Estão a ser levantadas dúvidas sobre a veracidade do estudo sobre a hidroxicloroquina que acabou por levar a Organização Mundial de Saúde a parar os ensaios clínicos com este fármaco. A investigação, publicada na revista científica The Lancet, indicava que as pessoas infetadas com Covid-19 que recebiam este medicamento, originalmente usado para tratar a malária, tinham uma taxa de mortalidade maior e estavam a ter mais complicações cardíacas do que os outros doentes infetados que não o recebiam.

O estudo, publicado na passada sexta-feira, analisava a informação de 15 mil pessoas com Covid-19 que receberam a hidroxicloroquina e comparava-a com a de 81 mil pessoas que não foram tratadas com o medicamento. As conclusões do estudo levaram investigadores de todo o mundo a reavaliar as próprias investigações com este fármaco e a OMS acabou mesmo por parar os próprios ensaios clínicos devido a preocupações com a eficácia e a segurança — isto depois de vários países terem acumulado milhões de doses, caso os estudos acabassem por provar que a hidroxicloroquina era mesmo eficaz na luta contra a Covid-19.

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A investigação, liderada pelo Centro Hospitalar Brigham para a Doença Cardíaca Avançada, em Boston, examinou pacientes em hospitais um pouco por todo o mundo e referia que usou informação de cinco hospitais australianos — acrescentando que, à data, a Austrália tinha 600 casos e 73 vítimas mortais. Ora, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, a 21 de abril, último dia do período analisado pelos investigadores, o país tinha apenas 67 mortes. Além disso, e segundo o The Guardian, o Departamento Federal de Saúde australiano garante que as autoridades de saúde do país não foram a fonte da investigação.

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Também ao jornal inglês, Allen Cheng, um dos especialistas australianos que está a colocar o estudo em causa, garantiu que nunca tinha ouvido falar da Surgisphere, a empresa que alegadamente terá fornecido os dados à investigação, e que ninguém do hospital onde trabalha deu qualquer informação aos investigadores. “Se eles erraram no número de mortes, em que mais podem ter errado?”, questiona Cheng, que acrescenta que outro “sinal de alarme” foi o facto de o estudo contar apenas com quatro autores. “Normalmente, nestes estudos com milhares de pacientes, vemos uma longa lista de autores. São necessárias muitas pessoas para angariar e analisar os dados nestes estudos grandes e normalmente vemos isso mesmo representado na lista de autores”, indica.

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Além dos investigadores australianos, também outras universidades levantaram dúvidas sobre o modelo estatístico do estudo publicado na revista Lancet, incluindo a Universidade de Columbia, nos Estados Unidos.

Entretanto, o virologista Didier Raoult, o grande defensor do uso da hidroxicloroquina em França, (que na quarta-feira, tal como o Panamá, suspendeu o tratamento da Covid-19 com este medicamento) também já reagiu à investigação desfavorável. No Twitter, defendeu que “dados de cinco continentes diferentes não podem ser tão homogéneos” e que a justificação é “manipulação de dados” ou “incorporação de dados falsos”.

Apesar das dúvidas sobre a veracidade desta investigação, os especialistas australianos recordam que nada disto prova que a hidroxicloroquina é segura ou eficaz a tratar a Covid-19, já que ainda nenhum estudo o confirmou.