Os partidos andavam a exigir ao governo um calendário para o próximo ano letivo, mas o executivo pouco adiantava. Esta terça-feira, a partir da escola secundária da Ramada, precisamente na véspera do ano letivo 2021/2022 ir a debate Parlamento, o ministro da Educação fez um esboço muito pouco detalhado: começará entre 14 a 17 de setembro, com um modelo (presencial) e um objetivo inicial (recuperar em cinco semanas a matéria perdida). Um mini-plano que não é suficiente para os partidos que acusam o governo de nada ter preparado.

E isto, sobretudo, por uma razão: a dias de entrar em julho, mês em que começa o processo de colocação dos professores, não há sinais de novas contratações para as escolas ou alterações nos equipamentos escolares, para um ano letivo que tem de responder ao tempo de pandemia. O dedo é apontado ao Governo quer pela esquerda, quer pela direita.

“Há uma total ausência de debate público em Portugal sobre o que vai acontecer no próximo ano letivo”, diz Joana Mortágua, que aponta o exemplo dos outros países da União Europeia onde essa discussão já se faz e até já se retomou as aulas. “Estão todos a discutir medidas de afastamento social dentro das escolas, seja para locais alternativos ou pela diminuição de alunos por turma” e por cá pouco se ouve, queixa-se a deputada do Bloco de Esquerda que esta sexta-feira leva uma parte da questão ao Parlamento.

O partido quer aproveitar o momento para fixar um novo limite de alunos por turma: um mínimo de 15 e um máximo de 20, “sendo a dimensão exata definida pelos Agrupamentos de Escolas e Escolas Não Agrupadas de forma a garantir condições de segurança e de distanciamento físico necessárias à contenção da COVID-19”, dita o projeto que também pretende que “os critérios para o desdobramento de turmas, e para a abertura de disciplinas de opção e de cursos do ensino secundário” sejam “adaptados, mediante negociação sindical, às condições criadas pela estratégia de contenção da COVID-19”.

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O PS ainda não disse o que fará na votação que deverá seguir-se ao debate, mas PSD e CDS vão votar contra. Para Ana Rita Bessa, do CDS, o BE está a aproveitar o momento “para impor uma agenda que já existia” e recusa “medidas cegas e transversais que passem por cima da autonomia das escolas”.  O que o CDS defende é que “o Ministério deixe as escolas fazerem esse ajuste”.

Já no PSD, Luís Leite Ramos diz que “além de não resolver o problema, [o projeto do BE] cria um adicional, que é a falta de docentes”. E antecipa que, se os partidos mantiverem as posições anteriores, dificilmente o projeto será aprovado, embora haja a possibilidade de passar para a discussão na especialidade sem votação.

O vice-presidente da bancada do PSD acrescenta ainda, em declarações ao Observador, que a preparação do ano letivo continua atrasada por inoperância do governo e que “estes anúncios de domingo para cá, são operação de propaganda, sem planos e sem substância“. Para Luís Leite Ramos o anúncio de uma data por parte do ministro da Educação esta terça-feira demonstra que “não existe absolutamente nada” planeado, mas apenas uma “ideia vaga de começar as aulas naquela semana, mas não há mais nada”. E acrescenta: “Não há trabalho feito”.

Este anúncio foi assim, no entender do PSD, uma “tática” para tentar esvaziar uma parte do debate que decorre esta quarta-feira no Parlamento à boleia de um projeto de lei do Bloco de Esquerda. Na verdade, assume Luís Leite Ramos, este é “um pretexto para fazer um balanço do atual ano letivo e discutir a preparação do próximo”.

E como está a sensibilidade dos partidos que falaram com o Observador sobre este assunto? Mesmo em lados opostos da barricada, todos  concordam que está tudo demasiado atrasado e sem respostas que tranquilizem docentes, alunos e encarregados de educação.

O vice-presidente da bancada do PSD diz que a prova que o Ministério da Educação esteve em “confinamento absoluto” e não preparou nada é que definiu como data aquela que já seria a data em condições normais. O PSD estava à espera de um plano e não da ideia de que as primeiras cinco semanas são de recuperação sem dizer “como vai acontecer, se é igual para todas as escolas e para os vários anos de escolaridade”.

“São medidas flat, transversais para todos os 800 agrupamentos de escolas do país”, critica Ana Rita Bessa, do CDS. “Estar a definir medidas iguais para toda a gente é um contrassenso e caro”, avisa apontando para os encargos de desdobramento de todas as turmas por indicação central em vez de ser cada um dos agrupamentos a decidir conforme as dimensões das salas e a capacidade dos estabelecimentos de ensino.

“Não havia metros quadrados para satisfazer a proposta do Bloco”, diz a deputada referindo-se à parte do desdobramento de turmas. Mas Joana Mortágua riposta que “uma coisa é a pandemia não deixar e as escolas flexibilizar normas. O que não admitimos é que isso não seja ponderado na sua dimensão máxima por falta de disponibilidade orçamental”.

Alternativas ao que está a ser falado nos corredores sobre como manter o distanciamento no próximo ano letivo? Aqui o BE nem anda muito longe do que pensa o CDS. Ambos querem que sejam as escolas a definir a aplicação de regras mais gerais. Mas Joana Mortágua avisa que seja qual for a solução, não há dinheiro previsto no Orçamento Suplementar deste ano, que veio capacitar o Estado para responder às consequências da pandemia.

E aqui nenhum se distancia também do que pensa o PSD que diz que se a ideia para garantir as aulas presenciais é “desmultiplicar turmas”,  não está no Orçamento Suplementar prevista verba para a contratação dos respetivos professores, por exemplo. E por isso questiona: “Com que meios se vão dividir as turmas? Com que recursos humanos? Que meios existem para fazer a recuperação?” O PSD aponta que há uma verba prevista para a compra de computadores e também uma verba de 24o milhões de euros que os sociais-democratas não conseguem identificar, mas que sabem que não será para contratação de docentes — que não está no orçamento suplementar. O PSD teme ainda que o processo de remoção de amianto — cujo protocolo foi hoje firmado — prejudique o arranque do ano letivo.

“Mesmo um modelo misto [de ensino presencial e à distância] é muito exigente do ponto de vista de contratações de professores”, acrescenta ainda Mortágua, do BE, que diz que “além do que o Ministério não diz, não está previsto no Suplementar um cêntimo para mais professores”. “Não há nada preparado, contratações a serem feitas, tudo indica que o Governo está a tratar este ano letivo como se de um ano letivo normal se tratasse”.

Ana Rita Bessa diz que “nada é feito com nexo” pelo Governo e que além de não estar nada no Orçamento para cobrir uma promessa que António Costa fez nestes novos tempos — de um computador por aluno –, aponta que também não há nada para fazer face a despesa adicional com os manuais escolares. E isto porque os que foram distribuídos este ano não serão devolvidos, para que os alunos possam recuperar o tempo perdido com o confinamento nas primeiras semanas do novo ano letivo. “São 80 milhões de euros. Convinha que essa verba estivesse no Suplementar, mas não está”, atira.

O Observador também contactou o PS e o PCP para ouvir os dois partidos sobre os planos do Governo para o próximo ano letivo, mas até ao momento de publicação deste artigo nenhum se disponibilizou para falar.

IL diz que governo coloca “interesse dos sindicatos” à frente de interesse das crianças

O Iniciativa Liberal, que tinha exigido a 19 de junho que o governo definisse um calendário, diz estar agradado com o facto do ministro dizer “que o objetivo é que haja ensino presencial em meados de Setembro. É esse também o nosso desejo.” No entanto, o deputado liberal João Cotrim Figueiredo critica o facto do Governo ter apontado cinco semanas para a recuperação no próximo ano letivo: “O anúncio do Governo em relação a utilizar as primeiras cinco semanas para executar um plano de recuperação e consolidação de tudo aquilo que não foi possível fazer ao longo deste ano demonstra que o Ministro da Educação precisa de ir rever a matéria”.

Para João Cotrim Figueiredo o Governo está “novamente a colocar os interesses dos sindicatos à frente dos interesses das crianças e das famílias” e destaca que “deixar tempo de recuperação de aprendizagens apenas para o início do ano letivo não é novo, é algo que já se fez em vários casos”. O deputado da IL lamenta que “depois de terem deixado milhares de alunos sem acesso a educação durante meses, ao invés de apresentarem soluções concretas, como tutorias ou apoio individualizado, e reabrir as escolas como espaço de apoio” o governo insista “em prolongar essa fragilidade mais uns meses”.

A Iniciativa Liberal diz ainda que não compreende a “teimosia do Governo em não dar mais autonomias às próprias escolas, incluindo neste plano de recuperação, tal como já foi, aliás, pedido pelos diretores escolares há poucos dias”. Para Cotrim Figueiredo “são as escolas juntamente com as famílias quem melhor conhece as especificidades de cada aluno e as realidades locais. Não é um qualquer burocrata sentado numa sala do Ministério da Educação”. E acrescenta: “É preciso descentralizar poder e dar mais autonomia às escolas”.

O debate desta quarta-feira pode ser o tiro de partida parlamentar para um debate que tem estado adormecido e em que o Governo tentou ganhar algum terreno antecipadamente, com as declarações do ministro Tiago Brandão Rodrigues nesta terça-feira. No entanto, o executivo não vai estar presente, pelo que os moldes do que acontecerá a partir de 14 de setembro continuarão sem dar sinal de vida.