Há partes da proposta de Orçamento do Estado para 2021 que em vez de números têm vários xis. Os erros chegam, aliás, à mais alta figura do Estado: a dotação orçamental da Presidência da República duplicada por engano. Além dos lapsos há outras curiosidades: na área do ambiente os linces, os lobos ibéricos, as aves necrófagas continuam a ser uma preocupação. Na cultura, o Estado vai continuar o plano para adquirir arte contemporânea. Isto tudo num orçamento “Animal Farm”, onde os animais ganham um provedor e alguns milhões para novos abrigos. Mas há mais a saber: o município do país que recebe menos dinheiro é o Corvo e, só com a Presidência Portuguesa da União Europeia, o Ministério dos Negócios Estrangeiros vai gastar 41 milhões de euros em 2021. Veja aqui as curiosidades e outras contas laterais do Orçamento do Estado para 2021.

A maior curiosidade: as despesas X milhões do OE

Tal como no ano passado, a proposta de Orçamento do Estado apresenta várias gralhas, mas desta vez algumas delas têm a mesma configuração — em vez do valor, o relatório da proposta governamental apresenta simplesmente um “x”. No caso da Saúde, o Governo escreve que, “em 2021, a dotação orçamental do SNS será reforçada em cerca de X milhões de euros face ao orçamento anterior”.

Há ainda duas omissões de valores no capítulo referente às autarquias. Primeiro, “o Governo propõe aumentar o valor das transferências para as autarquias locais em X% face ao ano anterior, totalizando X milhões de euros”.

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Depois, no âmbito da descentralização de competências, também há uma referência a uma “transferência de um valor superior a X milhões de euros para financiar as competências da administração direta e indireta do Estado, que passam a ser asseguradas pela administração local nas áreas da educação, saúde, cultura e ação social, estando já todos os diplomas setoriais publicados”.

Presidência com dotação duplicada (por engano). “Infelizmente”, diz PR

Foi mais um erro do Orçamento e logo com a primeira figura da hierarquia do Estado. A dotação orçamental prevista para a Presidência da República no mapa IV da proposta de lei do Orçamento para 2021 estava nos 32,6 milhões de euros, o que significaria o dobro do que Belém tinha recebido em 2020. No entanto, tudo não passou de um erro. A equipa do Ministério das Finanças duplicou o valor orçamentado para a Presidência da República que, na verdade, é sensivelmente o mesmo do que estava previsto no orçamento anterior: 16,8 milhões de euros.

A Presidência da República emitiu mesmo uma nota esta terça-feira a esclarecer que “não há qualquer aumento de despesas para 2021”. Na nota, a Presidência da República escreveu mesmo que “infelizmente, a proposta de lei do Governo contém um erro no novo mapa de classificação orgânica em que os montantes são praticamente duplicados, o que acontece também com outras entidades”.

Medida musculada: Gastos em ginásios vão poder ser deduzidas no IRS

Uma das novidades do Orçamento é que o Governo vai incluir as despesas dos ginásios na lista de atividades que são possíveis deduzir no IRS. A dedução permite abater 15% do IVA suportado por qualquer elemento do agregado familiar em despesas como “manutenção e reparação de automóveis ou motos, salões de cabeleireiro e institutos de beleza, veterinários, alojamento e restauração é também estendido a “atividades de ginásio — fitness“, bem como atividade de “ensinos desportivo e recreativo” e “atividades dos clubes e recreativo”.

Corvo a autarquia com menos transferências do OE

Na proposta de Orçamento do Estado para 2021 é possível ver quanto é que foi transferido para cada município. O “bolo total”, já se sabia desde domingo, será superior a 3 mil milhões de euros, mas agora há uma tabela onde é possível verificar quanto vai para cada município. Os valores estão, naturalmente, relacionados com a população, embora também estejam em causa outros fatores. A autarquia que tem menos transferências do Orçamento do Estado é o Corvo (1 945 009 euros), município escolhido pelo Presidente da República para a passagem de ano. No outro oposto, como autarquia que recebe um valor maior em transferências do Orçamento do Estado está Sintra, com um valor de 43 176 865 euros. Lisboa vai receber um valor muito próximo desse (42 314 208 euros), enquanto o Porto se ficará por transferências de 33 268 997 euros.

A título de exemplo a Póvoa de Varzim vai receber transferências de 10 049 475 euros, Salvaterra de Magos de 7 413 234 euros, Almada no valor de 18 200 087 euros e Idanha-a-Nova no valor de 14 531 728 euros.

Pôr a pata no Orçamento: 4,4 milhões para abrigos  

A proposta de Orçamento do Estado prevê que sejam transferidos cerca de 5,15 milhões de euros para as autarquias para a melhoria do bem-estar animal, dos quais 4,4 milhões de euros terão de ser investido em “centros de recolha oficial e no apoio para melhoria das instalações das associações zoófilas legalmente constituídas”. Os restantes 750.000 euros terão de ser 600.000 euros para “apoiar os centros de recolha oficial de animais nos processos de esterilização de animais” e 150.00 para campanhas destinadas a “sensibilizar para os benefícios da esterilização”. Além disso, propõe-se que além das câmaras municipais, as juntas de freguesia também tenham de “implementar planos plurianuais de promoção do bem-estar animal, em articulação com os serviços municipais e as associações locais de proteção animal”.

A proposta de lei do Orçamento do Estado prevê ainda que o Governo crie um “regime jurídico do provedor do animal“. De acordo com o documento “o provedor do animal deve constituir-se enquanto órgão unipessoal, autónomo, desprovido de competências executivas e ter como missão a defesa e prossecução dos direitos e interesses dos animais”.

Presidência portuguesa da UE custa 41 milhões de euros em 2021

Um dos grandes desafios da diplomacia portuguesa no próximo ano é a presidência portuguesa da União Europeia, que ocorre no primeiro semestre de 2021. O Ministério dos Negócios Estrangeiros vai receber um extra de 41 milhões de euros para preparar a presidência do Conselho da UE, dos quais ser 29,8 milhões de euros para aquisições de bens e serviços da estrutura de missão criada para o efeito. Estes 41 milhões de euros somam-se aos 23 milhões de euros que já constavam do Orçamento para 2020, o que aumenta os gastos para cerca de 64 milhões de euros.

A Conferência dos Oceanos — organizada no âmbito das Nações Unidas e que devia ter-se realizada em 2020 — foi adiada para 2021 e vai custar 3 milhões de euros. Para a AICEP serão transferidos 19,4 milhões de euros, dos quais 9 milhões serão direcionados para o Turismo de Portugal e para a participação portuguesa na Expo Dubai.

A arte contemporânea, os lobos e as aves necrófagas

No relatório do Orçamento do Estado para 2021, o Governo propõe-se a continuar a “consolidar” o papel da Comissão para a Aquisição de Arte Contemporânea para que continue o “reforço” feito ao longo dos últimos dois anos para a compra de obras.

Já no âmbito da conservação da natureza, à semelhança de outros anos, o Governo diz que deverá ser “assegurada a continuidade das ações estratégicas, com destaque para o “nível da reintrodução do lince ibérico, o regime de proteção do lobo ibérico e o plano de ação para a conservação das aves necrófagas“.

Mais uma curiosidade: num relatório de Orçamento do Estado em tempo de pandemia, a palavra “Covid-19” é referida em 97 páginas e a “pandemia” referida em 89 páginas.

*Com Vítor Rodrigues Oliveira