O ministério da Saúde comprou por ajuste direto vários milhões em proteções individuais contra a Covid-19, incluindo máscaras e álcool-gel. Fê-lo sem assinar contrato escrito com os fornecedores, escreve esta terça-feira o Correio da Manhã.

Em causa estão 17 aquisições superiores a um milhão de euros feitas a sete empresas do sector têxtil e farmacêutico, entre meados de março e o dia 23 de abril. As aquisições feitas por ajuste direito ascenderam a 79,8 milhões de euros, segundo a consulta feita ao Portal dos Contratos Públicos (PCP).

Os contratos foram feitos com as seguintes empresas:

  • GLSMED TRADE (do Grupo Luz Saúde), sete contratos por mais de 33 milhões;
  •  FHC – Farmacêutica, três contratos por mais de 13,72 milhões de euros;
  •  Modalfa — Comércio e Serviços (do Grupo Sonae), três contratos por mais de 11 milhões de euros;
  •  Quilaban, um contrato por mais de 9 milhões de euros;
  • Clothe-Up Desenvolvimento Têxtil Unipessoal, um contrato por quase 7,82 milhões de euros;
  •  Pergut Portugal, um contrato por 3,5 milhões de euros;
  • Fapomed – Dispositivos Médicos, um contrato por quase 1,59 milhões de euros.

O jornal adianta que nenhum contrato de aquisição referente aos negócios acima mencionados foi publicado no PCP. A Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) afirma que a “urgência imperiosa” das compras justifica a falta de contrato escrito, alegando que é suficiente “o caderno de encargos e a proposta do adjudicatário”, documentos onde constam “as obrigações e os direitos dos contraentes, salvaguardando as posições das partes, designadamente das entidades do Ministério da Saúde”. Também estes documentos não se encontram no PCP.

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Ajustes diretos para compra de máscaras e gel: “Absoluta falta de transparência”

Em declarações à Rádio Observador, o presidente da Associação Transparência e Integridade, João Paulo Batalha, diz que este é um caso de “absoluta falta de transparência”. “Aliás, da ausência completa de transparência usando aqui a mãe de todas as lacunas que é fazer contratos sem o contrato estar escrito e depois não publicar rigorosamente nada porque não há contrato escrito”, acrescentou.

“Nos casos em que não há contrato escrito deviam-se publicar o caderno de encargos e os outros elementos para se ter uma mínima capacidade de perceber quem anda a comprar o quê, em que condições e a que preço”, esclareceu ainda João Paulo Batalha. “Há aqui outra questão que o Governo devia explicar melhor do que explicou que é o facto de ter feito este decreto-lei no dia 23 de abril, quando já estávamos prestes a sair do Estado de Emergência, que não só aligeira ainda mais as regras de contratação pública face ao regime de exceção que já existia, como para algumas entidades do ministério da Saúde praticamente suprime as regras de contratação pública, o que pode ser justificado, mas é preciso que o Governo explique o que é que não conseguiu comprar e fazer com as regras anteriormente aligeiradas.”

Referindo-se à justificação dada pela SPMS, João Paula Batalha refere que isso pode justificar a falta de concurso público e até de contrato escrito, mas não o facto de “não haver rigorosamente nada disponível que permita o mínimo de escrutínio”. Afirmando que o Governo está a “patinar nas obrigações de transparência”, assegura que “isto tem um potencial gigantesco para correr mal em termos de despesa pública pouco eficiente e pouco produtiva, e, no limite, de favorecer determinadas empresas.”

No decreto-lei n.º 18/20, de 23 de abril, lê-se que “pode ser, excecionalmente, adotado, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental, o regime do procedimento de ajuste direto simplificado previsto no artigo 128.º do Código dos Contratos Públicos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de janeiro, na sua redação atual, para a celebração de contratos cujo objeto consista na aquisição de equipamentos, bens e serviços necessários à prevenção, contenção, mitigação e tratamento de infeção por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19”.