Durante cinco dias, Londres reanimou uma indústria à beira da estagnação. As perdas decorrentes da pandemia avolumam-se e a segunda vaga do novo coronavírus dificulta a vida até aos mais otimistas. Na vanguarda de uma semana da moda que reflete o corrente contexto, mas que também se reinventa no formato e tenta contornar a distância física, foi a Burberry, o maior dos pesos pesados da moda britânica, a dar início ao calendário.
Riccardo Tisci e a sua equipa foram para Buckinghamshire, cenário campestre a partir do qual transmitiram em direto a apresentação de “In Bloom”, a coleção para o próximo verão, longe do habitual formato de desfile. Sem público, os trajetos labirínticos dos manequins por entre as árvores do bosque inglês culminaram num grand finale — momento performático, orquestrado pelas artistas Anne Imhof e Eliza Douglas.
Dispostos em semicírculo, com fumo cor de laranja no ar e um corpo de bailarinos a encenar uma espécie de ritual, a marca correu o risco de, com o momento, ofuscar a própria coleção, onde estabeleceu uma ligação íntima com a natureza, mas também com um pó de mitologia — do azul do oceano aos cristais prateados que remeteram para as caudas de sereias, passando pelas peças robustas, em laranja néon, que não são mais do que fardas de faroleiros reinterpretadas por Tisci.
O momento protagonizado pela Burberry foi híbrido, a meio caminho entre o desfile convencional e uma nova leva de peças cinematográficas com as quais se mostra uma coleção ao mundo. Em estúdios ou nas ruas, com maior ou menor foco na roupa, nomes como Vivienne Westwood, Simone Rocha e Halpern deram a volta ao texto e produziram. Esta última deu voz a uma série de histórias no feminino pequenas histórias, com a coleção em segundo plano.
Por outro lado, há marcas e designers que veem a velha catwalk como um formato seguro, estrutura intocável que, mesmo sem filas de cadeiras à volta ou um batalhão de fotógrafos no final, deve ser preservada em tempos incertos. A Erdem voltou ao campo depois de, há precisamente um ano, ter montado uma passerelle ladeada pelas árvores de um jardim tipicamente inglês. Em Epping Forest encontrou um novo e privilegiado cenário. Lord Nelson, a moda cunhada pela corte de Napoleão e “The Volcano Lover”, romance de Susan Sontag, foram os ingredientes de uma receita invariavelmente romântica.
“As limitações podem ser libertadoras. Ao trabalharmos remotamente nesta coleção, reagimos de forma espontânea, fomos instintivos” — as palavras de Victoria Beckham antecederam o desfile da marca homónima, numa galeria de arte londrina. Ecletismo e liberdade foram as palavras usadas para descrever uma coleção que incluiu blazers e calças de ganga à boca de sino, mas também trench coats, longos vestidos de seda, animal print e aplicações em renda. Numa sala branca e vazia, colorida por obras de arte, houve uma exclusiva e reduzida guest list: o clã Beckham.
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O futuro da moda por Marta Marques e Paulo Almeida
Portugal voltou a fazer-se representar. No último sábado, a dupla Marques’Almeida usou o seu lugar no calendário londrino para oficializar uma estratégia mais consciente e ambientalmente responsável para a marca. Depois da reM’Ade, a linha de vestuário produzido com stocks parados de tecidos e materiais reciclados, os criadores portugueses anunciaram o nascimento da Fundação M’A, através da qual pretendem contribuir para a capacitação de iniciativas e investimentos de responsabilidade social e ambiental.
“SEE-THROUGH”, a publicação criada para dar voz aos nomes que fazem da moda uma indústria mais transparente, também viu o primeiro número ser lançado no passado fim de semana. Uma performance de dança transmitida em direto, com André Cabral, assinalou o momento.
“Não quisemos lançar uma coleção, mas falar sobre a mudança que tem de acontecer e que passa por criar roupa que traga soluções e não tendências”, afirmou Marta Marques à revista Vogue. A marca prepara-se para lançar uma pequena coleção entre o final deste mês e o início de outubro, contudo Marta e Paulo falam em prioridades redefinidas e em novas regras que vão ditar o produto moda da Marques’Almeida daqui em diante — dialogar com fabricantes de forma a garantir um pagamento justo, intensificar o controlo dos tecidos usados para interditar o uso de fibras à base de petróleo, a não ser que sejam recicladas, e lançar menos coleções para o mercado fazem parte dos planos para o futuro.
Quem também passou pela plataforma londrina foi Constança Entrudo. No vídeo “The Garden Of Forking Paths”, a designer levantou o pano sobre a sua coleção para o próximo verão, com apresentação marcada para o segundo dia da próxima edição da ModaLisboa.
A Semana da Moda de Londres terminou na passada quarta-feira. O roteiro internacional da moda segue para Milão onde, até dia 28 de setembro, se esperam as apresentações de marcas como Fendi, Missoni, Dolce & Gabbana, Versace, Giorgio Armani e Valentino, mas também dos portugueses Alexandra Moura e Miguel Vieira.