A discoteca lisboeta Lux-Frágil vai voltar a funcionar a partir deste fim de semana, com lugares sentados e música pelos DJ residentes mas sem pista de dança, o que marca o regresso à atividade de um dos principais espaços noturnos da capital desde o encerramento obrigatório em meados de março devido ao novo coronavírus. O anúncio oficial da reabertura foi feito nesta quinta-feira à tarde, através de um comunicado nas páginas do Lux no Facebook e Instagram, onde se liam duas frases fortes: “Transformar o ‘novo normal’ no novo urgente” e “é permitido permitir”.
“Queremos abrir as portas e concretizar no escuro da pista a boca de um palco. Sim, vamos fazer espetáculos; concertos, performances, DJ sets, live acts, teatro, cinema, o que nos apetecer”, referia o comunicado. A data concreta de reabertuta não estava indicada, mas o Observador confirmou-a junto dos responsáveis pela discoteca.
Tal como é comum nas iniciativas do clube de Santa Apolónia, esta também já tem um nome: “Entre-Abertura”. A partir de sexta-feira à noite, a pista de dança vai estar encerrada e o bar e o terraço terão cadeiras e mesas para que o público circule o menos possível e mantenha a distância, como mandam as regras da Direção-Geral da Saúde e do Governo. Haverá empregados de mesa, evitando que as pessoas se acumulem junto ao balcão. A lotação máxima não foi divulgada.
As discotecas podem funcionar desde 1 de agosto como se fossem cafés ou pastelarias e desde que as respetivas pistas de dança “permaneçam inutilizáveis”, decidiu o Governo a 30 de julho, o que tem gerado forte contestação por parte de empresários da noite. O Lux vai agora ao encontro das normas, tal como fizeram algumas casas noturnas em todo o país, mas a aposta passa fundamentalmente por programação cultural.
“Vamos afirmar o lado multidisciplinar que sempre tivemos, com concertos, performances, cinema ou teatro”, resumiu ao Observador Pedro Fradique, um dos responsáveis pela programação do Lux. “Não seremos uma discoteca, não seremos um bar, vamos apresentar espetáculos e teremos locais de apoio para venda de bebida e de comidas, sempre cumprindo a legislação em vigor e as orientações da DGS. No fundo, afunilamos a nossa atividade a uma das coisas que sempre fizemos.”
A entrada deixará de ser paga à porta e em lugar disso serão vendidos bilhetes através de plataformas de bilhética na internet. A programação das próximas semanas não está inteiramente definida, estando na calha os DJs residentes (Rui Vargas, Dexter, Yen Sung, Leonaldo de Almeida, Zé Pedro Moura, entre outros) e também concertos ao vivo. Sabe-se que nesta sexta-feira de “Entre-Abertura” atuam Mbye Ebrima e GPU Panic, a partir da 21h30, enquanto no sábado entram Yen Sung às 17h00 e Terra Chã às 22h00.
“O menos dispendioso neste momento seria continuarmos fechados, mas as pessoas têm de trabalhar”, sublinhou Pedro Fradique. “Numa altura em que dançar é visto quase como uma ameaça, decidimos não estar parados, não numa lógica de confronto mas de fazer alguma coisa dentro do que é possível”, acrescentou.
O comunicado de quinta-feira sublinhava: “Há meio ano que a pista do Lux está às escuras. As portas fecharam-se, o sistema de som foi desligado da tomada. Os desejos de noites mais longas, beijos com mais língua, sol mais gentil sobre os olhos ao amanhecer, foram ao ar.” E ainda: “Dançar — o próprio ato de dançar, de existir em movimento perpétuo, com mais ou menos filosofia — tornou-se refém de normas, protocolos e policiamento.”
A reabertura terá sido determinada pela vontade de regresso ao trabalho por parte dos funcionários da casa, quase todos com vínculos laborais estáveis, e ganhou balanço no último domingo, 30 de agosto, quando o Lux organizou um concerto de Joana Gama no parque de estacionamento junto ao próprio edifício (integrado no ciclo de programação paralela Boca do Lobo, também interrompido em março e agora a decorrer até 10 de outubro).
https://www.facebook.com/luxfragil/posts/10158380184311664
A discoteca inaugurada em 1998 pelo empresário Manuel Reis (que morreu em março de 2018, aos 71 anos) tem como lema “a nossa vida é toda para diante” e é gerida por Lúcia Azevedo, mantendo como um dos sócios o ator John Malkovich. Passa a funcionar às sextas e sábados, como até março, mas a utilização da pista de dança só acontecerá se houver concertos de lugar sentado.
Associação pede apoios ao Estado
O Lux é um dos três espaços noturnos, juntamente com o MusicBox (Lisboa) e o Maus Hábitos (Porto), que se juntaram durante o confinamento para criar a Associação Portuguesa de Salas de Programação de Música, a que já aderiram dezenas de espaços noturnos do continente das ilhas. O objetivo é o de falarem a uma só voz junto dos poderes públicos e demonstrarem que não são apenas discotecas.
Dentro de poucos dias vão lançar uma campanha nas ruas e nas redes sociais sob o nome Circuito. Não reivindicam regras de exceção para a reabertura, mas pedem apoios a fundo perdido às autarquias e ao Governo, enquanto não puderem funcionar normalmente, e pretendem ocupar espaços ao ar livre ou com áreas amplas para aí desenvolverem as suas atividades de acordo com as regras sanitárias vigentes.
Gonçalo Riscado, responsável pelo MusicBox e porta-voz do Circuito, disse ao Observador em agosto que há uma diferença entre as discotecas de entretenimento puro, em que a música é um veículo para diversão e consumo de bebidas alcoólicas, e estas outras salas noturnas que vivem da programação de música e artistas, muitas vezes com equipas de curadores.
“Vendemos bilhetes, bebidas e comida, claro, como forma de ajudar a financiar a atividade, mas fazemos programação cultural”, sublinhou Gonçalo Riscado, acrescentando que a falta de apoio do Estado pode levar ao encerramento definitivo das discotecas com programação, o que representaria uma “enorme perda cultural” e teria “um impacto económico devastador”.
Notícia atualizada às 17h55 com concertos de sexta e sábado e informações adicionais dos programadores.