O Liverpool foi uma das equipas que mais “quebrou” no regresso depois da pandemia. Fez a festa, uma grande festa mas nunca a festa com a grandiosidade que o final de um jejum de 30 anos mereceria. Ainda assim, a verdadeira máquina em forma de rolo compressor que atropelou adversários atrás de adversários não mostrou o mesmo tipo de engrenagem, teve falhas de motor nos últimos metros de corrida e atravessou a meta com 18 pontos de avanço sobre o Manchester City mas sem uma série de recordes que estavam à mão e que ficaram hipotecados com duas derrotas e outros tantos empates nas últimas oito jornadas. Klopp formatou o chip da equipa para ganhar mas teve problemas em reformatar uma versão 2.0 quando tudo estava ganho. Agora, queria limpar o disco.

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“Não vamos tentar defender o título de campeão, vamos tentar atacar o próximo título de campeão. Essa é a verdade, não se pode mudar a abordagem. Foi o que sempre fizemos e não existem razões para mudarmos isso. A motivação nunca será o nosso problema, sei que esta equipa nunca vai parar de tentar. Se somos o adversário a abater? Quando vim para cá fiquei surpreendido pelo significado que um jogo com o Liverpool tinha para as outras equipas, mesmo quando andávamos em sétimo ou oitavo da liga. Já era assim, não penso que sejamos agora um alvo maior”, destacou Jürgen Klopp no lançamento do primeiro jogo e troféu da temporada, a Supertaça, pouco mais de um mês depois do final da época 2019/20. “Se queria jogar um jogo assim depois de duas semanas apenas de preparação? Não. Mas isto não é um particular, é um jogo a sério com o Arsenal. Nós como eles fizemos uma preparação a pensar em toda a temporada, provavelmente uma das mais intensas que já tivemos pela quantidade enorme de jogos em menos tempo, mas não é por isso que queremos ganhar já”.

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Apesar dos condicionalismos, Klopp teve uma vantagem: a equipa pouco ou nada mexeu. Lovren foi vendido aos russos do Zenit, Lallana assinou pelo Brighton, o lateral grego Tsimikas foi a única contratação (Olympiacos). De resto, tudo igual. Os mesmos nomes, os mesmos métodos, os mesmos processos, a dúvida sobretudo a entroncar na capacidade de recuperar a melhor versão da última época e do ponto físico atingido já pela equipa. Questões que se aplicavam também ao Arsenal, que teve a entrada de Willian a custo zero, as confirmações das opções de compra de Pablo Marí e Cédric e nenhuma saída. Também nos londrinos, que tiveram uma espécie de ano 0 com Arteta no comando a meio de 2019/20, o objetivo era ser capaz de chegar ao melhor da última época.

Entre a saída de Unai Emery e a chegada do antigo adjunto de Pep Guardiola, o Arsenal, que manteve a construção errática do plantel que pouco depois do final do mercado de transferências se percebe estar desequilibrado, perdeu o comboio dos primeiros da Premier League – aliás, não fosse o triunfo na final da Taça de Inglaterra frente ao Chelsea e não tinha conseguido a qualificação para as provas europeias. Do meio-campo para a frente, os gunners não ficam atrás dos rivais diretos. Têm literalmente canhões a sério apontados à baliza contrária como Lacazette, Aubameyang ou Pépé. O problema é atrás. Em termos individuais, com demasiados erros que custaram vários dissabores à equipa, e no plano coletivo, a nível de transições e organização. Algo que só com o tempo podia ser solucionado e que terá na época que agora se inicia a resposta à capacidade de contornar um problema estrutural.

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“A vitória na final da Taça de Inglaterra foi uma plataforma grande confiança e crença para a equipa de que somos capazes de desafiar e defrontar as equipas de topo ao nível delas e ganhar. Existe sempre uma forma de ganhar o jogo, temos é de conseguir descobrir onde está. Isso viu-se nas vitórias com o Manchester City e com o Chelsea [nas meias e na final da Taça]. Admito que esse momento foi um clique importante para a equipa e que a partir está com uma confiança maior”, salientou o técnico espanhol, que aguarda ainda por novidades de mercado para a defesa tendo praticamente assegurada a permanência de Aubameyang com renovação e salário melhorado.

Essas acabaram por ser as duas primeiras notas de destaque na Supertaça: inicialmente, a fragilidade do Arsenal nas bolas paradas, com Van Dijk a marcar no primeiro livre lateral mas o lance a ser anulado por posição irregular do defesa holandês com apenas sete minutos (um ponto curioso a este propósito – depois dos 15 golos sofridos em lances de estratégia, Mikel Arteta pediu e recebeu um especialista só para este tipo de momentos); a seguir, toda a qualidade do setor ofensivo e em especial de Aubameyang, que agarrou na bola numa transição, foi fazendo a diagonal da esquerda para dentro e rematou sem hipóteses para Alisson (12′). O Liverpool tinha outro sentido de jogo coletivo mas, até ao intervalo, e mesmo com menos posse, foram os londrinos a beneficiarem das melhores oportunidades, sobretudo uma de Nketiah com grande defesa do brasileiro para canto.

O segundo tempo mudou o jogo. Firmino, num remate em jeito que deu a ilusão de ótica de ter entrado na baliza e não ter passado a rasar o poste, deixou o primeiro aviso, Martínez evitou depois o golo de Sadio Mané isolado na área. O Liverpool aumentou a agressividade, jogou com mais intensidade, ganhou muitos metros ao Arsenal e teve nas entradas de Naby Keita e Minamino o toque decisivo para finalmente chegar ao empate, num lance em que o japonês aproveitou um ressalto no português Cédric (que entrou para o lugar de Bellerín) para marcar o 1-1 (73′) e lançar o campeão para o assalto final ao triunfo, que voltou a ser negado pelo guarda-redes argentino num lance onde Mané recebeu no peito, ajeitou mas não conseguiu sozinho fazer o remate para o golo da reviravolta, levando o encontro para o desempate nas grandes penalidades onde Brewster falhou a terceira tentativa, Cédric não falhou de seguida e Aubameyang fez o 5-4 final em memória de Chadwick Boseman, ator falecido este sábado que ficou conhecido pelos papéis como James Brown em Get on Up ou como protagonista do Black Panther.