Depois de uma recuperação fantástica com vitória atrás de vitória, recorde atrás de recorde e muitas vezes goleada atrás de goleada, o Flamengo conseguiu ter um fim de semana de sonho a 23 e 24 de novembro. Um fim de semana que nem nos melhores sonhos seria possível imaginar, com a vitória na final da Taça dos Libertadores com dois golos de Gabriel Barbosa nos últimos minutos frente ao River Plate e a festa da vitória no Campeonato depois de mais um tropeção do Santos. Seguia-se o Mundial de Clubes, com uma derrota no jogo decisivo com o campeão europeu Liverpool no prolongamento. Mas essa desilusão foi muito mais a acendalha a acender mais uma época a lutar por todos os títulos, incluindo o único que falhou, do que um apagar da chama. O monstro voltou.

O Carvanal de Jesus é só para a família mas ele, ou Ele, continua sempre em festa: Flamengo conquista Taça Guanabara com reviravolta

Na primeira época de Jesus no Brasil, que é como quem diz na segunda metade do ano civil, o Flamengo caiu nos penáltis na Taça do Brasil, ganhou o Campeonato, reconquistou a Libertadores e foi à final do Mundial de Clubes. Tão ou mais importante do que isso e os marcos históricos que iam sendo somados, o grande mérito do treinador foi o de acordar um gigante adormecido, com a maior falange de apoio que existe no futebol. A qualidade de jogo, as vitórias, o carisma e a empatia são indissociáveis mas Jesus foi mais do que um técnico – foi um salvador, com um plantel rendido aos seus métodos com um ou outro excesso à mistura como nunca tinha tido.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Sem se saber ainda se continuaria ou não no clube, o plantel foi sendo formado. Houve saídas de peso, como a de Pablo Marí ou a de Reinier (mais até pelo potencial que tinha para fazer mais do que em 2019), chegaram nomes de peso e para todos os setores como Léo Pereira, Gustavo Henrique, Pedro Rocha, Thiago Maia, Michael ou Pedro. Tão ou mais importante, Gabriel Barbosa, Gerson, Bruno Henrique ou Arrascaeta ficaram para aquilo que era visto como um ano de consolidação para voltar a ganhar a tudo. E em fevereiro já estavam mais dois títulos no palmarés do Flamengo além da Taça Guanabara, primeira volta do Campeonato Estadual que terminou com uma vitória na final com o Boavista (2-1): a Supertaça do Brasil, com um triunfo frente ao Athl. Paranaense (3-0), e a Supertaça Sul-Americana, com um empate fora com o Independiente del Valle antes do 3-0 no Maracanã.

Mais duas vitórias no início da Taça dos Libertadores, mais três triunfos na Taça Rio e paragem nas competições, a meio de março. Só três meses depois o Flamengo voltou a jogar, à porta fechada. Jorge Jesus renovou por mais um ano com o clube mas nada voltou a ser o mesmo e ainda hoje existem dúvidas sobre o futuro do clube e das provas principais, entre Campeonato do Brasil e Taça dos Libertadores. A paragem, os jogos sem espetadores e a própria indefinição a breve e médio prazo quebraram o ritmo dos rubronegros mas a antecâmara da partida ficou marcada por dois assuntos que deram muito que falar: por um lado, o teste positivo para Covid-19 para João Lucas que foi conhecido menos de 24 horas antes; por outro, a guerra pela transmissão depois de a Globo ter anunciado que não passaria o encontro, com o Fluminense a ser o sorteado, o Tribunal de Justiça Desportiva do Futebol do Rio de Janeiro a entender que o Flamengo teria esse direito e o Superior Tribunal de Justiça Desportiva a revogar a decisão, dizendo que só os tricolores poderiam passar o jogo. E foi isso mesmo que aconteceu. “Ultrapassámos o Liverpool, Nação! Somos o terceiro clube de futebol com mais inscritos no YouTube!” escreveria mais tarde o clube no seu Twitter, quase que desafiando o sentido da escolha que colocou a FluTV em grande destaque.

Com o onze tipo da última temporada onde entrou apenas Léo Pereira para o lugar de Pablo Mari, o Flamengo teve muita posse nos minutos iniciais frente a um Fluminense na expetativa e com as linhas juntas e mais baixas para retirar profundidade ao adversário mas nunca conseguiu chegar à baliza de Muriel (irmão de Alisson e antigo guarda-redes do Belenenses SAD), acabando por ser o tricolor a deixar a primeira ameaça com um cabeceamento à figura de Diego Alves. Arrascaeta ainda arriscou a meia distância mas, depois de novo remate com perigo de Yago Felipe, o Fluminense chegou mesmo à vantagem que se manteria até ao intervalo com um golo de Gilberto após cruzamento de Egídio da esquerda que sofreu ainda um desvio de cabeça de Marcos Paulo (37′).

No segundo tempo, Bruno Henrique e Gabriel Barbosa ainda tiveram boas oportunidades evitadas por Muriel mas a dinâmica da equipa, os tradicionais movimentos na frente e a capacidade de construção a partir do meio-campo estiveram sempre muito longe do Flamengo desde que Jorge Jesus mas o técnico português, entre algumas das reprimendas já habituais, andava de um lado para o outro da zona técnica com uma acalmia que quase fazia adivinhar que o empate acabaria por surgiu. De fora, o treinador deu um empurrão para isso: após trocar primeiro Éverton Ribeiro por Michael (grande sensação do último Campeonato no Goiás) e depois Arrascaeta por Pedro (avançado que se destacou no Fluminense, rumou à Fiorentina e chegou agora ao Flamengo), a formação rubronegra chegou ao empate por Pedro, desviando de cabeça na área após cruzamento de Filipe Luís (76′).

Se o Fluminense já tinha pouca ou nenhuma capacidade de saída, conseguindo algumas boas zonas de pressão adiantadas que obrigavam Diego Alves a jogar direto na frente e pouco mais, o golo do empate quebrou a equipa do antigo treinador do Internacional de Porto Alegre, Odair Hellmann, e deixou o Flamengo cada vez mais próximo da baliza de Muriel como aconteceu numa bola na área em que Bruno Henrique rematou torto ou, mais tarde, um cabeceamento do mesmo avançado que obrigou Hudson a tirar em cima da linha de golo quando parecia que o guarda-redes não teria hipóteses. Diego ainda entrou, tentou também ele de meia distância mas o jogo foi mesmo para grandes penalidades, onde Muriel voltou a ser a grande figura ao defender dois castigos máximos (Arão e Rafinha, além da tentativa de Léo Pereira que foi por cima) e dando o triunfo ao Fluminense por 3-2 que obriga Jorge Jesus a ter de disputar agora mais dois jogos para decidir o título do Campeonato Estadual, algo que poderia estar decidido caso tivesse juntado à Taça Guanabara à Taça Rio que perdeu esta noite.