Não é, para já, uma proibição, mas antes uma recomendação. “O Infarmed recomenda, por questões de segurança, que não deve ser usada a hidroxicloroquina e a cloroquina até ao pleno esclarecimento dos resultados dos diversos estudos publicados quanto aos potenciais benefícios e aos seus riscos“, afirmou António Faria Vaz, vice-presidente do Infarmed, aos microfones da Antena 1. “Até lá, não é recomendável a sua utilização em doentes com infeção Covid-19”, acrescentou.
O Observador contactou a autoridade nacional do medicamento para confirmar esta decisão, e o comunicado acabou por ser emitido horas mais tarde, anunciando que Infarmed e Direção-Geral da Saúde decidiram recomendar a suspensão do tratamento com hidroxicloroquina em doentes com Covid-19.
“Esta decisão está em linha com a decisão da Organização Mundial de Saúde (OMS), na sequência da publicação de dados que questionam a segurança e a eficácia deste medicamento. Esta recomendação será revista à luz da revisão do Comité de Monitorização da Segurança da OMS prevista para o mês de junho”, lê-se no documento enviado às redações. A recomendação só diz respeito ao uso na Covid-19. “Os doentes que estavam a ser tratados com hidroxicloroquina para outras patologias, doenças autoimunes como lúpus eritematoso sistémico, artrite reumatoide e malária, para as quais estas moléculas estão aprovadas, não devem interromper o seu tratamento, que nestas situações se mantém seguro, desde que devidamente acompanhado pelo médico assistente”, lê-se na nota.
Atualmente, existem ensaios clínicos a decorrer para perceber se o fármaco pode ou não ajudar a prevenir a infeção por SARS-CoV-2, mas não há conclusões científicas sólidas. Apesar disso, vários países têm usado estes dois medicamentos, usados para combater a malária, no tratamento de doentes com Covid-19. Portugal é um deles e tanto o Infarmed como a Direção-Geral da Saúde (DGS) incluíram estes fármacos nas opções terapêuticas.
Donald Trump, presidente dos EUA, chegou a anunciar que estava a tomar hidroxicloroquina como medida preventiva para evitar ser infetado pelo novo coronavírus.
Com esta decisão, o Infarmed opta por fazer uma recomendação em vez de proibir o uso dos antimaláricos como aconteceu em França, Itália ou Bélgica.
Também esta quinta-feira, antes das declarações de Faria Vaz, a diretora-geral de Saúde afirmou que o Infarmed e a Agência Europeia do Medicamento têm estado a acompanhar a situação. “Estamos a avaliar em que estatuto vai ficar no nosso país. Será emitida uma recomendação em muito breve prazo”, disse Graça Freitas, durante o briefing diário de balanço da pandemia.
Um estudo que sugere que a hidroxicloroquina e a cloroquina podem aumentar o risco de morte e de arritmias em doentes com Covid-19 foi publicado a semana passada, a 22 de maio, na revista médica britânica The Lancet.
O estudo acompanhou 14.888 doentes hospitalizados com Covid-19 que foram tratados com um ou com ambos os medicamentos para a malária. No grupo de controlo, 81.144 doentes que não receberam tratamento com antimaláricos, um em cada 11 morreu no hospital. Em contrapartida, em média, quase um em cada seis doentes medicados com um dos antimaláricos morreu.
Apesar dos dados, os autores do estudo ressalvam que poderá haver outros fatores, não avaliados, na origem da possível ligação entre o tratamento de doentes com Covid-19 com medicamentos para a malária e uma diminuição da sua sobrevivência.
Covid-19. Estudo sugere que hidroxicloroquina (que Trump está a tomar) pode aumentar risco de morte
Depois de conhecido o estudo, liderado pelo Centro Hospitalar Brigham para a Doença Cardíaca Avançada, em Boston, a Organização Mundial de Saúde suspendeu temporariamente os ensaios clínicos com hidroxicloroquina.
Em causa está o estudo clínico “Solidarity Trial”, uma iniciativa da OMS para comparar tratamentos não testados em doentes mais graves da Covid-19. A pausa nos testes permanece até os dados sejam “revistos”, afirmou Tedros Adhanom Ghebreyesus, o diretor-geral da organização.
"The Executive Group of the Solidarity Trial, representing 10 of the participating countries, met on Saturday and has agreed to review a comprehensive analysis and critical appraisal of all evidence available globally"-@DrTedros #COVID19
— World Health Organization (WHO) (@WHO) May 25, 2020
Entretanto, o estudo está a ser desacreditado e a serem levantadas muitas questões sobre a sua veracidade. Depois de vários países terem acumulado milhões de doses dos medicamentos, agora postos de lado porque o estudo publicado na Lancet levou muitos investigadores a reavaliarem as próprias investigações com este fármaco, surge nova dúvida.
Entre outros exemplos, o Departamento Federal de Saúde australiano garante que as autoridades de saúde do país não foram a fonte da investigação e os números de óbitos apontados para aquele país estão errados. O estudo aponta para 73 quando, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, a 21 de abril, último dia do período analisado pelos investigadores, o país tinha 67 mortes.
“Se eles erraram no número de mortes, em que mais podem ter errado?”, questiona Allen Cheng, um dos especialistas australianos que está a colocar o estudo em causa. Outro “sinal de alarme” foi o facto ter apenas quatro autores. “Normalmente, nestes estudos com milhares de pacientes, vemos uma longa lista de autores. São necessárias muitas pessoas para angariar e analisar os dados nestes estudos grandes e normalmente vemos isso mesmo representado na lista de autores.”
Também o virologista Didier Raoult, grande defensor do uso da hidroxicloroquina em França, escreveu no Twitter que “dados de cinco continentes não podem ser tão homogéneos”.
A justificação? “Manipulação de dados” ou “dados falsos”.
About the paper published in The Lancet: data coming from five different continents cannot be so homogeneous. There is either data manipulation (not mentionned in Material and Methodes), or incorporation of faked data. pic.twitter.com/Oda45XA9B5
— Didier Raoult (@raoult_didier) May 26, 2020