São as proporções oversized, os detalhes românticos e a extrema feminilidade das silhuetas que tornam a Buzina irresistível. Para Vera Fernandes, pisar a passerelle da ModaLisboa com a marca que criou oficialmente em 2016 foi, durante anos, uma imagem impensável.
Em Joane, no concelho de Vila Nova de Famalicão, a cerca de 15 quilómetros de Braga, é uma referência de estilo. Foi a partir da pequena vila que traçou um caminho brilhante — os seus vestidos rodados e de mangas abalonadas passaram de “sacos de batatas”, como lhe disseram em tempos, a modelitos requisitados pelas it girls do Instagram, onde atualmente a marca se aproxima dos 20 mil seguidores. Mais do que livros de tendências, nunca perdeu de vista o que queria ver dentro do próprio guarda-roupa.
Este sábado à tarde, a marca desfila pela primeira vez. “Achei que a Buzina merecia, que tinha material e capacidade para isso”, admite em conversa com o Observador, a poucos dias da apresentação. Esta não é só uma nova montra comercial — Vera não se pode queixar no que toca a vendas e, por enquanto, o negócio cresce assente numa estratégia de quantidades limitadas e lançamentos frequentes –, é o reconhecimento do projeto que começou a medo, sem sequer admitir a autoria das próprias criações, e que escalou até aos convites de showrooms internacionais.
Sem se entregar a futurologias, diz que terá sempre Joane e a sua clientela fiel, um grupo que inclui amigas e antigas colegas de escola, mas também tias vaidosas, que continuam a ter acesso às coleções muito antes de chegarem à loja online e a vestir peças exclusivas, das que não chegam a ser postas à venda. Agora, é altura de chegar a novas fashionistas, fazer soar a Buzina na capital, com laços, folhos e tudo a que uma mulher tem direito.
A venda porta-a-porta, os tecidos e as costureiras. A história de uma marca local
Vera cresceu rodeada de indústria têxtil, a mesma que até hoje lhe emprega uma grande parte da família. Na escola era miúda com pinta. “Sempre brinquei com trapos”, exclama. A avó materna era a modelista da terra e dos restos de tecidos fazia roupas novas todas as semanas. No início dos anos 90 e à escala de uma pequena vila nortenha, Vera era uma influenciadora. A moda ficou sempre debaixo de olho, mesmo quando decidiu ir tirar um curso de psicologia.
A maternidade fê-la redefinir objetivos, altura em que abriu uma loja de roupa de criança. Onde? Em Joane, numa região do país onde, como explica, “qualquer sítio é uma confeção”. “Sempre mandei fazer a minha roupa. Aliás, a marca foi construída assim, não foi nada estudado. Pensei: ‘As pessoas gostam da maneira como me visto, se fizer, talvez até consiga que vistam também'”, conta ao Observador. Vera recorda-se das primeiras idas à Riopele, colosso da produção têxtil nacional, ali quase à porta.
“Nunca vesti roupa que fosse o meu tamanho, era sempre M e L” — numa marca que nasceu como reflexo de um estilo pessoal, as medidas foram a modos que desfasadas para as cânones da terra. Começou a idealizar as primeiras peças e contou com Salomé, a sua costureira mais que tudo, para dar-lhes forma. “Não tinha noções técnicas nenhumas, aprendi muito. Ela nem percebia muito bem quem é que ia usar aquela roupa, mas deu-me um voto de confiança. Estamos a falar de uma senhora na casa dos 50, habituada àquele corte antigo. Mas deu-me um voto de confiança”, relembra.
As primeiras peças vendeu-as na loja de roupa de criança, sob o pretexto de serem de uma amiga. Quando o sucesso começou a desenhar-se como desfecho mais provável, fechou as portas e reabriu como Buzina. “No início, era tudo tamanhos únicos, peças muito grandes. Lembro-me de mostrar o meu primeiro vestido à minha avó e de ela me dizer: ‘Credo, isso só em tecido! Quem é que veste isso?’ — ‘Tu vendes sacos de batatas’, também me chegaram a dizer”.
O que aconteceu daí em diante roçou uma revolução nos costumes. “Uma mulher comprava um vestido que até era grande, chegava a casa o marido não gostava — os maridos nunca gostam da minha roupa –, mas continuava a acreditar que estava linda, porque quando aparecia com o vestido era elogiada e era elogiada porque a roupa era diferente”, conta. O passa-palavra foi fundamental e, depois de passarem com distinção no teste dos elogios, as primeiras clientes voltaram para comprar outra peça.
Ainda assim, os primeiros tempos não foram fáceis — “era partir pedra todos os dias”, mesmo com um grupo de clientes mais jovens, as primeiras a estarem recetivas ao novo fitting. “Cheguei a ir a casa das pessoas vender, a pegar numa mala, a ir mostrar as novidades da marca e até a fazer roupa para clientes”. A empreendedora começou uma marca do zero e com investimento próprio. Durante os primeiros dois anos, foi assim: Vera vendia as peças, usava o dinheiro para comprar novos tecidos para produzir novos modelos. Sem redes sociais e dependente de um grupo restrito de clientes, estava na altura de dar um salto.
“É o meu guarda-fatos, não tenho de obedecer a nada”
A relação entre moda de autor e sucesso comercial é delicada, por vezes desfuncional, seja pela pequena escala do mercado interno, pela dificuldade dos criadores portugueses em penetrar nos cenários internacionais ou simplesmente pelo desajuste entre as forças criativa e produtiva. Ainda assim, projetos como a Buzina furam a espiral e ganham dimensão de forma orgânica. Mas Vera Fernandes partiu em vantagem, viveu sempre paredes meias com fábricas e fornecedores.
Ainda assim, mesmo depois de bloggers e influenciadoras começarem a requisitar as suas peças — até já Cristina Ferreira vestiu Buzina nas manhãs da SIC –, a empresária resistiu à pressão de aumentar, logo industrializar, a produção. “Já fui contactada para passar para confeções e para aumentar a escala, mas para já não. É muito meu ainda, não consigo”, defende. E manter tudo nas mãos de uma modelista e de três costureiras tem as suas vantagens, sobretudo quando se produzem até 70 exemplares de cada peça e quando se trabalha praticamente sem stock.
“A marca não tem de ser estática, ela existe à minha semelhança, então vou criando mediante as minhas necessidades. É sempre tudo muito emotivo”, explica, enquanto evidencia o blazer que está a usar. Parece que pode muito bem vir a ser a próxima peça estrela da Buzina. Em vez de extensas coleções sazonais, as edições cápsula são lançadas, em média, de dois em dois meses. O conceito de “coleções passadas” também não existe propriamente. “Se tiver o tecido, posso voltar a fazer a peça. Posso relançar um vestido do ano passado, mudar o tecido. É o meu guarda-fatos. Não tenho de obedecer a nada”.
A sustentabilidade está implícita no modelo de negócio, até porque mais local do que centrar toda a cadeia de produção e fornecimento num raio de dois quilómetros é difícil. O produto final é 100% português e continuará a sê-lo mesmo que um dia a marca decida entregar a produção, ou parte dela, a uma fábrica. “A moda está a mudar muito. Se há dois ou três anos batesse à porta de uma confeção, se calhar diziam-me: ‘Ó menina, por amor de Deus’. Agora, mesmo que só faça dez peças, querem logo que ponha lá a fazer”, esclarece.
De Joane a Lisboa são 350 viagem, esforço acrescido para a empresária de 37 anos, que quer, a todo o custo, manter uma relação de proximidade com as suas clientes. Na vila, mantém a única loja própria e recebe pessoalmente as clientes de sempre, agora por marcação. Mantê-la aberta não traz grandes ganhos financeiros, sobretudo quando comparados com o atual volume de vendas online. Mas é para manter, não vá a vida dar uma volta. Já este ano, Vera convidou duas clientes para protagonizar a campanha da mais recente coleção cápsula. Bárbara e Ju são mãe e filha e, na produção fotográfica, surgem unidas pela riqueza, mas também pela estrutura, de jacquards e tafetás.
Um espetáculo e manequins de dois metros: os preparativos para o desfile
Vera Fernandes tem 1,56 m de altura e numa marca onde tudo é feito à imagem e semelhança da criadora, vestir manequins altas pode ser uma aventura. “O meu maior desafio está a ser o tamanho das peças. Sou assim pequenina e normalmente faço as coisas para mim. Agora, tenho modelos com quase dois metros e as peças da Buzina já são grandes”, partilha. O desfile está marcado para este sábado às 16h e faz parte da plataforma Lab, reservada a designers e marcas em início de percurso.
Aos 37 anos, Vera está perante um território desconhecido. No desfile, vai contar com a ajuda da stylist Tânia Diospirro e, no final, tenciona percorrer a passerelle com Salomé, o valioso braço direito — “Só estou aqui por causa dela”, reforça. No que toca à coleção, diz que é um cartão-de-visita, uma viagem por quase quatro anos Buzina. Um espetáculo? Não diz que não, mas quer guardar a surpresa até ao fim. “Quero que dê vontade de comprar, não estou aqui para vestir ETs. Têm de ser coisas que as pessoas vistam no dia-a-dia, mas com algum dramatismo”, revela.
A marca tem atraído olhares internacionais. De Itália, do Reino Unido e de Espanha já surgiram propostas, mas para já a Buzina só chegou mesmo ao país vizinho. No mês passado, Vera foi convidada a participar numa feira em Londres. “Mas que sentido é que faz estar a mandar o meu produto para o estrangeiro, se em Portugal não tenho reconhecimento?”, questiona. Para isso, estar na ModaLisboa já é um grande passo. Depois dela, Vera espera ver outras marcas pequenas conquistarem um lugar no calendário. E se a viagem de Joane para as Oficinas do Exército aconteceu, tudo é possível.
Nome: Buzina
Data: 2016
Ponto de venda: loja online
Preços: dos 75 aos 195 euros
100% português é uma rubrica dedicada a marcas nacionais que achamos que tem de conhecer.