O Presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, diz que o polémico vídeo de uma reunião ministerial divulgado na sexta-feira não mostra qualquer tipo de interferência presidencial na Polícia Federal, enquanto o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro (que se demitiu dois dias depois da reunião a que o vídeo diz respeito), assegura que as imagens são a prova definitiva da tentativa de Bolsonaro de interferir na gestão da Polícia Federal do Brasil.
A controvérsia estalou na noite de sexta-feira, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro divulgou publicamente um vídeo de uma reunião do Governo do Brasil que decorreu em abril. Na gravação, é possível ver o Presidente Jair Bolsonaro assegurar que pretende interferir na Polícia Federal — polémica que levaria, depois, à demissão do ministro da Justiça, Sergio Moro.
“É uma vergonha. Eu não sou informado e não dá para trabalhar assim. Por isso, vou interferir. Ponto final”, diz Bolsonaro, segundo a gravação. “Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f. minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira.”
O ministro da Justiça Sergio Moro, que era um dos principais homens fortes do Presidente brasileiro, demitiu-se no final de abril em protesto contra Jair Bolsonaro, acusando-o de “interferência” na Polícia Federal e de querer aceder a relatórios de investigações. “Nem na Lava-Jato isto aconteceu”, disse na altura Moro.
Depois da divulgação do vídeo comprometedor que está a dominar a agenda mediática no Brasil, Jair Bolsonaro multiplicou-se em reações para negar qualquer tipo de interferência. Logo na sequência das notícias, Bolsonaro recorreu ao Facebook para reagir. “Mais uma farsa desmontada”, escreveu num breve comentário a um excerto do vídeo. “Nenhum indício de interferência na Polícia Federal”, acrescentou, antes de citar um frase bíblica, retirada do Evangelho de São João: “Conhecereis a verdade e verdade vos libertará”.
Sergio Moro demite-se em protesto contra Jair Bolsonaro, que fica agora mais isolado do que nunca
Numa entrevista a uma rádio brasileira, citada pelo portal G1, Bolsonaro argumentou que se referia apenas à sua segurança pessoal e não à interferência nos destinos da Polícia Federal. “Já que resolveu divulgar a fita como um todo, logicamente que é uma reunião que conheço há quase um ano e meio os ministros, e tenho a liberdade de falar com o coração o que sinto e o que estou vendo”, afirmou Bolsonaro.
Depois, ao fim do dia, repetiu a argumentação em declarações aos jornalistas à entrada do Palácio da Alvorada (residência oficial do Presidente brasileiro). “Mais uma farsa caiu. Não existiu um segundo em que possa alguém suspeitar que eu interferi na PF”, afirmou Bolsonaro. “Qual parte do vídeo contém a mínima comprovação que houve interferência minha na Superintendência do Rio? Ou de qualquer outro estado? Ou na diretoria-geral da PF? Zero. Não tem nada. Isso é um tiro n’água, sequer um tiro de festim, um traque.”
Sergio Moro: “A verdade foi exposta”
Quem olhou para o vídeo de forma bem diferente foi o ex-ministro Sergio Moro, que se viria a demitir dois dias depois da reunião ali retratada precisamente devido à interferência de Bolsonaro na Polícia Federal. “A verdade foi dita, exposta em vídeo, mensagens, depoimentos e comprovada com fatos posteriores, como a demissão do Diretor Geral da PF e a troca na superintendência do Rio de Janeiro. Quanto a outros temas exibidos no vídeo, cada um pode fazer a sua avaliação”, escreveu Sergio Moro no Twitter.
A verdade foi dita, exposta em vídeo, mensagens, depoimentos e comprovada com fatos posteriores, como a demissão do DIretor Geral da PF e a troca na superintendência do RJ. Quanto a outros temas exibidos no vídeo, cada um pode fazer a sua avaliação.
— Sergio Moro (@SF_Moro) May 22, 2020
O ex-ministro publicou ainda um excerto das declarações de Jair Bolsonaro em que o Presidente brasileiro acusa Sergio Moro de não o defender da “tensão” em que vivia a família de Bolsonaro com a possibilidade de buscas às casas dos seus filhos. “É obrigação dele me defender”, atirou Bolsonaro. Os filhos de Jair Bolsonaro têm estado na mira da Justiça brasileira, por exemplo, em casos de disseminação de fake news e de corrupção.
Mas Sergio Moro ripostou: “Não cabe também ao Ministro da Justiça obstruir investigações da Justiça Estadual, ainda que envolvam supostos crimes dos filhos do Presidente. As únicas buscas da Justiça Estadual que conheço deram-se sobre um filho e um amigo em dezembro de 2019 e não cabia a mim impedir”.
Entretanto, o vídeo da reunião ministerial tem sido detalhadamente analisado pela imprensa brasileira. Este sábado, o portal G1 identifica um pormenor que contribui para o aperto do cerco a Bolsonaro e desafia a tese de que se referia à sua segurança pessoal e não à Polícia Federal: no momento em que o Presidente diz que vai “interferir”, olha para o seu lado esquerdo, precisamente para onde está sentado o ainda ministro Sergio Moro.