Esta quarta-feira deveria ser um dia de festa para o clube que tem estado sempre em festa e que apenas perdeu uma festa entre todas as festas onde voltou a ser o rei da festa. No entanto, e mesmo que essa festa pela conquista do Campeonato Carioca seja feita na segunda mão da final (que chega com uma vantagem de 2-1 do primeiro jogo com o Fluminense), Jorge Jesus deverá fazer o último encontro pelo Flamengo esta noite, num Maracanã sem público. E pode tornar-se o primeiro estrangeiro nos últimos 55 anos a ganhar o troféu estadual pelos rubro-negros, depois de conquistar o Campeonato brasileiro, a Libertadores, a Supertaça Sul-Americana, a Supertaça de Brasil e a Taça Guanabara, ficando apenas a faltar o Mundial de Clubes perdido no prolongamento com o Liverpool. Próximo destino? O regresso a Portugal, uma segunda vida no Benfica. E essa possibilidade, que começou a ganhar forma há uma semana e meia, tem vindo a deteriorar também a relação entre o clube e o treinador.

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Numa primeira abordagem, feita em moldes com os quais Jesus não se mostrou minimamente recetivo, a hipótese não passou disso mesmo e foi por isso que o Benfica deixou cair a ideia de ter alguém que pudesse entrar ainda para a parte final da presente temporada. A segunda tentativa, devidamente sustentada, alterou a possibilidade de sair do Flamengo. Aliás, nesta fase, com um intermediário entre as partes no Rio de Janeiro (Bruno Macedo) e após conversas telefónicas do técnico com Luís Filipe Vieira, os principais pilares para voltar à Luz encontram-se atingidos quase na totalidade: salário, jogadores pedidos e capacidade de investimento no plantel. A cláusula de saída, de um milhão de euros, acaba por ser a barreira mais fácil de transpor nesta fase de negociações.

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“Referi que poderia haver uma contração no investimento mas nas últimas duas semanas o mercado mexeu e estamos a sentir boas notícias em todas as rubricas”, disse Domingos Soares Oliveira, à margem da apresentação dos resultados do empréstimo obrigacionista que chegou ao fim na última sexta-feira com uma oferta superior aos 50 milhões, falando também nas transferências que se vão projetando e na possibilidade de haver jogos à porta aberta a breve prazo que mudam a capacidade financeira anteriormente traçada. “Mas não, não confirmo qualquer contacto direto com o treinador Jorge Jesus. Já tive ocasião de explicar isto: o nosso presidente tem uma relação pessoal com o treinador Jorge Jesus, é natural que converse com ele, mas não há neste momento qualquer situação oficial entre o Benfica e o treinador Jorge Jesus”, acrescentou o CEO dos encarnados.

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Esse era um dos desencontros entre Jesus e Benfica, que estavam a meio caminho mas que agora se encontraram mais perto do ponto que o treinador desejava. Ou seja, contrariando aquilo que tinha sido projetado pela SAD das águias, há capacidade para investir e começar a criar uma nova base para a construção de uma era diferente e que se aproxime mais dos quatro títulos consecutivos iniciados por Jesus entre 2014 e 2018 do que nas duas Ligas nas últimas três perdidas para o FC Porto (confirmando-se o título dos dragões em 2019/20). Léo Pereira, central que é internacional pelas camadas jovens do Brasil e que Jesus pediu ao Flamengo vindo do Athl. Paranaense, pode cair na lista de desejos mas o médio Gerson e o avançado Bruno Henrique deverão acompanhar o treinador para Luz para duas lacunas já detetadas: um número 8 box to box e um segundo avançado mais móvel.

A esse propósito, a preparação da próxima temporada do Benfica, seja a nível de contratações, de possíveis vendas, de empréstimos já pedidos ou de regressos de jogadores que estiveram cedidos na última época, tem estado quase em stand by, o que se aplica aos nomes identificados no mercado nacional (o guarda-redes Helton Leite, do Boavista, e o avançado Taremi, do Rio Ave) e também elementos detetados pela prospeção no estrangeiro.

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E a relação Flamengo-Jorge Jesus? Apesar de ninguém falar em termos públicos da situação, e para isso contribui também o facto de não haver transmissões de jogos do Campeonato Carioca na Globo, o ambiente mudou e isso tornou-se notório para todos. Apesar de ter renovado contrato por mais um ano, nem tudo foi sempre bom nessa ligação, com alguns episódios como as 30 horas de espera pelo primeiro teste feito numa altura inicial da pandemia e que viria a dar um falso positivo que dois testes depois não se confirmaria. O clube sabia que a cláusula de um milhão de euros deixava a porta entreaberta para um regresso à Europa mas acreditava que conseguiria convencer o treinador naquela que foi sempre a sua grande renitência, a evolução da pandemia na América do Sul. Hoje já percebeu que essa batalha está quase perdida. E pessoas próximas do técnico entendem que o boato criado ontem em torno de Jesus e de uma advogada que trabalha com o clube, numa página de Facebook quase sem seguidores mas que não demorou a espalhar-se por vários grupos, foi uma espécie de retaliação pela provável saída. Vários comentadores brasileiros cientes desse facto (desmentido logo por fonte próxima) falaram de “sacanagem”.

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No Brasil são acrescentados pormenores como o facto de poder não haver Mundial de Clubes pela falta de datas no calendário internacional (os Campeonatos vão começar mais tarde, as provas europeias e os compromissos das seleções mantêm-se e em junho de 2021 há Campeonato da Europa e Copa América), a convicção do treinador de que a época feita pelo Flamengo trouxe muita notoriedade mas não o reconhecimento desportivo necessário para chegar a equipas que lhe permitam discutir a Champions e a procura nos bastidores de uma alternativa ao técnico português – que deverá ser Jorge Sampaoli, argentino que no ano passado esteve no Santos e que agora se encontra no Atl. Mineiro, havendo ainda assim a hipótese de a escolha recair de novo num europeu. Certo é que, quando voltar a Portugal no final da semana de férias, Jesus pode não voltar ao Ninho do Urubu.