Quando o futebol parou, o Barcelona estava no topo da liga espanhola, com mais dois pontos do que o Real Madrid. Apesar da liderança, a atual temporada dos catalães estava longe de ser tranquila. Além das lesões de Suárez e Dembélé, do encaixe pouco conseguido de Griezmann, dos resultados irregulares e da vida difícil nos oitavos de final da Liga dos Campeões que escapa há cinco anos, a época do Barcelona estava a ser pautada principalmente por problemas internos fora dos relvados.

Luis Enrique foi despedido, numa decisão que esteve longe de agradar aos jogadores; Quique Setién foi o sucessor escolhido, uma opção surpreendente, dado que o treinador não tinha grande currículo, e que ainda não teve grandes resultados; Messi defendeu publicamente o plantel e entrou numa guerra de palavras com ex-colega de equipa e atual diretor desportivo Éric Abidal; e um alegado esquema da direção do clube, que pagava fortunas a uma empresa de gestão de redes sociais para melhorar a imagem dos executivos e denegrir a dos jogadores, foi tornado público. Pelo meio, os rumores de que Messi equaciona cada vez uma saída de Camp Nou foram surgindo de forma progressiva, continuada e em crescendo.

Barcelona pagou a empresa que gere “contas-fantasma” nas redes sociais que fez críticas a jogadores

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Com o futebol parado, e mesmo sem eventuais resultados menos conseguidos a atrapalhar, o Barcelona conseguiu criar um novo imbróglio interno que está longe de estar resolvido — e que pode trazer problemas com retroativos no futuro. Tal como muitos clubes em Espanha — clubes, sublinhe-se, com menor capacidade financeira do que o Barcelona –, o emblema espanhol decidiu apresentar um Processo de Regulação Temporal de Emprego, denominado no país como Expediente de Regulación Temporal de Empleo ou apenas pela sigla ERTE. Ou seja, 309 funcionários do clube passaram para o desemprego enquanto a respetiva função que desempenham está parada. 

Já com o ERTE decidido e anunciado, a direção do Barcelona partiu para conversações com a principal equipa de futebol com vista a obter um acordo de redução salarial — acordo esse que, numa primeira fase, foi recusado pelo plantel. Contudo, e depois de várias reuniões, os jogadores acabaram por anunciar o corte de 70% nos salários enquanto durar a atual situação, num comunicado colocado numa primeira instância pelo capitão, Messi, nas redes sociais (e seguido depois pelos restantes colegas). “Da nossa parte chegou o momento de anunciar que, para lá de redução em 70% do nosso salário durante o Estado de Emergência, vamos contribuir para que os empregados do clube possam manter a totalidade do seu salário enquanto dure esta situação”, lia-se na nota, ou seja, além de ficarem apenas com 30% do vencimento habitual, os jogadores dão ainda mais uma parte para que fique assegurado que outros funcionários do clube, que precisam mais, possam receber os salários a 100%.

Jogadores do Barcelona cortam 70% do salário. Mais até, porque vão dar mais uma parte para os funcionários terem 100%

Ainda assim, e quando tudo parecia correr de forma serena, os jogadores aproveitaram a ocasião para atirar uma farpa à Junta Diretiva. “Não deixa de nos surpreender que, a partir do clube, haja quem tente colocar-nos sob pressão para fazer algo que sempre quisemos fazer. Se demorámos mais foi porque estávamos a tentar encontrar a melhor fórmula para o fazer ajudando o clube e também os trabalhadores. Queremos deixar claro que a nossa vontade sempre foi reduzir o nosso salário, porque entendemos perfeitamente que se trata de uma situação excecional e somos os primeiro que sempre se prestaram a ajudar o clube sempre que nos pediram. Até o fizemos algumas vezes por iniciativa própria”, destacava o comunicado.

Ora, esta semana, para surpresa de poucos, o presidente Josep Maria Bartomeu protagonizou pessoalmente o novo capítulo da novela que se vive em Camp Nou. O líder catalão comunicou a dois dos seus vice-presidentes, Emili Rousaud e Enrique Tombas, e a dois vogais, Silvio Elías e Josep Pont, que já não contava com os seus serviços, convidando-os a pedir a demissão. Tendo em conta que os estatutos do Barcelona indicam que o presidente não pode expulsar diretamente membros da direção, Bartomeu limitou-se a garantir que seriam despromovidos caso escolhessem permanecer — numa óbvia manobra de pressão psicológica. Segundo o El Mundo, o presidente do Barcelona considera que os quatro elementos não foram leais na sequência das conversações com os jogadores para a redução salarial: isto porque todos criticaram a atuação de Bartomeu, que dizem não ter defendido os interesses do clube. Mas a explicação para a remodelação executiva no Barcelona começa antes disso.

Estalou a guerra civil no Barcelona: Abidal critica o plantel, Messi puxa dos galões de líder e defende os jogadores

Emili Rousaud, um dos vice-presidentes em questão e o nome que mais vezes está a ser sublinhado na comunicação social espanhol, chegou a Junta Diretiva no passado mês de janeiro para ser um dos principais braços direitos de Josep Maria Bartomeu. Tudo mudou na altura do escândalo das contas nas redes sociais para denegrir a imagem dos jogadores — um ponto de viragem que levou Rousaud a criticar internamente a gestão de Bartomeu, a encontrar outros aliados dentro do clube e a mostrar-se desagradado com a resposta institucional às notícias. Posto isto, segundo conta o El Mundo, vários elementos da direção juntaram-se para um jantar no final de fevereiro: um jantar que tinha o objetivo de forçar Bartomeu a convocar eleições antecipadas, já que o presidente está eleito para um mandato de seis anos que dura até 2021. Bartomeu recusou de imediato, garantiu que vai manter-se na liderança do clube até ao término do mandato e começou a organizar aquilo que os jornais espanhóis já apelidam de “caça às bruxas”.

Por agora, nenhum dos quatro nomes na berlinda pediu a demissão. Por agora, Josep Maria Bartomeu continua a garantir que vai permanecer no cargo de presidente e liderar o Barcelona até 2021, data das próximas eleições. Mas também por agora, e tal como explica uma fonte da direção catalã ao El Mundo, não há qualquer tipo de democracia na cúpula blaugrana. “Na direção há medo do Bartomeu. Ainda mais depois de tudo o que se passou. Se antes já poucos se atreviam a responder nas reuniões, agora ninguém vai dizer nada”, disse.