O presidente do Tribunal de Última Instância (TUI) de Macau defendeu esta quarta-feira que o regime jurídico do território, inspirado no português, com “outra ética moral”, deve ser repensado, 21 anos após regressar à administração chinesa.

“Este ano comemora-se o 21.º aniversário do Retorno de Macau à pátria [China], e a implementação da política de ‘Um País, Dois Sistemas’ no território entrou numa fase intercalar”, começou por lembrar Sam Hou Fai, no discurso realizado durante a sessão solene de abertura do ano judiciário.

Cumpre-nos não só refletir sobre as experiências bem-sucedidas e as deficiências verificadas na aplicação da política de “Um País, Dois Sistemas’ em Macau, como também analisar e estudar atentamente os desafios e problemas enfrentados durante a aplicação do sistema jurídico (…) que, por motivos históricos, se inspirou no sistema de Portugal”.

Por um lado, salientou, “Portugal, sendo um país do continente europeu, diverge consideravelmente em ética moral, conceção de valores, usos e costumes, património cultural e muitos outros aspetos de Macau, uma região do Oriente com uma história e cultura próprias de milhares anos e onde a grande maioria da população é de etnia chinesa”.

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Por outro, prosseguiu, “é difícil transpor o sistema que vigorava num país distante, com mais de dez milhões de habitantes e uma extensão territorial próxima de 100 mil quilómetros quadrados, para uma jurisdição de dimensão reduzida, (…) numa Região Administrativa Especial da República Popular da China com uma população de cerca de 600 mil habitantes e com uma área territorial de apenas 32 quilómetros quadrados”.

Conclusão do presidente do TUI: “Essas disparidades merecem a nossa atenção na elaboração e aplicação de lei, e devem ser encaradas com imensa cautela”.

Sam Hou Fai dá como exemplo o regime de impedimentos que vigora no âmbito do Direito Público, “estabelecido com vista a assegurar a imparcialidade e justiça, além de evitar o tráfico de influências.

Para o presidente do TUI, este regime pode fazer sentido “vigorar numa jurisdição de grande dimensão”, mas “levanta problemas sérios e notórios numa sociedade pequena” como a de Macau, “onde a grande maioria da população, sendo de etnia chinesa, que valoriza muito o relacionamento interpessoal” e “muitas vezes assente numa comunidade associativa onde os habitantes em geral têm relações próximas e interesses cruzados”.

O juiz salientou que há uma média anual de 60 funcionários públicos a violar a lei penal, cometendo crimes como o abuso de poder, o peculato, a corrupção passiva para ato ilícito, a prevaricação e a violação de segredo.

E não foram raros os casos em que, embora estando em causa os seus interesses próprios ou interesses dos seus familiares, amigos ou colegas, o funcionário não só se absteve de declarar o seu impedimento, como ainda procedeu ao tráfico de influências”.

Isto para concluir que em Macau, “para se salvaguardar a imparcialidade e a justiça, o cumprimento da lei tem de ser mais rigoroso” e deve-se “exigir critérios mais elevados”.

Após mais de 400 anos sob administração portuguesa, Macau passou a ser uma região administrativa especial da China em 20 de dezembro de 1999, com um elevado grau de autonomia acordado por um período de 50 anos, com elevado grau de autonomia, a nível executivo, legislativo e judiciário, com o Governo central chinês a ser responsável pelas relações externas e defesa.