No final da reunião, houve surpresa quando António Costa deu o encontro por encerrado sem agendar o seguinte, prática que era habitual até aqui, de acordo com o relato do deputado do Chega, André Ventura. Foi Marcelo Rebelo de Sousa, no entanto, quem anunciou oficialmente e ao microfone que a reunião de esta quarta-feira na sede do Infarmed, em Lisboa, seria a última entre peritos de saúde, Presidente da República, Governo e partidos políticos — pelo menos naquele local e naqueles moldes.

O fim das reuniões de avaliação quinzenal da evolução da pandemia da Covid-19 em Portugal, que facilitavam o acesso dos políticos e partidos a informação técnica mais detalhada e pormenorizada, foi assim explicado pelo Presidente da República: “O modelo pensado há quatro meses precisava de ser descontinuado, fechando uma fase, um ciclo e naturalmente ponderando em tempo oportuno a abertura de um outro ciclo”.

O que sucederá a estes encontros — fala-se num possível modelo “micro” — ainda ninguém sabe. Marcelo disse apenas: “Parece sensato encerrar esta fase, de um modelo que cumpriu a sua função, mas que agora tem de ser reajustado”.

O que se sabe é aquilo que foi explicado às autoridades políticas no interior, pelos especialistas de saúde. No final do encontro, Marcelo Rebelo de Sousa fez várias revelações sobre a informação partilhada na reunião, que abrange desde os contextos predominantes em que ocorrem as novas infeções em Portugal à data em que será revelado o primeiro estudo serológico feito no país (liderado pelo Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge), que permitirá começar a estimar que percentagem da população portuguesa desenvolveu anticorpos — e qual o grau e durabilidade que poderão ter esses anticorpos — ao SARS-CoV-2, a nova estirpe dos coronavírus.

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Foi um dos dados novos adiantados pelo Presidente da República. Citando um dos novos estudos mencionados durante a reunião, Marcelo Rebelo de Sousa vincou que “não há ligação entre o transporte ferroviário e o surto pandémico”, ao contrário do que chegaram a recear os utilizadores dos meios de transporte públicos ferroviários.

Fica assim aparentemente descartada a hipótese de que os transportes públicos sejam o principal motor do número elevado de novos contágios na região de Lisboa e Vale do Tejo, onde nos últimos dias se tem verificado “uma estabilização dos casos e aparente descida”, segundo o que ouviu o Presidente da República no interior do Infarmed.

Marcelo Rebelo de Sousa deu ainda mais detalhes sobre o estudo que relaciona novas infeções com uso de transporte ferroviário — e que ficou a conhecer durante a reunião. Questionado, detalhou: “É um estudo que precisamente mostra que por exemplo linhas que à partida se consideraria de risco maior, verificou-se que eram não direi irrelevantes mas de risco escassíssimo”.

O que quer dizer que do estudo parece decorrer que não está aí o fator causal determinante ou decisivo para a propagação da pandemia. A inclinação dos especialistas continua a ir para considerar a coabitação no sentido amplo — agregado familiar e aqueles que contactam mais diretamente com o agregado familiar — como o principal fator causal na região Lisboa e Vale do Tejo e genericamente no país”, apontou o Presidente da República.

Notando que há vários outros meios sociais em que a infeção se tem propagado, “como o laboral e outros”, Marcelo Rebelo de Sousa revelou que de acordo com os peritos de saúde as infeções entre coabitantes continuam a ser “o fator mais relevante” para o crescimento no número de casos detetados. “A coabitação ainda hoje é a explicação apresentada pelos especialistas como determinante”, reforçou.

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Marcelo Rebelo de Sousa mencionou ainda alguns “dados interessantes” relativos à “capacidade de internamento e resposta do Serviço Nacional de Saúde” que foram facultados pelas autoridades de saúde esta quarta-feira, na sede do Infarmed. Revelou-os: “O tempo mediano de internamento está entre dez e 11 dias no internamento geral e entre os 17 e 19 dias nos cuidados intensivos. Para um cenário que se pode considerar relativamente pessimista, de 338 casos diários novos, haveria [poder-se-ia estimar] um número de internados em média de 39 e um cálculo total de internados de 607 internamentos globais, 91 em cuidados intensivos”.

Os piores dados não se confirmaram e o número de internamentos está “bem dentro da capacidade global do SNS”, garantiu o Presidente da República, citando o que ouviu no encontro.

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Marcelo Rebelo de Sousa referiu ainda: “Foi ainda dado conta da ação do grupo regional de intervenção em Lisboa e Vale do Tejo. Constituído há algumas semanas, apresentou dados sobre o aumento de recursos humanos: mais 40% no terreno, vigilância exercida sobre mais de 1600 casos específicos individualizados. E foi explicado também tudo o que está em curso neste momento em termos de vigilância, colaboração com autarquias, matéria de alojamento, entre outras ações no terreno”.

Outra das novidades dadas pelo Presidente da República passou pela fase em que está o “primeiro estudo serológico, sobre eventual capacidade de imunização daqueles que têm contacto com a pandemia”. Este “estará pronto no final de julho”. A data inicialmente prevista para a sua divulgação era a primeira quinzena de julho. A este estudo vai seguir-se um outro “a 5 meses e sucessivos estudos de 3 em 3 meses.”

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Também foi dado conta de um estudo epidemiológico que levará mais longe o aprofundamento da comparação da situação socioeconómica e de atividades socioeconómicas entre as várias regiões. Por exemplo, do que se apurou até hoje foi dito que é muito diverso o panorama no distrito do Porto e no distrito de Lisboa; no distrito do Porto com importância da restauração e atividade industrial, no distrito de Lisboa do comércio e da circulação, da pendularidade”.

Já questionado sobre se na reunião foi discutida a nova posição da Organização Mundial de Saúde (OMS), que defende agora o uso de máscaras mesmo em espaços públicos (e advoga que se evitem espaços fechados por não descartar já a transmissão do vírus pelo ar), o Presidente da República respondeu: “Não foi aqui debatida, mas é sempre fascinante acompanhar as evoluções do pensamento da OMS, que têm sido muito ricas ao longo dos meses. Todos estamos a descobrir como lidar com o novo fenómeno”.