O diretor do Programa Nacional de Saúde Mental defendeu esta quinta-feira que a reposta aos problemas de saúde mental da população não depende apenas dos serviços de saúde, mas também de uma intervenção a nível político e social.
“Há uma parte importante da melhoria da saúde mental de uma população que não tem a ver com os serviços, mas com aquilo que se pode fazer antes dos serviços em promoção da saúde mental e em prevenção das doenças e isso são decisões de natureza política importantes que têm a ver com o estado político e económico do país”, afirmou Miguel Xavier em entrevista à agência Lusa.
O psiquiatra advertiu que situações de pobreza, de exclusão, de desemprego de longa duração ou de precariedade “não são resolúveis pelos serviços, mas têm uma influência enorme sobre a vulnerabilidade ao sofrimento psicológico e ao aparecimento de doenças psiquiátricas”.
Há fatores que a pandemia trouxe que são absolutamente cruciais como fatores de risco no aparecimento de patologia psiquiátrica, nomeadamente o problema económico que isto vai acarretar””, salientou.
Apesar de ser uma situação que não se consegue prever, porque “não se sabe quando vai ser encontrada uma vacina ou um tratamento, temos de nos preparar para o impacto que isto vai ter na saúde mental das pessoas, a nível do trabalho, do desemprego, que vai ser enorme”.
Portanto, reiterou, “uma sociedade não pode esperar que os serviços, sejam os de psiquiatria, sejam os de cuidados de saúde primários, respondam a todas as necessidades, nunca vão poder fazer isso, a base da pirâmide tem de ser respondida a nível da própria comunidade e a nível político”.
Quanto maior forem as medidas para ajudar as pessoas nas suas dificuldades no dia-a-dia, melhor a contribuição para uma boa saúde mental”, defendeu.
Sobre as consequências da pandemia de Covid-19 na população, Miguel Xavier disse que “não é preciso dramatizar”, explicando que “a maior parte do sofrimento psicológico que as pessoas têm tido nestes primeiros meses é autolimitado e na maior parte das pessoas vai desaparecer”.
Nas situações de catástrofe, de emergência, existe uma evolução que é muito habitual (…). Numa primeira fase existe uma quantidade muito grande de sintomas espalhados pela população de natureza ansiosa, depressiva, problemas de sono, mas que ao fim de algum tempo, vão diminuindo, às vezes abruptamente, porque as pessoas vão-se habituando”, explicou.
Contudo, advertiu, há um conjunto de pessoas no qual esse sofrimento psicológico não vai desaparecer e sobre o qual é preciso “estar muito alerta”, nomeadamente pessoas com fatores de risco acrescido, como o desemprego.
“Uma coisa é termos sofrimento psicológico em que temos sintomas depressivos, ansiosos, etc, e a pandemia fez isso numa quantidade muito grande de gente, outra coisa é que esses sintomas se mantenham e se organizem de forma a que ao longo do tempo fiquem mais crónicos e constituam verdadeiras doenças psiquiátricas”, sublinhou.
Existe ainda “um grupo especialmente vulnerável para o qual é preciso estar muitíssimo atento”, que são as pessoas que já tinham perturbações psiquiátricas e que vão ter um impacto acrescido por causa da pandemia.
Miguel Xavier destacou ainda o “ótimo trabalho” que a sociedade tem feito, nomeadamente a criação de linhas de apoio psicológico para a população e para os profissionais de saúde, afirmando que “nunca tinha visto uma resposta assim”.
Na crise da ‘Troika’, recordou, “o impacto sobre a saúde mental foi enorme e nós não assistimos a esta resposta tão grande da sociedade como assistimos desta vez. Portanto, eu acho que, apesar de tudo, a sociedade civil portuguesa respondeu muitíssimo bem”.
Destacou também o facto de os assuntos da saúde mental terem vindo para as primeiras páginas: “não há semana nenhuma em que não haja vários artigos em jornais, na televisão, sobre saúde mental. Isto é ótimo para se começar a desmistificar a questão da saúde mental, para baixar o estigma”.
“Quando nós pensamos em saúde mental, pensamos em algo que esteve durante décadas escondido atrás de muros e que nós percebemos agora que faz parte da nossa vida a todos os níveis” e ter essa perceção “é a primeira arma para lutar contra o estigma”, defendeu.