Morreu o advogado João Araújo, que defendeu o ex-primeiro-ministro José Sócrates na Operação Marquês e que já não acompanhou a fase final do debate instrutório do processo devido à sua situação de saúde. O advogado enfrentava um cancro há anos e a morte foi confirmada por um familiar à Rádio Renascença e ao jornal Público e ao Observador por uma fonte da Ordem dos Advogados.

Durante as alegações finais do debate instrutório, o colega Pedro Delille lembrou como o advogado agarrou o processo e a defesa do ex-primeiro-ministro desde início, há cinco anos, como sendo “a defesa do Estado de Direito”.

“Mostrou sem hesitações e com aquele jeito, feitio e carisma que é o dele, que as autoridades penais não estão acima da lei”, alegou Delille, que perdeu algum tempo a prestar uma homenagem ao colega ausente por razões de saúde.

O ex-primeiro-ministro José Sócrates já reagiu à morte do advogado e diz estar “profundamente entristecido”. O antigo primeiro-ministro lamentou a perda do “amigo” e “advogado corajoso” João Araújo, dizendo que a morte deste seu “companheiro leal” o deixa “profundamente entristecido”.

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“João Araújo foi nos últimos anos um amigo e um companheiro leal que não esquecerei. Ele era um advogado corajoso e com uma profunda dedicação ao Estado de Direito Democrático”, declarou José Sócrates à agência Lusa, acrescentando: “A sua morte deixa-me profundamente entristecido”.

João Araújo, que chegou a defender dois arguidos no caso das FP-25, foi o primeiro advogado de Sócrates no processo da Operação Marquês. Era admirado profissionalmente pelos colegas, aliás, alguns que defendem outros arguidos no processo do Marquês também lhe dedicaram algumas palavras de apoio durante as alegações finais. Já para os jornalistas era irascível e chegou mesmo a ser processado por uma jornalista do Correio da Manhã por lhe ter dito para se afastar dele, porque cheirava mal, durante uma abordagem à porta do Supremo Tribunal de Justiça. Acabou condenado por difamação e injúria.

João Araújo tinha 70 anos e era licenciado pela Faculdade de Direito de Lisboa, estava inscrito na Ordem dos Advogados há já 42 anos. Com mais experiência nos ramos do direito comercial, bancário e cível, foi com surpresa que todos olharam para a escolha de Araújo como advogado de José Sócrates. No entanto o advogado esteve sempre presente na defesa, com Pedro Delille ao seu lado, até ao debate instrutório em que apareceu no Campus da Justiça visivelmente debilitado e quase irreconhecível.

O debate instrutório foi suspenso por causa da pandemia da Covid-19 e quando retomou, há duas semanas, João Araújo já não compareceu.

Araújo era conhecido por dizer tudo o que pensava. Em entrevista à RTP, em março de 2017, atacou o Ministério Público e a acusação que proferiu contra os 28 arguidos da Operação Marquês, entre eles o seu cliente, José Sócrates. Acusou os procuradores do Ministério Público que assinam a acusação de serem “carrascos que se entretêm a torturar as pessoas”. “O objecto do processo penal não é a descoberta da verdade. Isto é uma invenção recente. O processo penal destina-se à aplicação, com regras, da lei penal. É isso não é a descoberta da verdade e outras coisas metafísicas”, criticou à data Araújo, lembrando que Sócrates estava “a ser investigado há muitos anos”, mais do que aqueles que foi primeiro-ministro. “Eles inventam novas suspeitas à medida que as velhas vão caducando. Agora é a PT, depois de amanhã será a TAP, depois será a CP. Sempre à procura de novas suspeitas”, considerou.

Dois anos, desta vez numa Grande Entrevista ao canal público, falou da sua relação com José Sócrates, explicando que mantinham uma “pequenas amizade”. “Não é daqueles amigos a quem eu empresto dinheiro, nem peço”, disse, lembrando que se tornou seu advogado depois de ter tratados de alguns “assuntos dos familiares”. “Às vezes salta-me um pensamento ainda pior para o meu orgulho – se calhar ele pensou ‘como estou inocente, qualquer coisa basta’. Foi um acaso. Estava ali ao pé. Estava à mão, disse.

“Socratista” assumido, o advogado disse mesmo que José Sócrates foi “o melhor primeiro-ministro desde o Marquês de Pombal, dr. Salazar incluído”, recusando no entanto que este fosse um caso notável da justiça portuguesa. “Não tem nada de notável. Não digo que é de carregar pela boca, mas é relativamente simples. É só abrir o código e ver”, disse.