O epidemiologista que ajudou o governo de Boris Johnson a afinar as medidas de confinamento no combate à Covid-19, Neil Ferguson, demitiu-se do cargo de conselheiro público sobre a epidemia. O motivo? O facto de ter sido apanhado num escândalo, noticiado pelo Daily Telegraph, ao receber visitas de uma mulher casada com quem estava envolvido, apesar de estar em isolamento social — tendo ele próprio estado doente com Covid-19 e entretanto recuperado.

Ferguson, a quem os jornais ingleses atribuíram alcunha de “Professor Lockdown [Professor Confinamento]”, ganhou protagonismo enquanto responsável máximo de um grupo de cientistas da Imperial College London, cujas projeções matemáticas sobre o número possível de mortes provocadas pela Covid-19 no Reino Unido levaram Boris Johnson a voltar atrás na estratégia conhecida como herd immunity (imunização de grupo) e a declarar o confinamento obrigatório para não sobrecarregar o serviço nacional de saúde britânico.

Agora sabe-se que, durante o seu próprio confinamento, Ferguson recebeu várias visitas de Antonia Staats, uma ativista casada (alegadamente numa relação aberta com o marido) com quem Ferguson estará envolvido. O comportamento é de risco e contrário às recomendações do governo britânico, que o próprio Ferguson ajudou a modelar, já que não respeita o isolamento obrigatório a que Ferguson estava sujeito.

Mas, para além disso, a própria Staats terá confessado a amigos que suspeitava que o seu marido, com quem vive numa casa (juntamente com os filhos do casal), tinha tido sintomas que poderiam corresponder a uma infeção de Covid-19. Contudo, não se mostrou preocupada com a sua decisão em visitar Ferguson, pois considera, de acordo com as mesma fontes, que a casa que partilha com o marido e aquela em que vive o cientista da Imperial College fazem ambas parte do seu domicílio — afirmando, por isso, que a decisão não é “hipócrita”.

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Ferguson, que já anunciou a renúncia ao cargo de consultor no Grupo de Aconselhamento Consultivo para Emergências (SAGE, em inglês), classificou as suas ações como um “erro de avaliação”. “Lamento profundamente se as minhas ações minaram as mensagens claras do governo em relação à necessidade contínua de distanciamento social para controlar esta epidemia devastadora. Essa orientação é inequívoca e existe para nos proteger a todos”, escreveu Ferguson, de 51 anos.

As visitas desrespeitaram claramente a mensagem “Fique em casa, Salve vidas” que Neil Ferguson e o governo tinham vindo a repetir. A 24 de março, quando questionada sobre as famílias que vivem em casas separadas — e se, nesses casos, as visitas seriam autorizadas — a vice-diretora-geral da Saúde, Jenny Harries, foi clara: “Se as duas metades de um casal estão, atualmente, a viver em famílias separadas, o ideal é que permaneçam assim. É também uma forma de testarem o seu relacionamento”, concluiu.

A atuação de Ferguson foi duramente criticada por alguns responsáveis políticos, incluindo Iain Duncan Smith, ex-líder do Partido Conservador: “Os cientistas como ele disseram-nos que não devíamos fazê-lo [quebrar o isolamento], portanto neste caso é um caso claro de ‘faz o que eu digo, não faças o que eu faço’“, afirmou. “Ele quebrou as suas próprias orientações e parece-me difícil de acreditar que um homem inteligente como ele tenha feito isso.”

(Artigo editado às 9h do dia 6 de maio para clarificar que Ferguson se encontrou com uma mulher casada com quem mantinha um relacionamento e para corrigir o seu cargo: o cientista era conselheiro público do SAGE, mas não é médico)