O tom não é negocial. Depois de ter estado, na manhã desta quarta-feira, reunido com o primeiro-ministro em São Bento para negociar o Orçamento do Estado, o PCP marcou para esta tarde uma conferência de imprensa para dar conta de duas coisas: primeiro, que o PCP está com um pé dentro da discussão do Orçamento para responder aos problemas do país e não para responder à ‘chantagem’ da crise política que tem o “alto patrocínio” de Marcelo e Costa; e, depois, que o PCP tem uma longa lista de medidas para dar essa “ampla” resposta à crise. Não é uma, nem duas nem três, porque a crise não se resolve só com duas ou três coisas, mas sim 47.
João Oliveira enumerou-as uma por uma na conferência de imprensa desta tarde no Parlamento. Da defesa dos salários e direitos dos trabalhadores, passando pelo reforço dos serviços públicos, reforço do investimento público e controlo público de empresas estratégicas, culminando na maior proteção social e distribuição mais justa da riqueza, nenhuma é linha vermelha para o Orçamento, assim como nenhuma em particular serve para chumbar OE se não for atendida. Ou seja, não se trata de uma negociação de mercearia, nem sequer a palavra “negociação” foi proferida durante toda a conferência de imprensa. É esta a postura negocial do PCP: tem um caminho definido para melhorar o país, se o Governo for ao seu encontro, muito bem. Mas isso, disse João Oliveira, só se vai saber no fim. Não é tempo de falar de avanços ou recuos nas negociações.
“O que estamos a fazer hoje é a dar conhecimento público de questões pelas quais nos estamos a bater no Orçamento do Estado, como sempre fizemos no passado. Mas o que vai ter seguimento ou não depende da consideração que o governo vier a fazer”, começou por dizer quando questionado sobre se o PCP já tinha conseguido algum ganho de causa nestas matérias. Quanto a isso, o PCP desconfia, e espera para ver. “A experiência deve levar-nos a ter cautelas em anúncios sobre a inscrição de determinada medida no Orçamento, porque já tivemos momentos em que uma coisa era dada como adquirida e depois não ficou inscrita”, disse. A experiência exige “cautela”. Por isso, definição do sentido de voto no Orçamento, tanto na generalidade como na votação final, o PCP só decidirá quando vir o texto final. No último orçamento, que foi um orçamento suplementar devido à pandemia, o PCP começou por se abster dando o benefício da dúvida, mas no fim votou contra.
“A avaliação e o posicionamento do PCP sobre a proposta de Orçamento do Estado serão determinados em função da sua correspondência com a resposta que é necessária e pela qual o PCP se bate”, disse João Oliveira. Ou seja, tudo em aberto. O PCP não está amarrado a um orçamento apenas e só para evitar uma crise política.
PCP contra “crises política artificiais” com o “alto patrocínio” do Presidente e do primeiro-ministro
Crise política que, de resto, os comunistas dizem ser apenas “artificial” e uma espécie de chantagem do Governo e do Presidente da República para que PCP e BE se sintam pressionados a entrar no barco. O argumento é o de que, se não o fizerem, vão ser vistos como forças políticas irresponsáveis que não estiveram lá para resolver problemas causados em grande medida por uma pandemia.
“Este conjunto de medidas mostra que o PCP conta para se encontrarem soluções para o país independentemente dos altos patrocínios de crise política promovidos pelo chefe de Estado e pelo chefe de Governo”, disse João Oliveira, deixando claro que o PCP não se vai deixar pressionar por isso, e que só viabiliza o Orçamento se o Governo der uma resposta ampla e concreta aos problemas do país na linha que o PCP entende ser a adequada: uma resposta de políticas contra-cíclicas, sem compressão de direitos, e com incentivos ao rendimento e direitos dos trabalhadores.
O caderno de encargos do PCP está apresentado, é longo e transcende o Orçamento do Estado. Vai desde o “aumento geral dos salários, incluindo o salário mínimo nacional, à revogação das normas gravosas da legislação laboral, incluindo a caducidade da contratação coletiva e os bancos de horas”, passando pela “combate à precariedade laboral”, pela “contratação de trabalhadores para reforço dos serviços públicos”, pela “recuperação do controlo público sobre empresas e setores estratégicos” e culminando na necessidade de dar seguimento às medidas já aprovadas no OE 2020 e no suplementar que ainda estão em banho-maria.
“Se o Governo diz que quer dar uma resposta diferente da que foi dada no passado, se diz que não pode ser através da compressão de direitos, e que tem de ser contra-cíclica e com opções de favorecimento do rendimento, então esperamos do Governo que o discurso bata certo com a prática e as opções tomadas”, disse. Mas o PCP espera para ver.