É nula a licença do polémico hotel que está a ser construído a 100 metros da praia da Memória, em Perafita, Matosinhos. Segundo avança, esta terça-feira, o Jornal de Notícias, o ministro do Ambiente assinou esta segunda-feira o despacho determinando que a obra deve ser “parada de imediato e impostas as condições originais do terreno”. Inspeção concluiu que o projeto nascia em terrenos de Reserva Ecológica Nacional.
Segundo informação disponibilizada pelo executivo, a empreitada em causa – Memória Talasso Hotel Apartamentos – é um hotel de quatro estrelas na linha de praia, em Perafita, e que prevê ter 94 unidades de alojamento (nas tipologias de estúdios, T1 e T2) com vista de mar, restaurante, bares, piscina, spa, talassoterapia e estacionamento. O projeto recebeu luz verde de todas as entidades competentes e até lhe foi atribuído o título de “utilidade turística” pela Secretaria de Estado do Turismo, que conferia benefícios fiscais ao promotor, mas quando foi tornada pública, vários moradores se manifestaram contra ela.
De acordo com o JN, o licenciamento é nulo e considera-se que “deveriam a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) e a Câmara de Matosinhos ter agido com maior cautela neste processo”. As escavações do terreno já realizadas na margem das águas do mar, que “integram a prática de uma contraordenação muito grave”, são uma das infrações apontadas.
Um projeto, uma localização, uma polémica
O empreendimento em causa está situado num terreno que no Plano Diretor Municipal (PDM), numa versão de 1992, estava prevista como uma área destinada a turismo, para a construção de um hotel. Luísa Salgueiro, presidente da Câmara Municipal de Matosinhos, revelou que em novembro de 1996 foi aprovado em Conselho de Ministros a delimitação da Reserva Ecológica Nacional (REN) que previa exceções de algumas áreas da zona costeira. “Quando foi aprovada a carta da REN já estava previsto que fossem excecionados os equipamentos turísticos, como era o caso”, sublinhou em dezembro de 2019.
Em 2004, o promotor apresentou um Pedido de Informação Prévia (PIP) para construir a unidade hoteleira naquele local, mas este foi indeferido. O mesmo promotor deu entrada ao pedido de licenciamento em setembro de 2016, tendo sido solicitado um parecer ao Instituto de Conservação da Natureza e da Florestas, que não se pronunciou por entender que não se trata de uma área protegida, um parecer da APA, que foi favorável, bem como à Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), que na altura deu um parecer desfavorável por incumprimento da delimitação de exclusão da REN.
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Mais tarde, em janeiro de 2017, o promotor corrige esse pedido e fá-lo confinar a área destinada a equipamentos turísticos, merecendo o parecer favorável da CCDR-N, mas também da APA e do Turismo de Portugal. Nesse mesmo ano, é também aprovada a licença para a construção, uma vez que cumpria todas as condições urbanísticas previstas no PDM.
Acontece que a 21 de agosto de 2019 entra em vigor uma nova versão do PDM. “Nesta nova versão aquela faixa de Reserva Ecológica não prevê nenhuma construção. A câmara entende que não é positivo que se construa naquela área de proteção qualquer equipamento, incluindo turístico”, disse a líder do município, considerando que “a partir desta versão deixaria de ser possível qualquer equipamento naquela faixa”.
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Porém, o projeto foi aprovado na vigência da anterior versão do PDM, logo “ele tem direitos adquiridos para a construção que não são afetados pela entrada em vigor da nova versão”. Para Luísa Salgueiro, “se o projeto tivesse sido apreciado depois de agosto ele seria obviamente chumbado”, realçando o facto de o POOC continua a “não ser incompatível com a construção”. “A única coisa incompatível com a construção é o nosso PDM [atual], mas este não faz cair os direitos adquiridos previamente”. Assim, o promotor tem “total direito a construir”, sendo “inatacável” do ponto de vista jurídico, restando agora a autarquia “verificar o cumprimento de todas as regras de construção”.
Em outubro, dezenas de pessoas, a maioria moradores, manifestaram-se contra a construção do hotel e exigiram que fosse encontrado um local alternativo, isto numa altura em que a obra já tinha parado por iniciativa do promotor por estar a negociar a relocalização do empreendimento por motivos ambientais. Nesse mesmo mês, o projeto foi alvo de uma denúncia na Procuradoria-Geral da República.
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A 16 de dezembro, o Ministério do Ambiente e da Ação Climática determinou a realização de uma averiguação ao processo de licenciamento do hotel.