Uma equipa do Instituto de Investigação e Inovação em Saúde (i3S), no Porto, descobriu o mecanismo que permite às células detetar e corrigir erros e que poderá vir a auxiliar na estratificação de terapias para diferentes tipos de cancro.
O estudo, publicado na revista ‘Journal of Cell Biology’ e que mereceu “destaque” na revista ‘Science’, permitiu descobrir que os microtúbulos [estruturas celulares] comunicam às células quando “é preciso corrigir erros”.
Em declarações à Lusa, Helder Maiato, investigador do instituto da Universidade do Porto, explicou esta quarta-feira que apesar de existirem suspeitas de que estas estruturas celulares “não eram todas iguais”, desconhecia-se o porquê.
“Havia indicações há mais de 40 anos de que os microtúbulos não eram todos iguais, mas não se sabia para que é que estas diferenças serviam. De há uns anos para cá, começou-se a perceber que estas diferenças nos microtúbulos funcionariam como uma espécie de código”, adiantou.
Resultado de mais de cinco anos de trabalho, o estudo permitiu descobrir que os microtúbulos, até então considerados elementos passivos no processo, são “uma espécie de estrada celular” e que indicam às células o “caminho seguir”, ou seja, indicam onde estão “os erros”.
“Quando as coisas estão bem feitas, os microtúbulos ficam de uma determinada forma. No entanto, na presença de erros, adquirem uma composição ligeiramente diferente, o que é detetado pelo mecanismo de correção de erros das células, permitindo-lhes discriminar onde estão os erros”, esclareceu Helder Maiato, que é também professor na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP).
Os microtúbulos assumem ainda um importante papel na divisão celular, uma vez que são “as cordas que puxam os cromossomas”, no entanto, neste “momento delicado da vida da célula” podem ocorrer vários erros na segregação dos cromossomas.
“A grande maioria dos cancros humanos têm alterações de cromossomas que ocorrem no momento da divisão celular. As células têm mecanismos de correção de erros, sendo que quando está a correr tudo bem, esse mecanismo assegura que as células filhas recebem o mesmo número de cromossomas (23 pares), mas quando não está a funcionar bem, como é o caso dos cancros humanos, esse mecanismo contribui para que as células de determinado tipo de cancro ganhem vantagem”, explicou.
Segundo Helder Maiato, o estudo, além de contribuir para “perceber como ocorre todo o processo”, permitirá futuramente auxiliar na estratificação de terapias para diferentes tipos de cancros.
“Muitos dos fármacos usados atualmente em quimioterapia têm como alvo estes microtúbulos e alteram a sua dinâmica, o que é curioso porque quando alteramos a dinâmica destes microtúbulos alteramos também o código e, sabendo como é que o mecanismo de deteção de erros da célula responde a este código, vamos saber como é que nas terapias alteramos o código para ter um fim útil”, avançou o investigador.
À Lusa, Helder Maiato adiantou ainda que a equipa de investigação já submeteu a candidatura de um projeto à Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) para perceber se “o código está ou não alterado nos diferentes tipos de cancros”.
“Vamos agora investigar como é que este código está em vários tipos de cancro, que tipo de alterações é que ele sofre e que implicações as diferentes alterações do código têm para as propriedades dos cancros”, concluiu.