(Em atualização)

Num dia, três atentados contra França. Primeiro foi em Nice, onde pelo menos três pessoas morreram na sequência de um ataque com uma faca, na Basílica de Notre-Dame. Fonte da polícia disse à Reuters que uma mulher foi degolada. O principal suspeito foi detido — será um jovem de 21 anos, natural da Tunísia, que chegou ao país no início do mês. Cerca de duas horas depois, um outro homem tentou atacar várias pessoas com uma arma em Avignon, mas foi abatido a tiro pela polícia. Já num consulado francês da Arábia Saudita um homem foi atacado com uma “ferramenta afiada”.

O autor do ataque em Nice foi identificado como Brahim Aoussaoui, um jovem de 21 anos natural da Tunísia. De acordo com o jornal francês Le Figaro, Aoussaoui chegou a França no início de outubro. No final de setembro tinha chegado à ilha italiana de Lampedusa, onde foi colocado em quarentena antes de ser obrigado a abandonar o país.

Os ataques já provocaram reações de repúdio de todo o mundo, desde o Papa Francisco ao primeiro-ministro e Presidente portugueses, à chanceler alemã e até ao Ministério dos Negócios Estrangeiros da Turquia (o país tinha anunciado medidas “judiciais e diplomáticas” depois de a revista satírica francesa Charlie Hebdo ter publicado uma caricatura do Presidente Recep Erdogan).

O episódio de Nice é o segundo em menos de duas semanas que resulta numa pessoa degolada. A 16 de outubro, Samuel Paty, professor, foi decapitado em Conflans-Sainte-Honorine, um subúrbio de Paris, depois de ter mostrado aos alunos caricaturas do profeta Maomé. Testemunhas dizem que o atacante gritou “Allahu Akbar” (“Alá é o maior”) durante o ataque, precisamente a mesma frase que terá sido proferida pelo agressor de Nice. O ataque aconteceu pelas 9h00 locais (8h00 em Portugal continental). O Le Monde escreve que o atacante foi baleado pela polícia e está em estado grave, tendo sido levado para o hospital.

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[As imagens do ataque em Nice]

No Twitter, ainda durante a manhã, o autarca de Nice anunciou que a polícia deteve “o autor de um ataque com uma faca” perto da Basílica de Notre Dame.

Das três vítimas, duas morreram no interior da Basílica: uma mulher, com cerca de 70 anos, que foi degolada, e o sacristão, de 45 anos, que foi esfaqueado. A terceira vítima é uma mulher que ainda tentou refugiar-se num café perto da Basílica, mas acabou por não resistir aos ferimentos.

Uma das vítimas, o sacristão, foi identificado pelo deputado Eric Ciotti como sendo Vicent Loquès, um homem “extremamente dedicado à sua igreja”. A Sky News escreve que Loquès tinha dois filhos e era o sacristão da igreja há mais de 10 anos.

Entretanto, circulam já nas redes sociais imagens da operação policial e do forte dispositivo das forças de segurança.

https://twitter.com/disclosetv/status/1321734191210471428

https://twitter.com/disclosetv/status/1321745996381081600

Horas depois de Nice, uma tentativa de ataque em Avignon. E um ferido no consulado francês da Arábia Saudita

O Libération escreve que um homem com uma faca ameaçou várias pessoas em Avignon, também em França, por volta das 11h15 horas locais (10h15 em Portugal continental). Tentou depois atacar os polícias que tentavam detê-lo, e que responderam com disparos. O atacante, que também terá gritado “Allahu Akbar” durante o ataque, acabou abatido pela polícia.

Também durante esta manhã, na Arábia Saudita, um guarda do consulado francês de Jidá foi atacado com uma “ferramenta afiada”, citou a Reuters a partir da emissão da televisão estatal saudita.

O agressor foi detido; o guarda, funcionário de uma empresa de segurança, ficou ferido e foi transportado para o hospital, mas não corre risco de vida, informou entretanto a embaixada francesa em Riade, acrescentando que o ataque foi perpetrado com uma faca.

No texto, em que “condena firmemente” o ataque, a embaixada avisou os franceses naquele país para se manterem em “máxima vigilância”.

Macron em Nice: “É a França que está a ser atacada”

Em visita a Nice, o presidente francês, Emmanuel Macron, falou num “ataque terrorista islâmico”. E apelou aos franceses para que não cedam “ao espírito de divisão”. “Muito claramente, é a França que está a ser atacada“, frisou. O presidente francês confirmou ainda o ataque no consulado francês na Arábia Saudita, acrescentando que foram feitas detenções no território francês.

Macron quis “expressar o apoio de toda a nação aos católicos, em França e fora dela”. Lembrou o assassinato de um padre, Jacques Hamel, em 2016, num atentado terrorista em Saint-Étienne-du-Rouvray, no norte de França: “Mais uma vez os católicos são agredidos no nosso país, ameaçados”. O país vai continuar a assegurar “que a religião possa continuar a ser exercida livremente no nosso país”, continuou.

Além disso, Macron anunciou que vai reforçar a chamada Operação Sentinela, passando de 3.000 militares para 7.000. Esta Operação foi criada após vários atentados terroristas, em janeiro de 2015, onde se inclui o ataque ao Charlie Hebdo, e está focada na prevenção e no combate ao terrorismo internacional.

O autarca Christian Estrosi, que esteve no local a acompanhar as operações, referiu no Twitter, logo de manhã, que “tudo aponta para um ataque terrorista” em Nice.

Já Gérald Darmanin, ministro do Interior do país, deu conta no Twitter de uma “operação policial em curso”. O ministro informou que depois de reunir com o presidente da Câmara de Nice vai presidir a uma “reunião de crise” no Ministério do Interior. Pede às pessoas que evitem a área do ataque e sigam as instruções dadas pelas autoridades.

Segundo o Le Monde, o primeiro-ministro francês, Jean Castex, abandonou a Assembleia nacional, onde estava para um debate sobre as novas medidas contra a pandemia, quando se soube dos ataques. Entretanto, o responsável elevou o nível de alerta terrorista em todo o país para o nível “emergência atentado”. Castex classificou o ataque como “ignóbil, bárbaro e abjeto” e prometeu uma resposta “firme, implacável e imediata”. O Conselho de Defesa Nacional de França reúne-se na sexta-feira.

Fotos. O mundo muçulmano manifesta-se contra Macron

Emmanuel Macron tem criticado duramente o islamismo radical que matou Samuel Paty, a 16 de outubro, e prometeu que França iria continuar a defender a produção de caricaturas. Tornou-se, por isso, alvo de manifestações em vários países de maioria muçulmana.

“Terrível ataque”. Marcelo e Costa transmitem solidariedade a França

Marcelo Rebelo de Sousa expressou a “solidariedade do povo português” ao presidente Emmanuel Macron e “ao povo francês” num “momento em que França sofre mais um atentado”. Em declarações aos jornalistas, no Palácio de Belém, o Presidente da República defendeu que “não são apenas aqueles que foram visados os que sofrem, é a França, é a liberdade, é a democracia, é o diálogo, é a tolerância, é a liberdade religiosa, é a liberdade em geral”, disse, acrescentando que “naturalmente, todos os democratas estão ao lado dos demais democratas e lutadores pela liberdade, pela convivência pacífica e pela tolerância, para além das divergências que possa haver de posições políticas ou religiosas”.

O primeiro-ministro português, António Costa, também já reagiu ao “terrível ataque“. Numa mensagem no Twitter, expressou solidariedade para com França e disse que o ato reforça a “determinação em manter a Europa unida contra o ódio, na defesa da liberdade e da tolerância”.

As reações vieram também da Alemanha, com a chanceler Angela Merkel a transmitir a “solidariedade” da Alemanha para com França. “Nestes tempos difíceis, a Alemanha envia a sua solidariedade à nação francesa”, disse.

Conselho Europeu condena ataque e apela ao diálogo entre comunidades e religião

Também os chefes de Estado e de Governo da União Europeia, em Conselho Europeu, condenaram o ataque e apelaram “aos dirigentes do mundo inteiro” que trabalhem “no diálogo e compreensão entre as comunidades e religião, e não na divisão”.

Nós, dirigentes europeus, estamos chocados e entristecidos com os ataques terroristas em França. Condenamos nos termos mais veementes estes ataques, que representam ataques aos nossos valores comuns”, começam por afirmar na declaração conjunta os membros do Conselho Europeu.

Os 27 dizem-se “unidos e firmes na solidariedade com França, o povo francês e o seu Governo” e “no combate comum e contínuo contra o terrorismo e extremismo violento”.

Os líderes das instituições europeias — o presidente do Conselho, Charles Michel, a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, e o presidente do Parlamento Europeu, David Sassoli, também já haviam condenado o que classificaram como um “ataque abominável”.

Papa lamenta ataque “que semeou a morte num lugar de oração”, mas pede que o povo francês responda “ao mal com o bem”

O Papa Francisca lamentou o ataque em Nice, que “semeou a morte num lugar de oração e consolo“. “Rezo pelas vítimas, pelas suas famílias e pelo querido povo francês, para que respondam ao mal com o bem.”

Num comunicado, o porta-voz do Vaticano, Matteo Bruni, defendeu que o “terrorismo e a violência nunca podem ser aceites”. “É um momento de dor num período de confusão”, escreveu, acrescentando que “o Papa está informado da situação e está próximo da enlutada comunidade católica”. “Ele reza pelas vítimas e os seus entes queridos, para que a violência cesse, para que possamos mais uma vez ser considerados como irmãos e não como inimigos”.

Turquia condena ataque “selvagem”

A Turquia colocou de lado as tensões entre Ancara e Paris e condenou “veementemente” o ataque “selvagem” de Nice. “Condenamos veementemente o ataque que foi cometido hoje [quinta-feira] no interior da igreja de Notre-Dame de Nice (…) e apresentamos as nossas condolências aos familiares das vítimas”, escreveu o Ministério dos Negócios Estrangeiros turco num comunicado.

“É claro que os que cometeram um ataque tão selvagem num local de culto sagrado não podem inspirar-se em qualquer valor religioso, humano ou moral”, referiu, expressando “solidariedade com o povo francês face ao terrorismo e à violência”.

As relações entre Ancara e Paris não têm estado pacíficas. A Turquia anunciou na quarta-feira que vai avançar com medidas “judiciais e diplomáticas” depois de a revista satírica francesa Charlie Hebdo ter publicado uma caricatura do Presidente Recep Erdogan. Nesse dia, o Presidente turco disse ser “inútil dizer seja o que for sobre esses canalhas [do Charlie Hebdo]”, acrescentando que a sua raiva “não se deve ao ataque ignóbil contra a minha pessoa, mas aos insultos contra o profeta” Maomé. “Sabemos que o alvo não é a minha pessoa, mas os nossos valores”.

“Ignóbil ataque”. Turquia responde com medidas judiciais e diplomáticas a caricatura de Erdogan contra “canalhas” do Charlie Hebdo

Guterres “condena veementemente o ataque hediondo”

O secretário-geral da ONU, António Guterres, “condena veementemente o ataque hediondo que ocorreu hoje [quinta-feira] na Basílica de Notre Dame em Nice”, afirmou o porta-voz, Stephane Dujarric, citado pela agência de notícias AFP.

“Estes ataques têm que parar”. Donald Trump mostra-se solidário com França

O Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, publicou no Twitter uma mensagem de apoio ao seu “aliado mais antigo nesta luta”, afirmando que os ataques islâmicos têm que parar “imediatamente”.

“Os nossos corações estão com o povo de França. A América está com o nosso aliado mais antigo nesta luta. Estes ataques terroristas de radicais islâmicos têm que parar. Nenhum país, França ou qualquer outro, aguentará por muito tempo!”, escreveu na rede social.

Há quatro anos, atentado fez 86 mortos e 458 feridos em Nice

Nice não é propriamente estranha a este tipo de atentados e violência. Foi precisamente naquela cidade da Côte d’Azur que, a 14 de julho de 2016, aconteceu o ataque terrorista mais mortífero na Europa desde os atentado do Bataclan (Paris, 13 de novembro de 2015, 137 mortos e 413 feridos).

Pouco passava das 22h40 quando um camião de 19 toneladas entrou na avenida marginal da cidade, a Promenade des Anglais, na altura apinhada de gente em plena celebração do Dia da Bastilha. Ao volante, seguia Mohamed Lahouaiej Bouhlel, um tunisino de 31 anos residente em França, desempregado, em processo de divórcio e com três filhos, que ao longo de quase dois quilómetros, percorridos a uma velocidade de cerca de 80 km/h, abalroou várias centenas de pessoas — matou 86, feriu 458, contabilizaram no final as autoridades francesas.

O atentado, que culminou na morte de Bouhlel, atingido a tiro pela polícia, viria a ser reivindicado pelo Estado Islâmico, que em comunicado garantiu ao mundo que o terrorista era um “soldado do Islão”. Quatro anos depois, tanto em Nice como em Avignon, os ataques desta quinta-feira foram acompanhados por loas a Alá.

Em 2016 veio a revelar-se que a radicalização de Bouhlel, homem descrito pelos vizinhos como solitário e pouco dado ao cumprimento dos preceitos da religião — comia carne de porco, bebia álcool e consumia álcool, contou mesmo um primo ao Daily Mail — se teria dado de forma muito rápida.

França. Podia o ataque em Nice ter sido evitado?

Na verdade, o homem, em tempo motorista de entregas, até estava referenciado junto das autoridades francesas e tinha cadastro, por pequenos delitos com armas, acusações de violência conjugal, ameaças e roubo, tendo sido mesmo condenado a seis meses de prisão uns tempos antes, por um caso de “violência com armas”. Só não havia nada que consubstanciasse a sua ligação a grupos extremistas. “Não era conhecido dos serviços de inteligência”, garantiu na altura o então ministro francês do Interior, Bernard Cazeneuve.

A 14 de julho de 2016, depois de dois dias a ensaiar o percurso que iria fazer, Mohamed Bouhlel ultrapassou a barreira policial montada na Promenade des Anglais — ia vender gelados, explicou aos agentes com que se cruzou — e esperou que a avenida enchesse.

Para preparar o atentado, o terrorista terá contado com a ajuda de pelo menos outras cinco pessoas, quatro homens e uma mulher. Todos foram detidos.