Nos últimos 20 anos, 100 milhões de crianças foram retiradas do circuito do trabalho infantil, mas a pandemia da Covid-19 veio pôr em risco essa conquista. “Como a pandemia causa estragos no rendimento familiar, sem apoio, muitas famílias podem recorrer ao trabalho infantil”, afirmou o diretor-geral da OIT, Guy Ryder, a propósito do relatório conjunto da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF).

O estudo enviado ao Observador — “COVID-19: Proteger as crianças do trabalho infantil, agora mais que nunca!” — é divulgado na data em que se celebra o dia mundial contra o trabalho infantil e recorre ao que foi feito desde 2000 para alertar para os riscos trazidos pela atual situação pandémica. E isto porque, desde 2000, o número de 246 milhões de crianças exploradas pelo trabalho infantil baixou para os 152 milhões (os dados mais recentes são de 2016) e o receio destas entidades é que agora essa tendência de descida possa ser revertida, comprometendo a meta de se acabar com o trabalho infantil até ao final do próximo ano.

“Muitas crianças em situação de trabalho infantil encontram-se agora em grande risco de ingressar em formas de trabalho mais ocultas, perigosas ou de trabalhar longas horas. A crise pode também empurrar milhões de crianças vulneráveis para o trabalho infantil tendo estas de contribuir para o rendimento familiar numa idade ainda muito jovem”, antevê-se no relatório. E o risco é tanto maior quanto mais vulnerável é a população em causa. Exemplo? “As meninas estão em situação de particular risco de virem a assumir ainda mais trabalho doméstico ou de prestação de cuidados, e, provavelmente, estão mais expostas a acidentes e a abusos físicos ou sexuais”.

Aliás, a lógica da vulnerabilidade social expor as crianças a um risco ainda maior de serem exploradas em termos laborais numa situação de crise, atravessa as conclusões apresentadas. “A desigualdade, a exclusão social e a discriminação, intensificadas pelas crises, tornam a situação ainda pior”, escrevem OIT e UNICEF. No foco está sobretudo quem trabalha na “economia informal e trabalhadores e trabalhadoras migrantes”, já que “são os que mais sofrerão com a recessão económica, com o aumento da informalidade e do desemprego, queda nos níveis de vida, impactos na saúde e sistemas de proteção social insuficientes, entre outras pressões”.

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E um dos exemplos avançado como significativo para o avolumar deste risco é o encerramento das escolas, que as organizações estimam que “afetou mais de 90% do total de alunos matriculados ou cerca de 1,6 mil milhões de estudantes em todo o mundo. Com “quase metade do mundo sem acesso à internet”, o ensino à distância veio “deixar ainda mais para trás muitos alunos”. Por isso mesmo, o estudo alerta para o facto de este encerramento “suscita muitas preocupações em relação à vulnerabilidade” das crianças, que podem ser levadas a abandonar a escola antes da idade legal, para entrarem no mercado de trabalho. E que mesmo as que ainda não têm idade legar para trabalhar vão tender a procurar empregos, sobretudo atividades “informais e domésticas onde enfrentam riscos graves”.

Assim, as duas organizações recomendam um reforço da proteção social. “A proteção social é vital em tempos de crise, pois fornece assistência às pessoas mais vulneráveis”, afirma Guy Ryder. “A integração das preocupações sobre o trabalho infantil em políticas mais amplas de educação, proteção social, justiça, mercado de trabalho e dos direitos humanos e do trabalho internacionais pode ter uma importância crucial”, argumenta no comunicado enviado à comunicação social.

As medidas, argumentam no estudo, podem ir desde o alargamento de programas para reforçar os rendimentos dos mais vulneráveis, “aos apoios na área da saúde, emprego e segurança alimentar”. “Uma estratégia de longo prazo” para “fortalecer o sistema social” em cada um dos países.  “São necessárias medidas para proteger as empresas, especialmente as pequenas e médias empresas, e os trabalhadores e trabalhadoras contra as perdas imediatas de empregos e de rendimentos”, advertem OIT e UNICEF.