Para além das suas paisagens naturais de beleza ímpar, gastronomia de sabores irrepreensíveis, o Centro de Portugal é também conhecido pelo seu património arquitetónico histórico que remonta às origens do nosso país. Entre o vasto conjunto arquitetónico da região Centro, quatro viram a sua beleza, detalhe e história homenageados com a classificação de Património Mundial pela UNESCO. E haverá melhor forma de conhecer as origens e o lugar que estes locais ocupam no coração da população local do que através das suas lendas e histórias centenárias?
Mosteiro de Alcobaça
Dos quatro locais Património Mundial do Centro de Portugal, o Mosteiro de Alcobaça, conhecido pela beleza dos materiais com que foi construído e a pureza do seu estilo arquitetónico, é o mais antigo. Reconhecido como Património Mundial em 1989 pela UNESCO, a sua história de mais de 8 séculos foi marcada por histórias de amor e despeito, algumas das quais ligadas à sua construção entre os séculos XII e XIII.
Reza a lenda que uma moura chamada Zuleiman conseguiu chegar aos Paços de Coimbra para falar com D. Pedro Afonso, irmão do primeiro Rei de Portugal. De orgulho e coração feridos por Muhammed, o Alcaide de Santarém, que a tinha abandonado e desprezado depois de ter subido ao poder, Zuleiman procurava vingança. O seu sofrimento levou-a a contactar D. Pedro para lhe passar informações importantes que lhe permitisse furar a defesa do castelo de Santarém.
Essas informações, aliadas às que D. Afonso Henriques já dispunha, obtidas através do seu cavaleiro Mem Ramires, foram essenciais para o sucesso da tomada do castelo em 1147. Como cumprimento da promessa que tinha feito caso vencesse aquela batalha, surge o Mosteiro de Alcobaça.
Dois séculos mais tarde, o Mosteiro viria a fazer parte de uma das mais bonitas e memoráveis histórias de amor portuguesas, a de Pedro e Inês. Apesar de casado com D. Constança Manuel, o Infante D. Pedro não conseguiu evitar apaixonar-se por uma das aias da sua mulher, Inês de Castro, com quem se encontrava em segredo nos jardins da Quinta das Lágrimas, em Coimbra. Quando D. Constança morre em 1345, D. Pedro consegue finalmente viver maritalmente com a sua amada, uma decisão severamente condenada não só seu próprio pai, o rei D. Afonso IV, mas de igual maneira pelo povo e pela corte.
A união de D. Pedro e Inês de Castro resultou em três filhos. Ano após ano, as vozes que se erguiam contra esta união iam aumentando, exercendo pressão sobre D. Afonso IV para que lhe pusesse um fim, independentemente do que isso implicasse. Em janeiro de 1355 o rei mandou assassinar Inês de Castro. De coração despedaçado, D. Pedro assume-se como líder de uma revolta contra o seu pai. Dois anos depois sobe ao trono e manda prender e matar os assassinos da sua amada, ordenando que lhes fosse arrancado o coração, um ato que lhe valeu o cognome de “O Cruel”.
Em 1360, após o seu reconhecimento como Rainha de Portugal, o corpo de Inês de Castro é transladado para o Mosteiro de Alcobaça, para um dos dois túmulos que D. Pedro lá tinha mandado construir para que os dois pudessem repousar eternamente lado a lado. E é lá que ainda se encontram hoje, como memória de uma das mais trágicas histórias de amor de sempre em solo português.
Universidade de Coimbra – Alta e Sofia
Um século após a fundação de Portugal erguia-se em Coimbra aquela que é hoje a mais antiga Universidade de Portugal e uma das mais antigas do mundo. Mandada construir por ordem do rei D. Dinis em 1290, a Universidade de Coimbra foi distinguida com o título de Património Mundial pela UNESCO em junho de 2013.
Ao longo de sete séculos a Universidade foi-se desenvolvendo e crescendo dentro da cidade, ocupando vários colégios do século XVI, a barroca Biblioteca Joanina, o Jardim Botânico datado do século XVIII, a Imprensa Universitária e a “cidade universitária”.
No período do Estado Novo, surgiram as famosas Escadas Monumentais, uma escadaria de 125 degraus que dá acesso à Universidade e que vieram substituir as antigas “Escadas do Liceu” que ali se encontravam. Dizem os estudantes que as escadas são compostas por 5 lances, que correspondem ao número de anos dos antigos cursos. O número de vezes que os estudantes tropeçassem em cada um desses lances, era o número de cadeiras que chumbariam em cada ano. Hoje em dia, as Escadas Monumentais são um dos palcos das praxes académicas todos os anos.
Outra construção icónica da vida estudantil em Coimbra é a Torre do Sino, apelidada de “Cabra” pelos estudantes pelo facto de os acordar religiosamente todos os dias às sete da manhã. É daqui que se tem acesso a uma das melhores vistas sobre a cidade de Coimbra e há quem diga que apesar de ter o nome de Cabra, a Torre assemelha-se a um mocho quando vista de lado.
Convento de Cristo de Tomar
Foi em 1983 que o Convento de Cristo de Tomar foi distinguido com o título de Património Mundial pela UNESCO, mas este monumental edifício, a que se junta o Castelo de Tomar e a Mata dos Sete Montes (antiga Cerca Conventual), conta com quase 900 anos de história. Os três edifícios juntos perfazem um dos mais importantes conjuntos da arquitetura peninsular e europeia, quer a nível de extensão (ocupa cerca de 45 hectares), quer a nível de antiguidade.
Intimamente ligado à fundação de Portugal e à presença dos Templários na Europa, o Convento de Cristo foi construído como sede da Ordem de Cristo. Reza a lenda que muitos cavaleiros templários procuraram refúgio no Convento após terem sido expulsos da Terra Santa, tendo trazido consigo o Santo Graal, o cálice usado na Última Ceia por Jesus e os apóstolos e como receptáculo para recolher o sangue de Jesus na cruz.
Mosteiro da Batalha
O Mosteiro da Batalha é frequentemente referido como um dos mais belos exemplos da arquitetura portuguesa e europeia. Classificado como Património Mundial pela UNESCO em 1983, a sua construção teve origem no cumprimento de uma promessa feita pelo rei D. João I após a vitória na Batalha de Aljubarrota, travada no século XIV, que garantiu a independência de Portugal.
As obras ficaram a cargo do arquiteto Afonso Domingues. Diz a lenda que este foi afastado pela sua idade avançada e quase cegueira, tendo a obra sido passada para o mestre irlandês Huguet, para muito pesar de Afonso Domingues. Huguet não acreditava ser possível construir a abóbada do Mosteiro da forma como tinha sido idealizada inicialmente, pelo que decidiu terminá-la da forma que achava mais certa, sem consultar Afonso Domingues.
No dia da visita de D. João I, que estava ansioso por ver a Casa do Capítulo do Mosteiro concluída, a abóbada ruiu. O rei nomeou novamente Afonso Domingues arquiteto principal, tendo sido ele o responsável pela abóbada que existe atualmente. Diz a lenda que no dia em que retiraram as traves que a sustinham, o arquiteto sentou-se numa pedra colocada no centro da sala, tendo ali ficado 3 dias sem comer ou beber, como prova de que a abóboda não cairia. Acabou por falecer no final desses 3 dias, mas a abóbada não ruiu. Em sua memória, foi ali mandada erigir uma estátua feita da mesma pedra sobre a qual faleceu, que ainda ali se encontra.
Lendas e histórias passadas de geração em geração
Muitas são as histórias e lendas que fazem parte do imaginário do Centro de Portugal. Aldeias como Piódão e Monsanto, por exemplo, que fascinam os seus visitantes com o seu património arquitetónico e cultural de interesse inquestionável, contam lendas de amor e heroísmo que chegam a remontar a tempos romanos.
Em Monsanto, por muitos conhecida como “a aldeia mais portuguesa de Portugal”, ainda hoje se conta a história do tempo em que a aldeia se encontrava cercada há já vários dias por tropas romanas, que esperavam que os seus habitantes cedessem com fome. O tempo passou e a população deu por si apenas com uma bezerra como fonte de alimento. O chefe lusitano teve a ideia de engordá-la até ao limite, levando-a depois ao alto do castelo onde ofereceu a bezerra aos romanos para que estes pensassem que a população ainda tinha muito para comer. A ideia resultou. Acreditando que o cerco acabaria por arrastar-se durante vários dias adicionais, o chefe romano levantou acampamento e levou as suas tropas consigo. A história é hoje lembrada em Monsanto através do lançamento de cântaros do alto da torre como símbolo da resistência dos seus antepassados.
Já na aldeia de Piódão, onde a disposição das suas várias casas de xisto fez com que ficasse conhecida como a “aldeia presépio”, as lendas cruzam-se com a trágica história de amor entre D. Pedro e Inês de Castro. Após o assassínio de Inês, um dos seus carrascos, Diogo Lopes Pacheco, foge para a Beira Alta, procurando refúgio em Piódão para escapar à raiva de D. Pedro. A sua fuga é bem-sucedida e passado algum tempo foge para França onde acaba por ser perdoado pelo rei, já no seu leito de morte. Ainda hoje “Pacheco” é um dos apelidos mais populares na aldeia, pelo que muitos afirmam que possa existir alguma veracidade na lenda.
As trágicas histórias de amor estendem-se ainda até ao magnífico Castelo da Lousã, palco de uma lenda que remonta à época da ocupação árabe. Diz-se que aqui em tempos viveu um rei árabe chamado Arouce que era tão protetor da sua filha Peralta que lhe mandou construir uma fortaleza perdida no meio dos bosques. À medida que os exércitos cristãos iam avançando pelo território, a paz ia desaparecendo. Arouce refugia-se com a sua filha no castelo, agora terminado.
É nesta altura que surge Lausus, um dos líderes cristãos que se apaixona perdidamente por Peralta, que lhe retribui o amor. Sabendo Arouce que Lausus um dia encontraria o castelo em busca de Peralta, decide ir ao seu encontro, confrontando-o diretamente, num combate do qual saiu vitorioso. Ao saber da morte do seu amado, Peralta lançou-se num choro tão prolongado que se diz ainda ser ouvido hoje em dia.
A alma e essência da zona Centro de Portugal é feita de histórias e lendas como estas. Histórias que nos levam numa viagem no tempo e nos fazem sonhar com reis, princesas e cavaleiros e lendas que fazem parte do imaginário das suas gentes, e que dão a quem explora esta zona uma visão romântica sobre as suas origens e património. Conhecê-las é beber a alma de uma das regiões mais encantadoras de Portugal.
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