É uma corrida contra o tempo. Na sequência da pandemia provocada pela Covid-19, a indústria farmacêutica e os laboratórios de investigação trabalham sem parar para encontrar uma vacina. Por se tratar de um processo complexo e moroso, vários cientistas têm alertado para a possibilidade de a humanidade ter de aprender a conviver com esta ameaça viral durante os próximos tempos e adaptar-se a novas regras de vida em sociedade para evitar novas ondas de contágio. A maioria dos especialistas estima que serão necessários 12 a 18 meses para desenvolver e fabricar uma vacina. Muitos apontam abril do próximo ano como a melhor possibilidade para a sua existência.

No entanto, pelo facto de ser a “única ferramenta que permite o retorno do mundo a um sentimento de normalidade”, como assegurou o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ao “poupar milhões de vidas e milhares de milhões de dólares”, estão em marcha testes para mais de 70 potenciais vacinas e tratamentos para a Covid-19. Os dados são da Organização Mundial de Saúde. A maioria está em ensaios pré-clínicos mas, esta terça-feira, o ministro da Saúde do Reino Unido, Matt Hancock, anunciou que vai começar a testar uma vacina contra a Covid-19 em seres humanos já esta quinta-feira. O projeto é financiado pelo governo britânico e desenvolvido por cientistas da Universidade de Oxford, mas ainda “não há garantias” de vir a ser bem-sucedido, admitiu Hancock.

Eis o que já se sabe deste projeto, que vai ser o primeiro a avançar:

Quando é que começam os testes?

Os testes vão começar esta quinta-feira. A investigação é conduzida pela investigadora e professora de vacinologia, Sarah Gilbert, da Universidade de Oxford. Em entrevista à BBC, a cientista assegurou que a equipa responsável por este estudo tem experiência em ensaios semelhantes e por isso “não espera grandes surpresas”. Nesta fase, os cientistas ainda não começaram a imunizar ninguém. Mas já está concluído o processo de seleção dos voluntários, que incluiu a realização de análises clínicas e exames de saúde. Aos participantes foi-lhes referido alguns efeitos secundários, como febre ligeira ou inchaço no local da injeção, já verificados em outros ensaios.

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Esta terça-feira, o ministro da Saúde britânico, Matt Hancock, anunciou um investimento de mais de 20 milhões de libras (22 milhões de euros ) para esta pesquisa, que está a decorrer a uma velocidade sem precedentes — anos de trabalho estão a ser condensados ​​em meses.

Como é que se vai desenrolar o estudo clínico?

Na primeira fase do estudo da Universidade de Oxford, os testes vão abranger 500 voluntários entre os 18 e os 55 anos, sendo depois alargado a pessoas mais idosas. Os investigadores querem certificar-se de que esta vacina funciona nas pessoas com idade avançada porque são elas as mais vulneráveis ao vírus. Segundo Sarah Gilbert, isso é muito importante porque à medida que o sistema imunitário envelhece é “mais difícil proteger essa faixa etária”.

Neste ensaio clínico, metade dos voluntários vão receber a vacina para o novo coronavírus, enquanto que a outra metade receberá a vacina da meningite. “Nenhum dos grupos saberá qual a vacina que recebeu”, acrescenta a professora. A todos é-lhes pedido que façam a vida normal. À medida que as pessoas vão ficando infetadas com o novo coronavírus, serão sujeitas ao teste de despiste da Covid-19. Depois, quando um número suficiente de voluntários tiver sido infetado, caberá aos matemáticos e aos epidemiologistas verificar em que grupo é que essas pessoas estavam incluídas no ensaio clínico.

“O objetivo é que todos os infetados com a Covid-19 pertençam ao grupo da vacina da meningite”. Quando isso se verificar, explica Sarah Gilbert, é possível dizer que a vacina funciona.

Quando é que vão surgir os primeiros resultados?

A equipa de cientistas já está a delinear planos para produzir esta vacina em massa, mesmo antes de saber se vai funcionar. “Vamos arriscar a produção”, assegurou Sarah Gilbert à revista Lancet.

O melhor cenário é que, em setembro de 2020, tenhamos a capacidade de fabricar grandes quantidades da vacina”.

Porém, a investigadora admite ainda que este prazo possa falhar porque existem duas partes distintas do problema: uma é verificar se a vacina funciona (ou seja, se há menos contágios). Já a outra parte do problema reside no facto de ter capacidade para produzir milhões de doses até setembro, como é o objetivo.

Sarah Gilbert fala também na dificuldade que consiste fazer este teste clínico à medida que os contágios e as admissões nos hospitais vão diminuindo devido às medidas de contenção social. O que é positivo, mas prejudica a ciência.

Há garantias de que esta vacina funcione?

“Não se consegue ter a certeza absoluta se a vacina vai funcionar mas as perspetivas são boas. Por isso é que temos de fazer ensaios”, frisa Sarah Gilbert. A equipa de cientistas da Universidade de Oxford admite que “em tempos normais, testar uma vacina em seres humanos levaria anos”.

“O desenvolvimento de uma vacina é uma questão de tentativa e erro e tentativa novamente”. A grande questão é saber qual a taxa de sucesso da vacina experimental. Sarah Gilbert, líder da equipa, está otimista: “Tenho 80% de certeza de que vai funcionar. Esta é a minha opinião porque trabalhei nos ensaios com a vacina para o MERS [síndrome respiratório do Médio Oriente, identificado em 2012, que se espalhou por 26 países, infetando mais de 1.500 pessoas e causando mais de 800 mortes, um coronavírus parecido com o SARS-CoV2]”.

Se a vacina funcionar, quem é o dono da vacina?

A questão é complexa, segundo Sarah Gilbert. Em termos de propriedade intelectual, a vacina pertence à Universidade de Oxford e a uma subsidiária, criada pela própria universidade. Neste momento, ainda está em estudo o contexto jurídico em que será comercializada a vacina. A cientista, em entrevista à BBC, reconhece que o “objetivo não é financeiro”. O mais importante é que o medicamento chegue ao maior número possível de pessoas.

“A minha principal preocupação é que a vacina seja de uso geral e que apesar de ser uma vacina relativamente barata de produzir, que os custos de produção sejam cobertos”. Para isso, Gilbert solicita ao governo britânico que apoie financeiramente as empresas que vão deixar de produzir outras vacinas e medicamentos para passarem a produzir apenas a vacina para a Covid-19.

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Serão os britânicos os primeiros a receber a vacina?

A professora de vacinologia assegura que, para já, essa não é uma preocupação uma vez que o principal objetivo é produzir uma vacina que funcione.

A vacina terá de ser tomada todos os anos, como acontece com a vacina da gripe?

Este novo coronavírus, explica Sarah Gilbert, não tem uma “memória imunitária muito longa”. Mas como a equipa de Oxford está a utilizar o gene de outro coronavírus (o adenovírus) a expetativa é que a imunidade proporcionada por esta vacina seja mais longa. Mais longa até do que a autoimunidade.

“Desta forma, se um número suficiente de pessoas se tornar imune, o novo coronavírus já não seria capaz de se espalhar de forma tão eficaz e as medidas de distanciamento social não seriam necessárias”, admite a investigadora.

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Há mais vacinas a ser desenvolvidas?

De acordo com a Organização Mundial de Saúde existem 70 vacinas contra o novo coronavírus a serem desenvolvidas em todo o mundo, com três delas já em fase avançada, uma vez que estão já a ser testadas em seres humanos. Numa altura em que várias empresas farmacêuticas lutam para tentar chegar a uma vacina que resulte no combate ao novo coronavírus, a que está numa fase mais avançada parece ser a CanSino Biologics, de Hong Kong. As outras duas que estão já a ser testadas em seres humanos pertencem às norte-americanas Moderna e Inovio Pharmaceuticals, segundo um documento divulgado pela OMS.

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