A linha de Saúde 24 tem recebido milhares de chamadas e isso leva a que o sistema muitas vezes falhe, as chamadas caiam e que os profissionais deixem de ouvir as pessoas. O Governo já admitiu que, na resposta às muitas dúvidas sobre o novo coronavírus, a linha teve constrangimentos devido a um “acréscimo anormal”. Mas nem todas as chamadas recebidas, se justificam.
Uma enfermeira que faz turnos nesta linha — e que não quis ser identificada — conta ao Observador os constrangimentos da linha de Saúde 24, os problemas do serviço e também as chamadas despropositadas que recebe, entre as que são verdadeiramente urgente e justificadas.
“A que horas fecha o Norteshopping?”
“Num turno de cinco horas que possa fazer entre alternar o hospital com a linha [Saúde 24], atendo milhares de chamadas. Numa situação normal conseguíamos estimar mais ou menos quantas chamadas atendíamos, agora é impossível”, começa por explicar esta profissional de saúde.
O volume de chamadas aumentou nas últimas semanas e o tema centrou-se no novo vírus, mas nem todas as chamadas que chegam ao serviço telefónico são urgentes e nem todos os pedidos de informação se relacionam com saúde. A mesma fonte conta que recebe todo o tipo de chamadas com todo o tipo de perguntas, nem sempre ortodoxas:
– “A que horas fecha o Norteshopping?“
– “Houve alguém que espirrou ao meu lado o que faço?“; “Espirrei duas vezes posso ter coronavírus?“;
– “Ia no metro e espirraram, o que devo fazer?“;
– “Ando a espirrar muito na última hora, terei apanhado coronavírus ou será por ter estado a limpar o pó de casa?“;
– “A minha filha veio da ama, devo dar-lhe banho com álcool?“.
Para além deste tipo de perguntas diretas há também quem pergunte como fazer gel desinfetante ou que tipo de álcool é mais eficaz. “Este tipo de atitude só me leva a concluir uma coisa: ‘nota-se que as pessoas estão claramente em pânico'”, conclui a profissional de Saúde.
O que responder a este tipo de perguntas? Cordial mas assertivo: “Não faz parte do âmbito deste serviço e não temos estas respostas para lhe dar, por favor contacte outros serviço“. Em situações normais, estes enfermeiros seguem todos um algoritmo para cada sintoma que o paciente do outro lado da linha indica, mas para este tipo de casos “não há algoritmo possível”, comenta a enfermeira. “Custa-me responder a estas perguntas porque sei que não atendi alguém que realmente precisa de ajuda”, desabafa ao Observador.
E isto quando o sistema já por si não tem funcionado de forma perfeita. Essas deficiências são explicadas por esta enfermeira ouvida pelo Observador: “O sistema vai abaixo, as chamadas, caem, há cortes nas comunicações e deixamos de ouvir os clientes, o tempo de espera é seguramente, em algumas alturas do dia, superior a três horas“. Esta profissional de saúde acredita que o aumento das chamadas deveu-se, obviamente, ao aumento de casos de COVID-19 em Portugal mas também pelo facto da linha ter passado a ser gratuita.
E faz ainda outra ressalva: “A linha de Saúde 24 não foi criada somente por causa do coronavírus, esta linha recebe, como todos os dias até hoje recebeu, casos de pessoas que estão a ter um AVC, por exemplo”.
A Linha SNS 24 foi reforçada com mais 112 enfermeiros e capacidade para atender 1.200 chamadas em simultâneo, disse este sábado a secretária de Estado Adjunta e da Saúde, Jamila Madeira. Uma medida que foi tomada já depois de muitas das queixas registadas por quem acede ao serviço neste período de pandemia do novo coronavírus.