O fim da isenção do imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) para as centrais de cogeração que usam gás natural é uma das medidas propostas no Orçamento do Estado para 2021, em nome da transição energética. Depois de penalizar as centrais a carvão e a gás natural, o Governo quer estender o imposto petrolífero à cogeração (processo usado por empresas industriais para produzir energia) que usa gás natural e que até agora estava isenta.

A medida deixa de fora as maiores unidades de cogeração que estão inseridas em empresas que já são obrigadas a comprar licenças no mercado europeu do carbono e que por essa via já suportam na fatura o recurso a combustíveis fósseis. Mas apanha as unidades de cogeração mais pequenas instaladas em indústrias com grande componente exportadora e que são essencialmente pequenas e médias empresas, adiantou ao Observador o presidente da comissão executiva da Cogen (Associação Portuguesa para a Eficiência Energética e Promoção da Cogeração). As principais afetadas são indústrias que, para além de exportadoras, são também fortes criadoras de emprego em setores tão diversificados como o alimentar, o têxtil, a cerâmica ou o automóvel, refere Miguel Gil Mata.

Em causa está o pagamento de 20% do imposto petrolífero sobre o gás natural usado nas unidades de cogeração, até agora isentas, e do adicionamento sobre as emissões de CO2 (de onde virá, aliás, a maior fatura) previsto para 2021 para estas unidades, uma percentagem que irá subir nos anos seguintes até 50% em 2024. Trata-se de um “ónus significativo” que afeta a competitividade destas empresas. A Cogen questiona a oportunidade do fim da isenção que chega numa altura em “que as empresas estão fragilizadas” pela conjuntura económica.

A “preocupação” foi logo manifestada ao Governo através de uma carta enviada ao ministro da Economia, que tem a tutela geral da indústria, e com quem a associação tem mantido um diálogo institucional. O agravamento dos impostos sobre o uso de combustíveis é uma iniciativa do Ministério do Ambiente, que tem a tutela da energia.

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Gil Mata admite que o agravamento fiscal possa atingir entre 80 a 100 empresas que têm cogerações com potência de queima de gás até 20 MW, o que pode corresponder a capacidade de produção de 5 MW de eletricidade.

O presidente da Cogen alerta que esta penalização fiscal nem sequer funcionará como incentivo a uma transição para a energia renovável, porque para a maioria destas empresas essa não é uma alternativa viável ou até possível. Ao contrário do que sucedeu quando foi feita a conversão do fuel para o gás natural, mais eficiente e com menos emissões.

A cogeração é uma tecnologia que permite combinar a produção de eletricidade, a partir sobretudo de gás natural, e de calor que é necessário para processos industriais. Desse ponto vista, assinala, é um processo que permite potenciar a eficiência energética, até porque as empresas consomem a energia que produzem e só vendem o excedente à rede. E ainda que exista a possibilidade tecnológica de usar combustível renovável nesse processo, como a biomassa, esta opção – para além de ser mais cara – exige investimentos e acesso a matéria regular a matéria prima, não constituindo, por isso, uma opção para a maioria das empresas industriais, sublinha.

As unidades de cogeração estão inscritas na produção em regime especial de eletricidade, o que lhes garante o pagamento de um sobrecusto financiado pelas tarifas elétricas. No entanto, o regime que permitia às empresas obter ganhos relevantes com este mecanismo foi alterado, nomeadamente ao estabelecer que a energia produzida seria para autoconsumo, vendendo apenas o excesso, a preços mais elevados, à rede.

A maioria destes contratos estão em fase de phasing out (fim de contrato) e o presidente executivo da Cogen refere que o aumento dos custos fiscais com a produção de eletricidade nestas unidades de cogeração não é compensado com preços mais altos na venda da eletricidade que produzem. A associação já pediu à secretaria de Estado da Energia uma revisão do quadro jurídico e fiscal aplicado ao setor, sem penalizar os custos do sistema elétrico.