Há uns dias, com o entusiasmo habitual e compreensível dos 22 anos que tem, Marcus Rashford escreveu uma publicação no Twitter com várias palavras em letras maiúsculas. O tema que motivava o entusiasmo habitual e compreensível, ainda assim, estava bem para lá das preocupações normais de um jogador de futebol de 22 anos que atua num dos maiores clubes do mundo.

“Malta, tenho notícias FANTÁSTICAS!! Tínhamos o objetivo de, até ao final de junho, a FareShare ser capaz de oferecer três milhões de refeições a pessoas vulneráveis no Reino Unido. HOJE conseguimos atingir o objetivo financeiro para oferecer essas refeições. MUITO obrigado a todos pelo apoio. E enquanto estou a celebrar isto, ainda há TANTO para fazer. Confiem em mim quando digo que vou continuar a lutar até que nenhuma criança no Reino Unido tenha de pensar de onde é que vem a próxima refeição. Isto é Inglaterra em 2020 e estas famílias precisam de ajuda”, escreveu o avançado do Manchester United. Rashford falava então da campanha que protagonizou, em conjunto com a instituição de solidariedade FareShare, onde se comprometeu a angariar fundos para oferecer refeições às famílias cujas crianças ficaram sem alimentação garantida com o encerramento das escolas devido à pandemia de Covid-19.

O internacional inglês começou por recordar o primeiro golo que marcou com a seleção inglesa

Rashford fez campanha com a FareShare, angariou dinheiro, fez uma doação em nome próprio. Mas esta segunda-feira, do alto dos seus 22 anos, chegou ainda mais longe. Numa carta de duas páginas enviada aos membros do Parlamento inglês, o avançado pegou numa recordação e na história da própria família para pedir apoio na luta contra a pobreza instituída em algumas camadas da sociedade do país. “Na semana em que o Euro 2020 deveria ter começado, queria recordar o dia 27 de maio de 2016, quando parei no meio do Stadium of Light em Sunderland, acabado de quebrar o recorde de jogador mais novo a marcar na estreia na seleção (…) Entendam: sem a bondade e a generosidade da comunidade que tive à minha volta, não existia o Marcus Rashford que vêem hoje. Um homem negro de 22 anos com sorte suficiente para poder construir uma carreira a jogar o jogo que ama”, começa por dizer o jovem do Manchester United na carta, publicada entretanto pelo The Guardian.

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O objetivo da carta de Rashford é explícito: apelar aos membros do Parlamento inglês que reconsiderem a decisão de interromper o sistema de vouchers de refeições durante o período de férias escolares de verão, deixando milhares de crianças sem esse apoio nos próximos meses. “Isto não é sobre política, é sobre humanidade. É sobre olharmos para nós no espelho e sentirmos que fizemos tudo o que podíamos para proteger aqueles que, por qualquer razão ou circunstância, não podem proteger-se a eles próprios. Lados políticos à parte, não podemos concordar todos que nenhuma criança deveria ir para a cama com fome?”, questiona o internacional inglês, para depois apresentar alguns números sobre a pobreza em Inglaterra.

“As dificuldades alimentares em Inglaterra são uma pandemia que pode afetar gerações se não agirmos corretamente agora. Enquanto que 1.3 milhões de crianças em Inglaterra estão registadas para refeições escolares grátis, um quarto dessas crianças não recebeu qualquer apoio desde que as escolas fecharam. Contamos com os pais, muitos deles sem emprego devido à Covid-19, para serem professores substitutos durante a quarentena, na esperança de que os filhos consigam estar concentrados o suficiente para aprender com apenas uma percentagem das necessidades nutritivas neste período”, acrescentou Rashford. O avançado do Manchester United também recordou a própria infância, em que a mãe acumulava empregos sem conseguir garantir todas as refeições para os filhos, dependendo das refeições gratuitas das escolas, dos pequenos-almoços dos clubes em que Rashford e os irmãos jogavam e da “bondade e generosidade” de vizinhos e treinadores.

“O governo tomou uma abordagem de ‘custe o que custar’ na economia. O que vos peço hoje é que estendam esse pensamento para proteger todas as crianças vulneráveis em Inglaterra. Quero encorajar-vos a ouvir os seus pedidos e a encontrar a vossa humanidade. Por favor, reconsiderem a vossa decisão de cancelar o sistema de vouchers de refeições durante o período de férias de verão e garantam o prolongamento. Estamos em Inglaterra em 2020 e este é um tópico que precisa de assistência urgente. Por favor, enquanto os olhos da nação estão em cima de vocês, façam uma inversão de marcha e façam da proteção das vidas de algumas das pessoas mais vulneráveis uma prioridade de topo”, terminou Rashford. Além das alegrias que garantiu aos adeptos do Manchester United dentro dos relvados, o jogador de 22 anos quer continuar a marcar golos fora de campo.