Os pilotos portugueses estão muito insatisfeitos com o atendimento que lhes é prestado pela Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), apontando insuficiências com “consequências por vezes graves” na sua vida profissional e pessoal, segundo um inquérito divulgado esta quarta-feira.
“Os resultados indicam que o nível do serviço de atendimento por parte da ANAC aos pilotos está muito aquém das expectativas e necessidades profissionais destes, com consequências por vezes graves na sua vida profissional e pessoal”, conclui a Associação de Pilotos Portugueses de Linha Aérea (APPLA) com base nas 431 respostas ao inquérito que promoveu entre 13 de setembro e 09 de outubro de 2019, embora a entidade refira que “os problemas que o mesmo ilustra vieram apenas agravar-se no contexto atual”.
Num relatório a que a agência Lusa teve acesso, a APPLA refere que os dados recolhidos “demonstram um nível de insatisfação muito marcado entre os elementos desta classe profissional, com impactos diversos e profundos na capacidade de os mesmos exercerem a sua atividade profissional”.
“De forma colateral – acrescenta – esta problemática acarreta também consequências económicas e logísticas para as empresas onde os pilotos desempenham a sua atividade profissional, nomeadamente através de indisponibilidade para a atividade de voo e/ou de treino/verificação recorrente em simulador e/ou avião”.
A agência Lusa contactou a ANAC para que comentasse o relatório, aguardando ainda uma resposta por parte desta entidade.
Manifestando “séria preocupação” com os resultados obtidos, a associação considera ser “da maior necessidade o início de um trabalho de fundo que permita à ANAC a melhoria substancial e imediata do nível de serviço prestado no atendimento a pilotos, sob pena de comprometer o desempenho profissional dos próprios e das respetivas empresas”.
A ANAC é a autoridade nacional em matéria de aviação civil, exercendo funções de regulação, fiscalização e supervisão do setor. As suas competências passam por licenciar, certificar, autorizar e homologar as atividades, procedimentos, entidades, pessoal, aeronaves, infraestruturas, equipamentos, sistemas e demais meios afetos à aviação civil, assim como definir os requisitos e pressupostos técnicos subjacentes à emissão dos respetivos atos.
Destinado a “avaliar de forma objetiva, isenta e sustentada o desempenho da ANAC no despacho dos assuntos profissionais dos pilotos, nomeadamente no que concerne à excessiva dificuldade em contactar alguns dos serviços, obter esclarecimentos e ter os assuntos atempadamente resolvidos”, o inquérito foi realizado “na sequência do ‘feedback’ dos associados da APPLA em relação à excessiva dificuldade de contacto e despacho dos diversos assuntos profissionais, em particular nos últimos dois anos anteriores à pandemia covid-19”.
Este foi, recorda, “um período caracterizado por um rápido crescimento da operação aérea nos aeroportos nacionais e da TAP Air Portugal em particular”, mas o facto é que, apesar da posterior quase paralisação da atividade devido à pandemia, os problemas reportados se agudizaram.
“Apesar de o inquérito se ter desenvolvido no período que antecedeu a pandemia, os problemas que o mesmo ilustra vieram apenas agravar-se no contexto atual, desta feita não devido a um crescimento de operação, mas antes pela diminuição de recursos disponíveis, bem como pelas necessidades inerentes às prorrogações entretanto concedidas”, refere a associação.
Para a APPLA, dadas as restrições sentidas nos dois primeiros trimestres de 2020, foi decidido só agora divulgar o relatório, sendo que “o agravamento sentido, por si só, mais do que justifica a divulgação no atual momento de crise vivido pela indústria aeronáutica”.
Na base dos principais problemas apontados pelos pilotos na atuação da autoridade aeronáutica nacional a associação considera estar a “falta de recursos humanos e materiais para a atempada resolução das necessidades”, “falta de rigor e de conhecimentos específicos dos profissionais envolvidos, levando à incoerência na gestão dos processos, perda de documentação e/ou resolução lenta” e “falta de capacidade para prestação de esclarecimentos básicos e atendimento por todas as vias: presencial, telefónica e ‘e-mail'”.
A estas carências junta-se uma “fraca cultura de serviço direcionado ao cliente, manifestada por um horário de funcionamento reduzido, ainda assim pouco respeitado, e tratamento preferencial de casos com base em conhecimentos pessoais, possibilitada pela inexistência de uma efetiva monitorização da qualidade de serviço”.
No relatório hoje divulgado, a APPLA avança um conjunto de recomendações à ANAC, nomeadamente “dotar os seus serviços de capacidade de resposta adicional para fazer face às necessidades e dar resposta em tempo útil”; “investir na correta formação dos seus colaboradores nas áreas de atendimento ao público, […] tanto no atendimento direto como telefónico (dedicado) e via ‘e-mail’; e sensibilizar os colaboradores para o “cordial tratamento de todos os utentes e adoção de uma postura de simplicidade e perseverança na busca pela resolução dos problemas”.
A associação aconselha ainda a autoridade aeronáutica a “definir métricas e objetivos de qualidade de serviço adequados”; “dispor de uma plataforma eletrónica integrada que permita ao utente identificado um acesso seguro a informações pessoais-profissionais, solicitação de documentos e/ou renovação, bem como acesso a legislação atualizada da atividade aeronáutica” e “implementar um processo de provedoria que possibilite a monitorização confidencial do desempenho dos seus funcionários com base nos relatos, anónimos ou identificados, dos utentes”.
Manifestando “total disponibilidade e interesse em colaborar neste processo de mudança”, a APPLA salienta que o objetivo é “instalar níveis adequados” de prestação de um serviço que diz ser “fundamental para os pilotos e o setor do transporte aéreo em geral”.