EDP, Altice Portugal, Tribunal Superior do Trabalho ou função pública, entre outros. Aos poucos, várias empresas portugueses estão a mandar para casa trabalhadores de diferentes áreas e competências numa resposta de contingência. A missão é impedir a propagação de Covid-19, que já contaminou mais de 120 mil pessoas em todo o mundo, e que está a justificar uma onda de teletrabalho. Portugal já conta com 59 casos de infeção.

Deixar, ainda que temporariamente, o local de trabalho e os colegas pode ser uma adaptação exigente, pelo que reunimos conselhos de quem tem um currículo vasto nisto que é trabalhar por casa: das listas de afazeres à manutenção de rotinas como se estivesse no escritório, eis seis dicas para tomar nota.

Ter uma lista diária de objetivos concretizáveis

Andreia Reisinho Costa, motion desginer de 37 anos, trabalha a full-time a partir de casa há mais de três anos (ao todo, se não contarmos com as interrupções, trabalha há 5). “Diria que o mais importante é ter uma lista de afazeres diários com os objetivos a cumprir”, conta ao Observador via telefone, a partir do escritório que montou no quarto que fica mais a sul e que, durante o dia, mais luz apanha em todo o apartamento. “Tenho sempre tarefas que executo para cada cliente e vou fazendo o ‘check’ quando termino. É-me imprescindível criar objetivos concretizáveis todos os dias para que eu desenvolva o meu trabalho e para que me mantenha motivada“.

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Carla Porto, membro do Conselho do Colégio da Especialidade de Psicologia do Trabalho Social e das Organizações, destaca também e em primeiro lugar a importância de definir os objetivos a cumprir, as respetivas datas de entrega e os horários de trabalho, algo que deve ficar esclarecido à priori entre trabalhador e empresa.

Estabelecer uma rotina de trabalho

“Trabalhar em casa é um convite à distração”, comenta Rafael Tonon, jornalista freelancer de 37 anos. O brasileiro a viver no Porto colabora com diferentes publicações espalhadas pelo globo. A principal —  Fine Dining Lovers — está sediada em Milão, onde se sente em particular o impacto de Covid-19. Os colegas de Tonon estão todos a trabalhar a partir de casa há cerca de duas semanas. Ele fá-lo há oito anos. “Tento criar uma rotina de trabalho. Acordo, tomo o pequeno-almoço tranquilamente e ouço um podcast. Mas depois do banho estou pronto para trabalhar. Tento fazer as horas certas”, continua. Rafael tem uma estrutura de trabalho há muito enraizada: de manhã começa por ler os emails de trabalho e, de seguida, dedica-se aos textos. Enquanto o faz o telefone permanece desligado — fá-lo para evitar distrações. À tarde volta a consultar a caixa de correio eletrónico. A definição de horários é essencial até para manter a coerência na vida a dois. A mulher de Rafael chega a casa pelas 17h, pelo que o jornalista tenta ficar o mais focado possível até o relógio marcar essa hora, todos os dias. “Por ser freelancer muita gente acha que tenho um horário livre. Não é porque estou em casa que não estou a trabalhar”, reitera.

Andreia Reisinho Costa também fala de experiência própria e refere que os horários dependem de cada pessoa. No seu caso, a motion designer prefere deixar as tarefas mais criativas para as primeiras horas da manhã. Para a tarde ficam os trabalhos mais mecanizados, em que quase não precisa de pensar. “São aqueles que executo facilmente. Já sei que, para mim, a partir das 17h fico com a produtividade muito baixa e distraio-me facilmente, por isso giro o meu trabalho segundo esse conhecimento”, continua, esclarecendo ainda que os clientes para os quais trabalha tendem a ter empresas com um horário de funcionamento habitual: das 09h às 17h, sensivelmente. Claro que há dias em que o trabalho estica mas garante que são raras as vezes em que trabalha depois das 21h. “Faço de tudo para manter uma vida saudável”, assegura, até porque Andreia e a mulher trabalham juntas no mesmo espaço.

O escritório da motion designer de 37 anos © Andreia Reisinho Costa

Já Helena Magalhães, influencer e escritora, trabalha em casa desde 2015. O primeiro ano foi particularmente exigente porque, diz, deu por si a fazer tudo o que não devia fazer, como ficar de pijama até à hora de almoço e trabalhar na cama ao computador, coisas que “anulavam totalmente a produtividade”. Além disso, conta, perdeu o ciclo do sono porque travalhava noite fora. O conselho mais importante, argumenta, é “manter as rotinas”. “Acordar cedo, tomar banho, tomar o pequeno-almoço, vestir, tudo igual como se fosse trabalhar fora de casa. Isso cria no nosso corpo e mente o foco de trabalho. Há quem goste de fazer meditação de manhã, por exemplo. Eu leio e ligo o rádio. Ouço as notícias e música enquanto organizo o que tenho para fazer.”

Além de se manter as rotinas, Luís Gonzaga, consultor de produtividade e trabalho na FULL FILL realça a necessidade de garantir que os horários do sono não são desregulados, os quais podem ter um sério impacto na nossa produtividade. Os horários das refeições, esses, também devem ser mantidos, com o consultor a chamar à atenção para manter uma alimentação saudável. “É possível que em casa seja preciso fazer um esforço adicional.”

Criar um ambiente de trabalho apropriado

No escritório de Andreia, o qual tem direito a divisão própria, não há televisão, não vá a programação diária servir de distração. “Ouço música e basta-me”. Se na primeira casa onde ela e a mulher viveram o escritório estava integrado na sala, na morada atual o cenário é bem diferente: no quarto com mais luz da casa as secretárias de ambas estão costas com costas, rodeadas por materiais de apoio.

No Brasil, Rafael Tonon até tinha uma divisão em casa só para dar guarida ao escritório. No Porto a casa é consideravelmente mais pequena, pelo que o jornalista freelancer faz o que pode no T1. O escritório improvisado, durante as horas de trabalho, é a sala, a qual tende a ser ocupada pela mulher pelas 17h, quando esta chega a casa. Na impossibilidade de se ter uma divisão destinada apenas ao trabalho a full-time, Rafael fala na importância de quem faz teletrabalho adaptar-se à rotina da casa. Fora isso, diz que trabalhar no quarto não é coisa que resulte, até porque associa o espaço a uma zona de descanso. O mesmo aplica-se ao sofá. “É preciso criar uma área de trabalho dentro de casa. Não é por trabalhar em casa que se pode trabalhar deitado na cama.” Rafael faz ainda questão de ter junto de si água e café para evitar levantar-se constantemente, uma vez que isso pode ser um convite a detetar tarefas de casa por realizar. “As tarefas de casa não se podem cruzar com o trabalho!”

O escritório da influencer e escritora Helena Magalhães © Helena Magalhães

“Estar na cama ao computador é o pior que podemos fazer e confunde o nosso cérebro em relação ao lugar de trabalho e de descanso. Vamos ficar com sono se estivermos deitados na cama com o computador à frente. Organizar uma mesa de trabalho, colocar todo o material necessário para trabalhar, ter uma agenda e luz já ajuda bastante”, acrescenta Helena Magalhães, que fala da experiência pessoal. “Quando vamos para o sofá, descansamos. Quando nos sentamos à mesa, trabalhamos.”

“Estabelecer o horário vai depender sempre da natureza do trabalho”, acrescenta a psicóloga Carla Porto que dá exemplos: se o trabalho em questão for de atendimento ao público é importante cumprir o horário previamente estabelecido, mas em muitos outros casos deverá ser possível adotar regimes mais flexíveis. “O trabalhador em si terá de ter muita disciplina e criar um ambiente de trabalho em casa. É preciso definir o espaço de trabalho e manter os mesmos hábitos: acordar à mesma hora, almoçar à mesma hora, etc.”, continua Carla enquanto faz a entrevista a partir do quarto das filhas. “É onde tenho mais sol. O importante é que a pessoa sinta que tem as condições de temperatura e de luminosidade para trabalhar. E que não seja interrompida.”

Trabalhar por blocos de tempo e fazer pausas

“Trabalho por blocos de tempo e faço pausas a cada hora e meia, mais ou menos. Nos escritórios fazemos a pausa do café, em casa faz-se o mesmo. Pausa para relaxar, esticar, andar, falar ao telefone, beber um café, comer, etc. Ficar a manhã toda sentada a trabalhar é desgastante e vai fazer com que, durante a tarde, pareça que já trabalhámos um dia inteiro”, diz Helena Magalhães cuja conta de Instagram tem mais de 26,6 mil seguidores. “E, claro, faço pausa para ver as redes sociais que é um tema impossível de fugir atualmente. Tenho todas as notificações das redes sociais desativadas porque são uma distração constante ao longo do dia e reduzem a produtividade e a concentração. Assim, nas pausas, é quando espreito as redes sociais, vejo os Whatsapps, converso um pouco.”

Luís Gonzaga também está de acordo quanto às pausas regulares no trabalho e defende que não se deve trabalhar mais do que uma ou uma hora e meia de seguida. É também apologista de que as pessoas saiam de casa de maneira a regular os dois ambientes: casa versus trabalho. Na impossibilidade de isso acontecer, aconselha idas à janela ou varandas com alguma regularidade.

Vestir-se e não trabalhar de pijama

“Já me aconteceu trabalhar de pijama e vestir-me apenas para uma videochamada. Acordar mais tarde e não nos vestirmos… não é por aí… mas seria recomendável que mantivéssemos a maior parte das nossas rotinas até porque é uma forma de lembrar que esta é uma situação transitória. E não estamos de férias”, comenta Carla Porto, psicóloga e membro do Conselho do Colégio da Especialidade de Psicologia do Trabalho Social e das Organizações.

A higiene diária de Andreia é feita como se ela fosse trabalhar fora de casa. A única exceção são os chinelos ao invés dos ténis. “Visto-me e trato do rosto como noutro dia qualquer”, diz, lembrando ainda que na hora de almoço tenta ir duas a três vezes por semana ao ginásio. O brasileiro Rafael Tonon também se veste — e até se calça — como se fosse trabalhar para um escritório.

O escritório do jornalista freelancer © Rafael Tonon

Manter contacto com colegas e chefias

Carla Porto aconselha a que se mantenha contacto com os colegas e com as chefias, uma medida que não só promove a eficácia do trabalho — e que evita a falsa sensação de liberdade que pode ocorrer quando a trabalhar por casa —, como ajuda a afastar a sensação de solidão. Contornar a questão do isolamento pode ser feito de outras formas, como aproveitar para comer com maior qualidade, manter contacto com as pessoas de quem se gosta por vídeochamada ou através das redes sociais, pôr séries ou filmes em dia, etc. “Tudo o que possa dar prazer.”