiz Rui Rangel demitido pelo Conselho Superior da Magistratura. Aposentação compulsiva para Fátima Galante

Rangel também exerceu influência junto de Tomás Correia, do Montepio

De acordo com a TVI, no processo consta uma mensagem comprometedora do juiz enviada a Tomás Correia, então presidente do Montepio. Foi a 16 de maio de 2014.

Na mensagem, Rui Rangel pedia a Tomás Correia uma reunião para tratar de um assunto de um amigo. Quatro meses depois, a 10 de setembro de 2014, o juiz intercedeu mesmo junto de Tomás Correia para que este indicasse um elemento do banco que recebesse o amigo: Abel Xavier, antigo jogador e treinador de futebol.

Em causa, adianta a TVI, estava um litígio referente a um financiamento de uma obra em Cascais, cujo empréstimo tinha sido feito junto do Montepio. A peça da TVI indica que “o pedido deu resultado”, porque a 23 outubro de 2014 Abel Xavier informou Rangel que “já tinha a reunião marcada com Tomás Correia”. A TVI não adianta mais pormenores sobre os contornos do empréstimo, nem o que lhe sucedeu.