Numa primeira resposta ao pedidos dos procuradores do Ministério Público de reforço das medidas de coação aplicadas ao presidente executivo da EDP e ao presidente executivo da EDP Renováveis, respetivamente António Mexia e João Manso Neto, a elétrica fez saber que a administração “se mantém em funcionamento inteiramente normal e a exercer as suas funções com o seu habitual e sereno sentido de missão”. Acrescentava ainda estarem garantidos os mecanismos de corporate governance que asseguram o cumprimento do Plano de Negócios apresentado ao mercado em Março de 2019.
Esta posição não será sustentável se as medidas de coação agravadas forem aprovadas pelo juiz Carlos Alexandre, sobretudo no caso de ser aplicada suspensão de funções aos dois principais executivos do grupo EDP. A decisão é esperada para a próxima semana — na segunda-feira termina o prazo dado pelo juiz à defesa para responder à proposta do procuradores que tem de ser sustentada em factos novos no quadro das investigações ao chamado inquérito das rendas à EDP. Não é crível que o juiz tome uma decisão no mesmo dia em que a recebe, mas não há nada na lei que o impeça de fazê-lo.
MP avança para a suspensão de funções de Mexia e Manso Neto na EDP
Ninguém na empresa quer assumir ou sequer falar nesse cenário, mas este não pode deixar de estar em cima da mesa de análise, até porque, a concretizar-se, obrigará a EDP e os seus órgãos a reagir.
De acordo com os estatutos da elétrica, cabe ao Conselho Geral de Supervisão, o órgão que integra representantes de acionistas, mas também administradores independentes, avançar com soluções que permitam ultrapassar a situação criada por uma decisão judicial na cúpula da EDP que coloca constrangimento evidente na gestão da empresa, mas que ainda não uma decisão definitiva. E que podem passar por substituição de gestores impedidos até propostas de destituição à assembleia-geral.
Este órgão, liderado por Luís Amado, terá de reunir e propor uma solução que se pretende equilibrada, na gestão dos vários interesses, e célere, num processo que procurará evitar o mínimo de perturbação para a EDP, para o valor da empresa e para os seus acionistas. E, pelo menos no papel, estão reunidas as condições para que isso aconteça.
Desde que o inquérito criminal aos gestores da EDP foi conhecido, em 2017, que o Conselho Geral e de Supervisão tem vindo a monitorizar a investigação e os seus impactos na empresa. Mas as campainhas tocaram mais alto quando se soube da intenção dos procuradores de pedir o agravamento das medidas de coação aplicadas aos dois gestores, e que foi noticiada pelo Observador.
António Mexia arrisca-se a ser suspenso como presidente da EDP
Ainda que esta possibilidade esteja acautelada nos estatutos da empresa e os procedimentos previstos e previamente discutidos, será sempre uma situação inédita na vida de uma grande empresa cotada na bolsa em Portugal, e que para mais tem uma grande visibilidade internacional, em países como os Estados Unidos, Brasil ou Espanha (aliás onde fica a sede da EDP Renováveis). E isso terá de ser levado em linha de conta na decisão.
O pedido de suspensão de mandatos – que foram aprovados em assembleia geral de uma sociedade cotada em bolsa, e totalmente privada – está sustentado no facto de a empresa ser uma concessionária. Ou seja, não sendo uma empresa pública, é uma concessionária de um bem/serviço público, neste caso a rede de distribuição de eletricidade. O prazo desta concessão entregue à EDP Distribuição, empresa do grupo EDP, termina em setembro de 2022, mas o concurso previsto para novas concessões ainda não foi lançado.
Os estatutos dão ao Conselho Geral o poder para providenciar nos termos da lei a substituição de membros do conselho de administração executivo em caso de falta definitiva ou impedimento temporário. Deverá ser esta a via a seguir, pelo menos no imediato, em resposta a uma decisão judicial que impeça o exercício de funções de administração — já que implica proibição de entrar nas instalações e de contacto com colaboradores — mas que não resulta necessariamente na destituição ou substituição dos mesmos.
Neste quadro, e numa solução que não será definitiva, é muito provável que se façam escolhas internas para substituir António Mexia na liderança da EDP e João Manso Neto na liderança da EDP Renováveis. Qualquer nomeação mais definitiva, ainda que assumida pelo conselho geral e de supervisão, deverá – a prazo – ser validada em assembleia geral.
Mas o modelo de governo da EDP dá também a este órgão o poder para propor à assembleia-geral a destituição de qualquer membro do conselho de administração executivo. A proposta pode ser feita, mas a decisão final caberá sempre aos acionistas, reunidos em assembleia-geral, ou aos próprios gestores que podem sempre optar por sair. Não sendo esta, à partida, a primeira opção, este cenário limite poderá sempre ter de se colocar, a prazo, em função até de outras decisões na justiça no inquérito à EDP, como o caso de ser deduzida acusação contra os gestores, como parecer ser a intenção dos procuradores.
Quem está no Conselho Geral e de Supervisão?
De acordo com os estatutos, este órgão eleito em assembleia geral pode ter membros que tenham sido propostos e que representam os acionistas da referência, mas os administradores independentes dos acionistas, pelo menos em tese, devem estar em maioria. Além de Luís Amado, antigo ministro do Negócios Estrangeiros do Governo de Sócrates, e que conta como independente, estão ainda neste órgão outros ex-ministros, como Eduardo Catroga, que é representante da China Three Gorges (CTG), a maior acionista da EDP e que foi o presidente antes de Luís Amado. A CTG que tem cinco membros neste órgão.
A jurista e antiga ministra do CDS Celeste Cardona, bem como os economistas e antigos ministros Braga de Macedo e Augusto Mateus estão como independentes, tal como o empresário Ilídio Pinho, Rocha Vieira, antigo governador de Macau, o gestor Luís Palha da Silva, os académicos João Carvalho das Neves e Clementina Barroso, bem como alguns independentes estrangeiros. A espanholas Fundação Masaveu e Draursa, a Sonatrach, Abu Dhabi e o BCP (único acionista português representado por Nuno Amado) também têm assento neste órgão.