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“Se estas salas não forem protegidas, desaparecem". Os clubes de música ao vivo não abriram as portas, mas tiveram filas em protesto

Este artigo tem mais de 3 anos

Milhares juntaram-se à entrada de espaços que não têm programação musical desde março. Pediram apoio das Câmaras e do Governo face a "custos mensais que levam à falência".

"Estes espaços não têm condições para funcionar desde março, só conseguem abrir com condições que não permitem que os negócios sejam sustentáveis"
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"Estes espaços não têm condições para funcionar desde março, só conseguem abrir com condições que não permitem que os negócios sejam sustentáveis"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

"Estes espaços não têm condições para funcionar desde março, só conseguem abrir com condições que não permitem que os negócios sejam sustentáveis"

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Estava anunciada como uma manifestação sob a forma de fila e foi isso mesmo que aconteceu. Sem grande aparato, com quase todos os participantes de máscara e a dois metros de distância, a performance que este sábado à tarde teve lugar em diferentes cidades do país.

E, Lisboa, à porta da discoteca Lux-Frágil, a demonstração serviu para sublinhar reivindicações dos últimos meses de casas noturnas que operam em simultâneo como discotecas, salas de concertos e de outros eventos artísticos — e que desde março não podem funcionar normalmente devido às regras de contingência da Direção-Geral da Saúde e do Governo face ao coronavírus.

Com duração de duas horas, das 15h00 às 17h00, foi a primeira ação pública do Circuito, uma recém-criada associação de 27 espaços noturnos do continente e das ilhas, liderada pelos responsáveis do Lux, do MusicBox (Lisboa) e do Maus Hábitos (Porto). Aliás, a manifestação decorreu em simultâneo à porta do Maus Hábitos e também do Carmo 81, em Viseu, e da Sociedade Harmonia Eborense, em Évora.

Na capital, estiveram cerca de 1.500 pessoas, entre clientes, músicos, DJs, agentes e técnicos. “Tínhamos de escolher um só sítio em cada cidade e o Lux, aqui em Lisboa, pareceu-nos óbvio, nem ofereceu discussão, porque costuma ter filas à porta nos dias normais de funcionamento e é um espaço emblemático, um dos clubes de referência da cidade e do país”, justificou Gonçalo Riscado, porta-voz do Circuito e diretor do MusicBox.

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“Pela sobrevivência das salas de programação de música. Por todo o ecossistema de música ao vivo. Para que possamos novamente aplaudir e celebrar a música e a arte" foram as palavras de ordem

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

As pessoas alinharam-se ao longo de quase três quilómetros: da porta do Lux, em Santa Apolónia, até ao Terminal de Cruzeiros B, no Jardim do Tabaco, sob o olhar de vários agentes da PSP — dois deles fizeram até questão de tirar uma fotografia ao lado de Manuel João Vieira, ali na qualidade de músico e de proprietário da casa noturna Titanic Sur Mer. A raridade de uma fila tão longa deixou indiferentes os sem-abrigo que se acumulam em meia dúzia de tendas junto à discoteca, mas intrigou turistas que por ali passavam. Duas inglesas perguntaram se era uma fila para algum concerto e fizeram um ar compreensivo perante as explicações.

Os participantes eram convidados a usar auscultadores para seguirem em direto na internet uma emissão de streaming com locução de Pedro Ramos, música de vários géneros e depoimentos gravados de profissionais da música. Falaram por exemplo Afonso Rodrigues, vocalista de Sean Riley & the Slowriders, e Catarina Salinas, vocalista de Best Youth.

Elementos da organização eram facilmente identificáveis pelas t-shirts pretas com letras brancas onde se lia o hashtag que deu nome à manifestação: #aovivooumorto. Distribuíram garrafas de água e panfletos com instruções (“mantém a distância de dois metros” e “usa máscara”) e palavras de ordem: “Pela sobrevivência das salas de programação de música. Por todo o ecossistema de música ao vivo. Para que possamos novamente aplaudir e celebrar a música e a arte.”

Covid-19 leva 25 salas e clubes noturnos a formar associação para tentar evitar “um impacto económico devastador”

Na fila encontrava-se Hélio Morais, baterista de Linda Martini e PAUS. A fadista Gisela João. A produtora Inha (Isabel Castaño). Centenas e centenas de anónimos e caras conhecidas. O agente e produtor João Vaz Silva, da Força de Produção, declarou que “há bandas que só têm este circuito para se apresentarem” e deu como exemplo os lisboetas Ditch Days. “Havia bandas grandes, como os Clã, que em vésperas da pandemia se preparavam para fazer uma tour de clubes e tiveram de cancelar. Felizmente, podem passar para o circuito dos teatros municipais. As bandas pequenas, não conseguem.”

A realizadora e produtora Raquel Castro, responsável pelo festival Lisboa Soa, referiu que “é importante demonstrar que todos precisamos de salas como o Lux ou o Maus Hábitos”. “É importante continuar a fazer as coisas dentro das normas de segurança, mas também sabemos que não tem sido na área da cultura que se dão surtos da doença, é noutros contextos”, destacou.

O produtor e DJ Branko acrescentou que “há muita música e muitos artistas que não estão a chegar às pessoas, sobretudo aqueles que dão os primeiros passos e que dependem destes locais para se tornarem visíveis”. Os meses de pandemia fizeram-no “mudar praticamente a vida toda” e atuou escassas vezes, tendo tido um verão “totalmente diferente daquilo que foram os últimos 15 anos de trabalho”. “Felizmente, estou OK com isso, mas sei que não acontece com todas as pessoas desta indústria.”

“Não pedimos novas regras sanitárias, pedimos que nos protejam”

A manifestação teve o duplo objetivo de chamar a atenção dos portugueses para uma associação de que muitos ainda nem ouviram falar e fazer ver aos poderes que a causa do Circuito tem o apoio do público e de agentes da indústria portuguesa da música. “Estes espaços não têm condições para funcionar desde março, só conseguem abrir com condições que não permitem que os negócios sejam sustentáveis. Precisam de ser protegidos, senão desaparecem”, explicou Gonçalo Riscado.

“Não questionamos as regras sanitárias que estão em vigor, acreditamos nos especialistas de saúde pública e nos decisores políticos. Mas queremos que tenham a noção da importância do setor da cultura e da importância que a socialização tem para os cidadãos. Não pedimos novas regras, pedimos que nos protejam”, adiantou o porta-voz do Circuito. E concretizou: “Temos de deixar de ter custos mensais que nos levam à falência: as rendas, para quem não conseguiu moratórias;  os custos do trabalho, porque o lay off simplificado tem custos para os empregadores; e os serviços de água, eletricidade, comunicações ou contabilidade. É preciso um financiamento que estanque estes custos.”

Ao mesmo tempo, o Circuito pretende das autarquias e do Governo “um investimento dirigido à criação, circulação e programação de música”, feito através das salas noturnas de programação cultural. “Para já precisamos de subsidiar atuações, mesmo que para poucas pessoas, e quando deixar de haver restrições precisamos de um programa em que as salas desenham projetos de circulação de artistas e são financiadas” pelo Estado, sublinhou Gonçalo Riscado, sem precisar o montante de uma tal verba a fundo perdido. “Será certamente muito abaixo de meio milhão por mês”, apontou.

“Temos de perceber se o que se passou aqui vai ter eco”

Com a designação inicial Associação Portuguesa de Salas de Programação de Música, o Circuito formalizou-se a seguir ao verão mas começou a ser pensado em maio, dois meses depois de o Presidente da República ter decretado o Estado de Emergência, com o apoio do Governo e de uma maioria na Assembleia da República. Até 1 agosto as discotecas e clubes noturnos não puderam abrir portas e desde aí estão autorizados desde que as respetivas pistas de dança “permaneçam inutilizáveis”, de acordo com a decisão de 30 de julho do executivo de António Costa.

Em Lisboa, o Circuito está em negociações com a vereação da Cultura de Lisboa e com o próprio presidente da Câmara, Fernando Medina

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

Pedro Fradique, um dos responsáveis pela programação do Lux, disse ao Observador, já depois de os manifestantes se terem dispersado, que estava satisfeito com a mobilização conseguida. “Acho que cumprimos. Quisemos apelar a uma tomada de consciência, demonstrar capacidade de organização e fazer uma reflexão sobre este assunto. Agora temos de perceber se o que se passou aqui, e o que temos feitos nos últimos meses, vai ter eco.” Referia-se a reuniões que o Circuito tem tido com autarquias e com o Governo, até agora sem resultados concretos, apesar de as conversas estarem aparentemente bem encaminhadas.

Neste particular, Gonçalo Riscado tinha adiantado duas horas antes que o Circuito está em negociações com a vereação da Cultura de Lisboa e com o próprio presidente da Câmara, Fernando Medina. A última reunião foi a 8 de outubro e a próxima deve acontecer em breve. “Está do nosso lado finalizar uma proposta detalhada”, adiantou o porta-voz do Circuito. Quanto ao Ministério da Cultura, “não está marcada mas está pedida” uma reunião.

“Não somos o Centro Cultural de Belém, mas estamos aqui para mostrar que existimos”

Na rua Passos Manuel, no Porto, formavam-se três filas. Uma para um espetáculo no Coliseu, outra para o Cinema Passos Manuel, mas a maior era mesmo à porta do Maus Hábitos. O espaço de intervenção cultural juntou-se à iniciativa da Associação Circuito, criada recentemente para lutar pela sobrevivência das salas de espectáculo. Pelas 15h, centenas de pessoas posicionavam-se nas bolas autocolantes distribuídas pelo chão, muitas de t-shirts e cartazes na mão onde se podia ler: “Ao vivo ou morto”.

“Em Portugal existem várias casas onde os músicos dão os primeiros passos e temos que lutar pela sobrevivência destes espaços que neste momentos estão em risco de colapsar. Desaparecendo, é também um legado que se perde”, começa por explicar Daniel Pires, responsável pelo Maus Hábitos.

Apesar de ter fechado 4 meses, perdido 270 mil euros e ter dispensado seis funcionários, esta morada portuense vive uma “situação privilegiada”. “Temos um restaurante em funcionamento e isso mantém-nos as portas abertas. Com a obrigatoriedade de afastarmos as mesas, acabamos por ocupar também a nossa sala de espetáculos que tem um palco. Então adaptamos a nossa programação para que as pessoas que venham jantar fora possam assistir a uma ação cultural.”

Na rua, Daniel Pires quer “chamar à atenção para o problema” e pedir às autarquias e ao Governo incentivos para que a sua atividade se mantenha, “seja para 10, 20 ou 30 pessoas”. “Queremos ocupar a posição de agentes culturais das cidades, precisamos de uma ajuda maior do que aquela que está a ser dada através do plano de recuperação, que não nos serve, pois continuam a existir rendas, seguros e equipamentos. As salas não são estáticas, há sempre um investimento a fazer”, justifica.

Para o responsável, é também essencial que o próprio Ministério da Cultura abra um concurso específico para a programação em rede deste setor. Para Luís Salgado, promotor do Maus Hábitos, “é urgente” um subsídio estatal para garantir que esta rede possa continuar a funcionar.

“Muitas destas salas estão em risco de fechar a qualquer momento e é também um circuito que se fecha, fazendo com que as bandas deixem de ter um sítio onde dar os seus primeiros concertos. Além disso, é um circuito que demorou 10 anos a construir, depois da pandemia, podemos perder outros 10 anos a colocá-lo de pé outra vez”, alerta.

Logo no início da fila, José Roberto Gomes, músico e promotor de espetáculos, dá nas vistas. É de Barcelos, vive no Porto e chega de guitarra nas mãos. “Era assim que supostamente estaria em cima de um palco”, começa por dizer ao Observador. José saiu à rua, “nesta espécie de manifestação”, para se fazer notar, já que acredita que muitos desconhecem a existência destas casas que são o primeiro palco de muitos artistas emergentes.

“Aos olhos do Governo não quer dizer que sejam [casas] esquecidas, simplesmente acho que o Governo nem sabe que elas existem, porque são tipicamente mais pequenas e independentes. Não somos o Centro Cultural de Belém, mas estamos aqui para mostrar que existimos e temos uma causa muito válida e muito importante para o futuro das artes do espetáculo em Portugal. Estas casas são o palco dos novos artistas hoje, que são os grandes artistas de amanhã. Se estas casas agora morrem, sem o apoio do governo, quando voltarmos à normalidade não há forma de apresentarmos o nosso trabalho e os nossos projetos.”

Desde que a pandemia começou, José teve cerca de 30 espetáculos cancelados enquanto músico, passou a trabalhar em casa a compor, e no que toca à promoção de espetáculos também viu muitas datas serem canceladas. “As casas passaram a receber menos 80% da sua capacidade e isso e torna-se completamente insustentável.”

"Apesar do nosso fundo de maneiro, nunca nos passou pela cabeça ter que fechar tanto tempo", disseram os responsáveis

FILIPE AMORIM/OBSERVADOR

A fila, composta por rostos tapados e silenciosos, cresceu em pouco tempo em direção à Praça Batalha e à porta das lojas espreitavam muitos curiosos a perguntar a razão daquela concentração. Francisca Cunha, DJ e fundadora do coletivo XXIII, era uma das que fez questão de estar presente, apesar da ameaça da chuva. “A editora XXIII existe desde 2015 e a nossa maior fonte de rendimento eram as festas que começamos a fazer aqui no Maus Hábitos e depois também na discoteca Pérola Negra. Com a Covid-19, tudo parou. Temo-nos focado noutras coisas, como lançamento de LPs de artistas e compilações, mas claro que não é a mesma coisa.”

Para a DJ, que não vive exclusivamente da música, “é necessário haver um apoio à cultura muito maior do que aquele que o Estado prevê”. Ao longos destes meses, Francisca garante sentir a “ressaca” das pessoas de uma noite de dança. “Há pouco tempo fui tocar num rooftop e o pessoal levantou-se com cuidado, mas havia muita vontade de dançar. As pessoas sentem mesmo falta disto na vida delas.”

“Na música todos dependem uns dos outros”

A ação da Circuito aconteceu no Porto à porta do Hard Club, do Ferro Bar e também do Plano B. À entrada da discoteca, na rua Cândido dos Reis, juntavam-se cerca de 20 pessoas, a maioria trabalhadores da casa que está fechada há 8 meses e não tem qualquer perspetiva de reabertura.

“Já havia um projeto de fazer um rede de salas antes da pandemia, mas isto acelerou todo o processo. Temos de ter um apoio europeu ou nacional para tentar minimizar os danos que estamos a sentir”, começa por dizer o responsável Filipe Teixeira ao Observador.

As consequências, diz, “são graves”. Até agora ainda nenhum dos 20 funcionários foi dispensado, mas o prejuízo é “gigantesco”, numa casa que faturava 30 mil euros por mês. “Pedimos um empréstimo para enfrentar as despesas. Temos a renda congelada, mas comportamos outros valores fixos que somos obrigados a cumprir. Apesar do nosso fundo de maneiro, nunca nos passou pela cabeça ter que fechar tanto tempo”, confessa, acrescentando que a opção de fazer obras de remodelação no espaço, feita antes da pandemia, veio agravar ainda mais a situação atual.

Considerado um dos motores da movida portuense, o Plano B previa abrir portas no fim de outubro, mas o cenário foi adiado devido ao evoluir do número de infetados em Portugal. “Íamos abrir num formato completamente diferente, com lugares sentados marcados por reserva, sem dança, mas com espetáculos de música ao vivo, DJs e performances”, adianta.

Junto à porta da conhecida discoteca está também Céline Valente, responsável pela comunicação e programação de bandas daquele espaço. “Na música todos dependem uns dos outros, os músicos dependem dos clubes e clubes dependem dos músicos. Claro que não queremos promover que existam outras pessoas infetadas, mas não há forma de subsistir a isto”, desabafa. Se no início da pandemia, Céline ainda delineou uma programação de conversas online, neste momento, admite, “não há muita coisa que possamos fazer”.

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