Por várias vezes, aqui no Observador, chamámos a atenção para o facto de os consumos e emissões dos veículos híbridos plug-in (PHEV) excederem os valores anunciados em condições reais de utilização. Isto porque o método de homologação europeu prevê medições nos primeiros 100 km, partindo sempre com a bateria que assegura a locomoção em modo eléctrico completamente carregada. Sucede que esse pressuposto protocolar tem vindo a ser colocado em causa com diversos estudos a evidenciarem que não abundam as vezes em que os proprietários desse tipo de veículos recarregam o acumulador, pelo que as despesas da locomoção ficam basicamente por conta do motor a combustão, com o consequente desvio no consumo e nas emissões. A partir de Janeiro do próximo ano, a União Europeia tem previsto começar a controlar os consumos reais dos PHEV e isso afigura-se um “pesadelo” para os fabricantes de automóveis que, até agora, tinham neste tipo de motorização um expediente eficaz para incrementar a potência, por um lado, e, por outro, baixar as emissões para valores (ridiculamente) baixos.

Convenhamos que é pouco crível que, em condições reais de utilização, o condutor de um Porsche Cayenne E-Hybrid, por exemplo, gaste apenas 3,9 l/100 km com as correspondentes emissões de CO2 de 88g/km, até porque se trata de um SUV (pesado) com 462 cv de potência combinada, sendo que em modo eléctrico percorre apenas à volta de 40 km. Uma vez descarregada a bateria, concluíram os ambientalistas alemães, as emissões chegam a atingir 499 g/km, se activado o mais desportivo dos modos de condução (Sport Plus).

Alemanha. Ambientalistas declaram guerra aos PHEV

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Apontando para a tremenda discrepância entre os valores de homologação e os apurados em condições reais de utilização, os alemães declararam guerra aos PHEV, exigindo que se extingam de imediato os benefícios fiscais e as ajudas governamentais de que este tipo de modelos usufruem. Estímulos esses que explicam a sua crescente popularidade entre os consumidores, pese embora não haja forma de “obrigar” os proprietários a, efectivamente, recarregar a bateria, para assim justificar os apoios de que beneficiaram com o pressuposto de que poluiriam menos nas suas deslocações.

Em nome de uma melhor qualidade do ar que se respira, o Reino Unido junta-se à luta e prepara-se para impedir a comercialização de qualquer tipo de híbrido já em 2030. Ora, muito antes disso, a União Europeia vai tratar de equilibrar os pratos da balança.

Fora com híbridos e PHEV em 2030. Ingleses apertam com emissões

O arranque do próximo ano trará novas preocupações para os construtores de automóveis, na medida em que a UE vai começar a apurar os consumos/emissões reais dos veículos, recorrendo a um sistema de monitorização a bordo de cada um deles. A ideia é verificar até que ponto os valores homologados em WLTP e anunciados pelos fabricantes correspondem à realidade ou são quase uma “fantasia”.

Para tal, os novos modelos têm de estar equipados com hardware e software que permita enviar automaticamente e de forma anónima – o utilizador nem se apercebe – os dados relativos ao consumo, bem como distância percorrida, velocidade, entre outros.

Qual é a ideia da União Europeia?

A partir do próximo ano, todos os novos veículos ligeiros equipados com motor de combustão, motor eléctrico e bateria recarregável a partir da rede começam a ser triados pelo crivo da realidade de utilização. Ou seja, à excepção dos modelos movidos a GPL ou a GNC, todos – incluindo os PHEV – serão escrutinados para detectar desvios entre o que anunciam e o que efectivamente consomem e, por tabela, emitem. Para tal, é exigido aos fabricantes que o dispositivo de monitorização que integram no veículo – abreviado como OBFCM, de On-board fuel and/or energy consumption monitoring device – deve fornecer os valores mais precisos que podem ser obtidos através do sistema de medição e de cálculo da unidade de controlo do motor.

Com esta regulamentação, pretende-se que soem os alertas em caso de um desvio significativo dos dados. Ora, onde é que se espera que disparem os alarmes? Nos PHEV. Perante este quadro, os construtores insurgem-se e apontam o dedo ao sistema. É que, em caso de desvio considerável entre os dados anunciados e os dados colectados pela UE, é suposto ser apurada a razão do desfasamento. Ora, os fabricantes de automóveis são os primeiros a saber que, nos híbridos recarregáveis, a diferença entre a homologação e a realidade de utilização pode ser várias vezes superior (entre 5 e 10) se a bateria não for recarregada. Mesmo sendo, como até os modos de condução vão entrar na equação da instância de supervisão directa europeia, é mais do que certo que os PHEV prenunciam um pesadelo. Alegam as marcas que o perfil de condução lhes escapa ao controlo, bem como o “dever” de o condutor recarregar o acumulador para tirar o máximo partido da electrificação de veículo que adquiriu. Não o fazendo, os consumos aumentam e as emissões de CO2 também, o que pode abrir a porta a novas disposições políticas, desde a aplicação de qualquer imposto “personalizado”, sob o princípio do poluidor/pagador, à retirada dos incentivos e benefícios fiscais de que os PHEV usufruem, passando pela correcção das emissões anunciadas – neste caso, em claro prejuízo da média do fabricante, o que o exporia a multas.

De acordo com o relatório final de “preparação para a recolha e monitorização dos consumos em condições reais de utilização”, elaborado pela Ricardo – Energy & Environment para a Comissão Europeia, “o mais tardar até 1 de junho de 2023”, a Comissão deve avaliar até que ponto os dados de consumo (combustível/energia) podem ser usados para garantir que a homologação em WLTP é condizente com as emissões reais para cada fabricante. O mesmo documento nota que o “público deve ser informado” e que anualmente, entre 2021 e 2026, deve ser produzido um relatório que permita avaliar como é que as discrepâncias estão a evoluir. Com base nisso, a Comissão Europeia deverá ponderar a viabilidade de um “mecanismo para ajustar as emissões específicas médias de CO2 de cada fabricante a partir de 2030″.