Se houve um traço da primeira semifinal do Festival da Canção (que se realizou este sábado, 22 de janeiro) com o qual os primeiros finalistas apurados estiveram de acordo, foi a diversidade: de estilos musicais, de género, de influências sonoras.
O concurso nacional de música da RTP, no qual é apurado anualmente o representante português no Festival Eurovisão da Canção — os últimos foram Luísa e Salvador Sobral, Isaura e Cláudia Pascoal e Conan Osiris —, tem como objetivo ser um espelho abrangente da boa música que se faz em Portugal. Para os finalistas, o objetivo foi bem conseguido: em declarações à imprensa, todos destacaram elogiosamente a forma como as canções que estiveram a concurso se distinguem, ao invés de se assemelharem, o que prova a “diversidade” do menu musical português.
Ao Observador, os primeiros quatro finalistas do Festival da Canção — Filipe Sambado, Tiago Nacarato e Bárbara Tinoco, Marta Carvalho e Elisa e Throes + the Shine — revelaram alguns detalhes sobre a composição e interpretação das canções, contaram como se sentiam após a passagem à final e explicaram o que quiserem transmitir com os temas que levaram ao concurso.
Quem são os primeiros quatro finalistas do Festival da Canção?
A final do Festival da Canção 2020 está agendada para dia 7 de março e vai decorrer no Coliseu Comendador Rondão Almeida, em Elvas, depois de edições anteriores nas cidades de Guimarães e Portimão. Antes, no próximo sábado, 29 de fevereiro, serão apurados os restantes quatro finalistas na segunda semifinal do concurso, organizado e transmitido pela RTP.
Filipe Sambado, “genuinamente feliz” fala em “montra da música que se faz em Portugal”
Dos finalistas apurados este sábado para a final do Festival da Canção, Filipe Sambado foi o primeiro a apresentar a sua canção em palco. O tema, “Gerbera Amarela do Sul”, faz parte do mais recente álbum do cantor e compositor, que em conversa recente com o Observador tinha explicado como a canção foi escrita a pensar na fricção que tem com o modelo de concurso televisivo: “É um formato que me assusta bastante, a ideia de concurso, a maneira como as pessoas se colocam em fações por cada canção”, dissera então, em janeiro.
No final da noite deste sábado, ao Observador, Filipe Sambado manifestava-se “genuinamente feliz por ter sido escolhido para ir à final“. Na canção que escreveu para o Festival da Canção, Sambado canta “e mesmo a ser de qualquer laia / só com roupa de ir para a praia / fazem de mim pitaia / para chegar a cônsul”, o que significa, como o próprio descodificou há um mês ao Observador, “agora vou ser aqui um gajo tropical para vocês acharem alguma piada”. Questionado agora se sente que é apenas a qualidade da canção ou também o “lado tropical” e o mediatismo paralelo à participação que o ajudou a passar à final, apontou:
É tudo. O que digo na canção e o que estou a fazer já me dá um espaço bastante tranquilo. Esta crítica que faço na canção é um problema que me coloco, antes de ser uma crítica a alguma pessoa ou todas as pessoas.”
Em janeiro, o músico tinha dito ao Observador que tinha um problema com a ideia de representatividade e de poder ser o representante de Portugal ou da música portuguesa numa competição musical internacional: “Não quero ser representante de ninguém, faz-me muita confusão a ideia de representatividade”. Agora, apontou: “Isto reflete muito pouco do que é a música portuguesa. Há uma preocupação grande da organização em criar uma plataforma de montra com aquilo que é a música que se faz em Portugal, mas os resultados desta noite têm a ver apenas com o resultado dos votos. Somos 16 participantes a fazer música, cada um gosta do que faz e por alguma razão foi convidado. Nenhuma das razões para o apuramento ou eliminação passam pela qualidade ou falta de qualidade de cada projeto. Os resultados estão na mão de outras pessoas. Nenhuma canção aqui é melhor ou pior por passar à final”.
O feminismo de “Passe-Partout”, de Nacarato e Tinoco
O segundo tema apurado este sábado para a final do Festival da Canção que se ouviu na RTP foi a canção “Passe-Partout”, composta por Tiago Nacarato e cantada por Bárbara Tinoco — embora a interpretação seja também parcialmente do autor, que esteve em palco durante o tema a tocar guitarra. Ao Observador, o músico e cantor revelou que recebeu o convite para participar “há dois anos” mas achou que “não fazia sentido vir”. Este ano ficou “super contente” por ser convidado porque “até era um plano [seu] participar num segundo ano” após o convite. No entanto, garantiu que para si “nunca é um objetivo ganhar quando se fala de arte. O objetivo aqui era mostrar uma canção em que eu acredito e a Bárbara também. Depois as consequências da competição deixo com a própria competição”.
A canção, “Passe-Partout”, conta a história de uma mulher que decide terminar uma relação com um homem, que não ouve a mesma canção — “nem de Piaf conseguista ficar fã” — e a quem a mulher deixa alguns conselhos e avisos. Um dos conselhos é “e se algum amigo quiser / saber do que aconteceu / diz-lhe que a culpada / não fui eu”. E o aviso mais contundente “não sou mais pitéu, não / nem o teu troféu”.
Questionado sobre o teor feminista do tema, Tiago Nacarato confirmou-o e explicou que “enquanto cidadão, não enquanto compositor nem intérprete”, acha importante transmitir que “está na hora das mulheres emancipadas, que têm a sua opinião, que deve ser forte e que deve ser levada a sério. Estamos numa sociedade que precisa disso”. Já a intérprete, Bárbara Tinoco, corroborou e apontou: “Claro que esta canção pode ser cantada por uma mulher — e isso é que é a coisa feliz”.
Marta Carvalho e Elisa: “Eu nem votei” e um passado com menos “mulheres e raparigas mais novas”
O feminismo e o crescimento do número de mulheres que assumem as rédeas das suas vidas foi tema que voltou à baila com Elisa e Marta Carvalho, respetivamente intérprete e compositora do tema “Medo de Sentir”, o terceiro finalista do Festival da Canção que se ouviu na primeira semifinal da RTP.
Afirmando que cresceu “a ver o festival” e que isso foi fator determinante para aceitar participar, “independentemente de as hipóteses serem cantar ou escrever”, Marta Carvalho refere que no passado “sentia que as portas ainda não estavam abertas para mais mulheres e para raparigas mais novas” comporem e participarem no Festival da Canção enquanto compositores e não apenas enquanto intérpretes. “Fazia sentido, até porque o festival renovou-se e esse equilíbrio já se vai notando mais”.
Marta Carvalho explicou ao Observador que conheceu a cantora que veio a escolher como intérprete, Elisa, no estúdio onde trabalha. “Primeiro, um vídeo no Youtube em que ela estava a cantar na RTP e fiquei maravilhada com o talento. Pouco temos depois recebi o convite para fazer parte do Festival da Canção, parece que tudo fazia sentido e não tive dúvidas da escolha”. Já Elisa revela que foi inicialmente convocada “para uma reunião”, em que pensava que seriam discutidas “coisas do dia-a-dia” — e até pensou “porque é que não me dizem as coisas através do telemóvel”. Quando chegou à reunião, “estava lá a Marta, disse-me que tinha sido convidada e que queria que fosse eu a interpretar o tema. Foi precisa ela dizer-me: Elisa, é a sério, não estou a brincar”, recordou, sorridente.
A passagem à final, assume Marta Carvalho, “dá confiança” para um eventual bom resultado porque “é um sinal que estamos a tocar as pessoas de alguma forma”. A autora confessou mesmo: “Não consegui votar uma única vez! Foi mesmo orgânico a passagem à final e isso revela muito, dá confiança”. E já se imaginaram a levar “Medo de Sentir” à Holanda, para a Eurovisão, como representantes portuguesas? “Nem me tinha imaginado a cantar no Festival da Canção… isto é passo a passo e cada passo é uma vitória. Resulta de uma vontade muito grande de continuar a fazer música e de tocar as pessoas”, apontou Elisa, logo acrescentando: “Se chegarmos à Holanda vai ser uma felicidade enorme e iremos com uma vontade enorme, claro”. Marta Carvalho promete que levariam “pastéis de nata”, a madeirense Elisa acrescenta: “E bolo de mel da Madeira”.
Throes + The Shine notam a “diversidade de culturas e backgrounds” espelhadas no Festival
A expressão britânica “last but not the least” aplica-se na perfeição à banda Throes + The Shine. O grupo nacional que funde rock com kuduro e pop eletrónica foi o último a atuar na primeira semifinal do Festival da Canção, mas nem por isso convenceu menos o júri e os telespectadores votantes. O lugar na final está assegurado e o membro do grupo Marco Castro explicou ao Observador como os Throes + The Shine chegaram à canção “Movimento”: “Tínhamos três músicas que achámos que poderiam ser interessantes para aqui, em que já tínhamos começado a trabalhar antes [do convite para o Festival da Canção]. Levámos as três para estúdio e esta foi a que teve uma composição mais rápida”, portanto mais instintiva.
Mal recebemos o convite da RTP e começámos a discutir a ideia, flirtámos ligeiramente c hipótese de chamar alguém mas quando começámos a pensar nas canções, percebemos q encaixavam melhor em nós”, apontou ainda a banda, detalhando que “se isto é para transmitir aquilo que somos, mostrando a nossa fusão de géneros, não faria sentido chamar um convidado externo, um intérprete exterior”.
O grupo corroborou uma ideia que havia sido difundida por quase todos os finalistas, a que o Festival da Canção é um bom espelho da diversidade da produção musical atual em Portugal: “É uma coisa que achamos bonita: o Festival abraça vários géneros, toda a diversidade de culturas e backgrouds que temos no nosso país. Isso refletiu-se em todas as canções desta semifinal, não há uma semelhante a outra”.