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Será que vai voltar a comer polvo depois de ver este filme?

Este artigo tem mais de 4 anos

“My Octopus Teacher” documenta a relação entre um polvo e um realizador e prova a inteligência destas criaturas. Um especialista português explica como é que este filme é diferente dos outros.

“[este filme] Não é de um cariz muito científico, é quase uma história de amor entre um humano e um organismo. Vê-se, de facto, que há ali uma relação de proximidade", diz o biólogo Rui Rosa
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“[este filme] Não é de um cariz muito científico, é quase uma história de amor entre um humano e um organismo. Vê-se, de facto, que há ali uma relação de proximidade", diz o biólogo Rui Rosa

“[este filme] Não é de um cariz muito científico, é quase uma história de amor entre um humano e um organismo. Vê-se, de facto, que há ali uma relação de proximidade", diz o biólogo Rui Rosa

Depois de ver “My Octopus Teacher” (em português “A Sabedoria do Polvo”) é provável que nunca mais queira comer polvo. Afinal, são animais inteligentes, com memória e que conseguem criar laços com humanos. Foi isso que provou Craig Foster, um realizador à beira de um esgotamento, que decidiu passar um ano com um polvo (fêmea) numa floresta subaquática de algas na África do Sul.

Todos os dias, Foster mergulhou sem fato e sem botija nas águas geladas do Atlântico (a 8 graus no inverno) para observar o animal de perto (um polvo-comum, aprendemos) até conseguir ganhar a sua confiança e desenvolver uma espécie de relação obsessiva, retratada no popular documentário que chegou à Netflix o mês passado.

Este não é um filme ao estilo BBC Vida Selvagem. “É um documentário diferente”, sublinha o biólogo marinho Rui Rosa, professor na Universidade de Lisboa e especialista em cefalópodes. “Não é de um cariz muito científico, é quase uma história de amor entre um humano e um organismo. Vê-se, de facto, que há ali uma relação de proximidade. Revela como uma pessoa em burnout consegue encontrar-se a si própria dentro do oceano, cultivando uma relação pouco provável com um polvo.”

Desde a estreia do filme que várias pessoas lhe perguntaram se esta relação pouco provável pode ser verdadeira. “Perguntam-me se aquilo é possível ou se é manipulação”, conta o biólogo. É tudo verdade.

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“Estes moluscos são diferentes dos outros invertebrados porque têm um cérebro extremamente desenvolvido e revelam capacidades de memória e de aprendizagem extraordinárias.”

[o trailer de “A Sabedoria do Polvo”:]

De tal maneira que “não só conseguem resolver problemas no seu dia-a-dia, como também aprendem com os outros socialmente, imitam organismos”. Conseguem esconder-se, camuflam-se com conchas, pedras e algas e até se fazem passar por outras espécies para enganar os predadores. É assim, escondido entre conchas, que o polvo chama a atenção de Foster num dos primeiros mergulhos desta saga, em 2010, enquanto explorava a floresta subaquática.

O filme foi lançado a 7 de Setembro e levou precisamente 10 anos a ser feito. O realizador acompanhou 80% da vida do polvo – o que na verdade não é assim tanto tempo. “Live fast, die young” é o lema de vida destes bichos, recorda o biólogo Rui Rosa. “Têm um curto ciclo de vida, só vivem entre 12 a 18 meses.”

Esgotado do trabalho e com problemas em casa, Craig Foster, de 52 anos, decide regressar às origens, ao oceano na África do Sul onde cresceu e onde mergulha desde os 3 anos, o seu “lugar mágico”, disse numa entrevista à NPR.

Ao contrário do que se possa pensar, esta não é uma zona nada tranquila para mergulhar. Com rochas por perto, as maiores ondas do mundo e várias espécies de tubarões a rondar, seria o último sítio para estar tranquilo. “É chamado o Cabo das Tormentas por alguma razão”, continua Foster. “As pessoas têm medo de tubarões e animais grandes, mas esses não são perigosos. Estas vagas enormes é que são o verdadeiro perigo. Estive perto de perder a minha vida várias vezes e fui sugado para grutas subaquáticas. É preciso ter cuidado e saber ler o tempo e as correntes muito bem.”

Numa destas incursões subaquáticas sem fato e sem botija de oxigénio (para estar mais próximo da natureza e “sentir-se vivo”, diz) um polvo-comum desperta a curiosidade de Foster, de tal maneira que o mergulhador o procura todos os dias até que o animal não se importe com a sua presença e o deixar entrar no seu mundo.

Esgotado do trabalho e com problemas em casa, Craig Foster, de 52 anos, decide regressar às origens, ao oceano na África do Sul onde cresceu e onde mergulha desde os 3 anos, o seu “lugar mágico”, disse numa entrevista à NPR

Mais que isso, o polvo retribui a curiosidade. Parece fitá-lo (acredita-se que os polvos conseguem distinguir cores) e até lhe estende um tentáculo, a fazer lembrar a cena de E.T. e o seu dedo luminoso. “São muito fortes, a sucção é poderosa”, descreve Foster.

A relação entre os dois evolui e somos levados para o mundo deste polvo: a caça, as camuflagens, as refeições, as fugas de vilões como os tubarões listrados (spoiler: há um ataque mas o tentáculo do polvo ferido regenera) e até as brincadeiras em frente à câmara. É verdade, os polvos brincam.

A “National Geographic” diz mesmo que a “inteligência dos polvos envergonha muitos vertebrados”. Os polvos têm 500 milhões de neurónios, enquanto os seres humanos 86 mil milhões, mas os ratos apenas têm 80 milhões. O mais interesse é que a maior parte dos neurónios do polvo não estão no cérebro, mas sim espalhados pelos tentáculos, com um sistema nervoso complexo.

“Foi a minha professora que me mostrou os outros animais da floresta”, conta Craig, explicando o título do filme – “My Octopus Teacher”, em português traduzido para “A Sabedoria do Polvo”. Apesar de  não se perceber no documentário, também contou com a ajuda de outros mestres, cientistas e mergulhadores, que o ajudaram a descodificar alguns dos comportamentos do bicho, alguns deles uma novidade para a comunidade científica.

Rui Rosa, o biólogo português que investiga a maneira como os cefalópodes se estão a adaptar “às alterações climáticas” da última década, conseguiu surpreender-se. Além da “cumplicidade da relação” entre Foster e o polvo, o investigador destaca uma cena em particular.

“Quando o polvo se esconde como uma bola nas costas de um tubarão. Achei delicioso. Posso estar errado, mas não havia registo deste comportamento na literatura científica nem em nenhum outro documentário.”

Esta cumplicidade consegue-se, segundo Foster, com “confiança”. “Eles são muito curiosos. Oscilam entre o medo e a curiosidade. Só depois de algum tempo percebem ‘OK, esta pessoa não é uma ameaça e o jogo muda. E reconhecem as pessoas, isso está provado.”

Algumas semanas depois da estreia, o filme deu que falar nas redes sociais quando Sophie Lewis, uma escritora feminista, descreveu-o num tweet como “um documentário sobre um homem hetero que tem uma relação erótica que vai mudar a sua vida com um polvo fêmea”.

O tópico tornou-se tão viral que a “Vulture” dedicou um artigo apenas a esta temática sexual – “So How Horny Is The Netflix Octopus Movie?” – para não chegar a conclusão nenhuma a não ser que “o oceano é obviamente inerentemente erótico”.

Pelos vistos, estas criaturas são tão especiais que até têm um dia dedicado a elas, a 8 de Outubro, o Dia Mundial do Polvo. A data, para dar a conhecer a espécie que é mais antiga que os dinossauros (e é a quarta mais pescada em Portugal), não foi escolhida ao acaso: os polvos têm oito tentáculos.

Efemérides à parte, a “New York Magazine” considera o filme “a história de amor que todos precisávamos agora”. E, sim, tem razão. Prepare-se até para algumas lágrimas, já que desde o início sabemos o final trágico da história: “Quando se reproduzem, [os polvos] morrem, como muitas espécies”, continua o biólogo português Rui Rosa.

Mas até nisso parece haver algum conforto. “De certa forma, é melhor que uma morte humana porque é muito misericordiosa, muito curta”, comenta Craig Foster sobre a perda da sua amiga marinha. “Quando chega ao fim da sua vida, fica senil, o cérebro não está a funcionar tão bem, então ela não está totalmente ciente do que se está a passar.”

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